A Origem e o Significado do Sinal da Cruz

A fim de elucidar o assunto, examinaremos em primeiro lugar o significado da cruz antes do Cristianismo; a seguir, analisaremos a prática do sinal da cruz entre os cristãos.

1. A cruz antes de Cristo

A cruz é um dos símbolos mais antigos e difundidos entre os povos — o que se deve provàvelmente à sua configuração extremamente simples e espontânea; consta de duas linhas retas que se cortam em direções opostas: a vertical, lembrando o fogo, representaria as aspirações mais profundas e ardentes do homem, sua sede de algo de melhor e sua- atividade; a linha horizontal, lembrando a superfície plácida da água, representaria a tranquilidade e a paz decorrentes da consecução do objetivo almejado.

E que conceitos terão os homens associado ao símbolo da cruz?

1.1. As primeiras noções que a humanidade parece ter concatenado com a cruz, eram alvissareiras ou de bom presságio, não de mau agouro.

Como se poderia evidenciar isso?

Em geral, o desenho da cruz era associado, entre os povos orientais primitivos, a alguma das três seguintes ideias, muito caras a todo homem: a ideia do sol, fonte de calor, luz e vida (ou seja, de bem-estar); a ideia da terra inteira; do universo, ou a ideia do homem mesmo.

Procuremos exemplificar cada uma dessas três associações:

a) O binômio «cruz = sol, fonte de vida» é dos mais frequentes na antiguidade.

a’) Assim os caldeus na Mesopotâmia representavam o sol por um disco donde procediam oito ralos; juntando esses raios dois a dois, obtinham quatro braços -ou feixes de luz a emanar (a Igual distância) do disco central — o que equivalia a uma cruz.

Entre os destroços da idade do bronze, não faltam; em objetos de cerâmica, em joias, os traços característicos da cruz. a recordar um foco de luz ou o sol.

b’) No Egito, um dos hieróglifos tinha a forma de cruz; era o ank, o qual significava «vida, ser». Na verdade, o ank nada mais era um tau (T) munido de uma alça sobre a trave horizontal, para ser facilmente transportado; tomava assim a forma de uma chave, sendo por isto chamado «chave da vida».

Do Egito, o símbolo ank ou a chave da vida difundiu-se para a Fenícia e para outras regiões do mediterrâneo, aparecendo em túmulos, cerâmicas, joias…

c’) Outra modalidade de cruz antiga é a cruz gamada (assim dita porque se compõe de quatro gamas (r), unidos entre si pelas bases); encontra-se frequentemente na Grécia antiga e na Ásia. Na Índia, a cruz gamada tinha o nome de swastiska (apelativo derivado de su, bem, e astl, está). Na China, a cruz gamada pertencia aos sinais da escrita, exprimindo «pluralidade» e, por conseguinte, «abundância, prosperidade, longa vida». No Japão, representava o número 10.000 e, derivadamente, «abundância, prosperidade».

Os estudiosos têm perguntado: donde se poderia derivar o sentido de bom agouro da cruz gamada? — Diversas são as respostas apresentadas: a cruz gamada significaria ou água corrente ou o ar, ou o fogo, ou o relâmpago ou o sexo feminino ou o sol e seu aparente curso rotatório. Cada uma destas explicações parece encerrar parte da verdade: em última análise, é bem possível que originariamente a cruz gamada tenha representado o sol em seu aparente movimento (o sol é, sim, um dos elementos básicos que a cruz constantemente simboliza); posteriormente, a cruz gamada se terá tornado símbolo do movimento dos astros em geral e, por extensão, símbolo de tudo aquilo que parece mover-se por si mesmo (a água, o vento, o raio, o fogo, etc.). Consequentemente, a cruz gamada ficou sendo aos poucos um símbolo de prosperidade, fecundidade ou bênção; em algumas regiões, veio a ser mesmo o emblema dos deuses que asseguram o desenvolvimento, do homem e da natureza.

Segundo Albert Reville, os aborígenes do México chamavam a cruz «árvore da fecundidade» ou «árvore da vida».

b) A cruz era cara aos antigos também por simbolizar a terra ou o universo. Com efeito, por seus quatro braços a cruz alude as quatro partes do mundo e aos quatro ventos que trazem a chuva benéfica. Entre os chineses, dizia-se que a Divindade plasmou a terra em forma de cruz. O filósofo grego Platão (séc. V a.C.), por sua vez, ensinava que a estrutura do universo é constituída por dois grandes eixos que se cortam ao meio em forma de X (cf. Timeu 36).

Já na era cristã, S. Jerônimo (+421), fazendo eco a esse antigo modo de ver, interrogava:

«A imagem da cruz, que representa ela senão a moldura quadrada do mundo?» (Com in Mc).

c) O terceiro título que outrora valorizava a cruz, era a afinidade com o tipo humano. Com efeito, desde que estenda os braços para os lados, o homem toma a forma de cruz; em consequência, não era raro dizer-se que o homem foi feito segundo a figura da cruz. Nos destroços da pré-história encontram-se amuletos e ídolos a representar o homem em forma de cruz.

1.2. No Império Romano, isto é, no fim da era pré-cristã, a cruz foi sendo mais e mais aplicada como instrumento de suplício; destarte tornou-se lembrete de ignomínia e morte; aos cidadãos do Império ela não podia deixar de inspirar horror espontâneo (como a imagem da forca horroriza o homem do séc. XX). Por isto mesmo a cruz, entre os romanos, não tinha uso decorativo nem simbólico; estava mesmo banida do setor da estética.

Recapitulando: nos primórdios de sua história, a cruz aparece como sinal de bom agouro, principalmente por estar não raras vezes associada à ideia do sol, fonte de vida e felicidade.

Somente no limiar da era cristã a cruz se tornou motivo de escândalo e repúdio, dado o largo uso que dela foram fazendo os magistrados na punição de criminosos.

Ora foi em meio a tal estado de coisas que o Cristianismo, mensagem do Crucificado, começou a se propagar. Consideremos, pois, o comportamento dos discípulos de Cristo em relação ao símbolo da cruz.

2. Os cristãos e o sinal da cruz

2.1. Muito embaraçosa era a situação dos cristãos “frente aos demais cidadãos do Império Romano: deviam-lhes apregoar a mensagem da cruz redentora, de modo a suscitar não somente compaixão, mas também entusiasmo e adoração diante de Jesus Cristo crucificado!

«Enquanto os judeus exigem milagres e os gregos andam em busca da sabedoria, nós, da nossa parte, pregamos Cristo crucificado — escândalo para os judeus, loucura para os gentios. Para aqueles, porém, que foram chamados — tanto judeus como gregos —, é… poder de Deus e sabedoria de Deus» (São Paulo, 1 Cor 1,22-24).

Em tais circunstâncias, os discípulos de Cristo não hesitaram em acentuar o caráter aparentemente paradoxal da «Boa Nova» ou da salvação pela cruz. A fim de persuadir mais eficazmente, terão, em casos oportunos, recorrido à estima que os antigos pagãos tributavam ao sinal da cruz; não era esta, apesar de tudo que ela pudesse evocar de horrendo para um cidadão romano, um símbolo espontâneo de; bom agouro desde os primórdios da humanidade?

O seguinte episódio ilustra bem como os cristãos procuraram aproveitar as antigas concepções de seus concidadãos pagãos a fim de os levar à fé de Cristo:

O historiador cristão Sócrates (t 439) refere que no ano de 389, em Alexandria (Egito), «quando se demolia e despojava o templo de Serápis, foram encontrados caracteres ditos ‘sacros’ gravados sobre pedras. Esses caracteres tinham a configuração da cruz; vendo-os, tanto os cristãos como os pagãos não hesitaram em relacioná-los com a sua respectiva religião. Os cristãos, considerando a cruz como sinal da paixão salutar de Cristo, julgaram tratar-se do sinal característico da fé; os pagãos, porém, diziam que se tratava de algo de comum a Cristo e a Serápis… Levantou-se uma controvérsia sobre o assunto, por ocasião da qual alguns dos gentios convertidos ao Cristianismo e bem iniciados na significação dos hieróglifos deram a interpretação do sinal que tinha a forma de cruz; asseveraram, sim, que significa (em linguagem hieroglífica) a vida futura. Os cristãos aproveitaram-se então dessa circunstância em favor da sua própria religião, concebendo ainda mais ardor e segurança na defesa da sua causa. Entrementes aconteceu que alguém demonstrou, por meio de outros hieróglifos, que o templo de Serápis deixaria de existir quando nele se tornasse notório ao público o sinal em forma de cruz a simbolizar ‘a vida futura’. Diante disto, maior número de pagãos abraçou o Cristianismo e. confessando os seus pecados, recebeu o Batismo» (História Eclesiástica V 17).

2.2. O fato é que desde cedo na história do Cristianismo o sinal da cruz aparece como um dos gestos mais caros aos cristãos e mais frequentemente praticados por eles.

No séc. III, por exemplo, Tertuliano na África atestava o amplo uso que do sinal da cruz faziam os fiéis nas mais variadas contingências da vida cotidiana:

«Quando nos pomos a caminhar, quando saímos e entramos, quando nos vestimos, quando nos lavamos, quando iniciamos as refeições. quando nos vamos deitar, quando nos sentamos, nessas ocasiões e em todas as nossas demais atividades, persignamo-nos a testa com o sinal da cruz» (De corona militis 3).

Pouco depois, a mesma praxe era testemunhada no Oriente por São Cirilo de Jerusalém (1386):

«Não nos deixemos deter pela vergonha de confessar o Crucificado. Corajosamente façamos o sinal da cruz com a mão sobre a nossa testa ao iniciar qualquer ato, ou seja. antes de comer e beber, ao entrarmos em casa e ao sairmos, antes de nos deitarmos, ao adormecermos e ao nos levantarmos, ao caminharmos e ao descansarmos» (Catequese XIII 36).

O hábito de fazer o sinal da cruz estava tão arraigado entre os cristãos que até mesmo o Imperador Juliano (t 363), apóstata, costumava persignar-se nos momentos de perigo (cf. Teodoreto, Hist ecl. m 3).

O uso popular era, de resto, confirmado pela Liturgia da Igreja. È o que dá a ver S. Agostinho no seguinte trecho :

«Com o sinal da cruz consagra-se o corpo do Senhor (= a Eucaristia), santifica-se a fonte batismal, ordenam-se os sacerdotes e os outros ministros; numa palavra, consagra-se tudo que, por invocação do nome de Cristo, deve ser tornado santo» (serm. 181; cf. In Io tr. 118,5).

Tão peremptório testemunho leva alguns estudiosos a supor uma tradição litúrgica muito antiga, datada talvez da época dos Apóstolos, os quais terão dado inicio e autoridade ao costume de fazer o sinal da cruz. Embora não se possa insistir no valor desta hipótese, reconhecer-se-á que documentos do séc. II (como as «Constituições da Igreja do Egito», os «Atos de São João,… de São Tomé,… de São Pedro») aludem explicitamente à praxe de persignar-se vigente entre os cristãos da época. Sabe-se ademais que os catecúmenos da primitiva Igreja eram repetidamente assinalados com a marca da cruz, marca esta que fazia parte também do ritual do Batismo.

2.3. Quanto à maneira como se fazia o sinal da cruz, deve-se notar o seguinte :

Tratando-se de pessoas, nos primeiros séculos ou o próprio cristão ou o ministro sagrado marcava apenas a testa mediante o polegar ou o dedo indicador da mão direita, de acordo com o que insinua São João no Apocalipse (cf. Apc 7,3; 9,4; 14,1). O sinal podia ter a forma de cruz (-f) propriamente dita ou de tau (T) ou de chi (X).

Aos poucos, passou-se a assinalar também a boca do cristão, os seus olhos, por fim, o seu coração ou o seu peito, a fim de imprimir um sinal de santificação respectivamente às palavras, aos olhares e aos afetos da pessoa (o tríplice sinal da cruz feito sucessivamente sobre a testa, os lábios e o peito ainda está em uso na Liturgia, desempenhando um papel simbólico bem evidente).

Desde cedo, como referem os testemunhos de Tertuliano e S. Cirilo de Jerusalém, o mesmo gesto simbólico foi sendo traçado outrossim sobre os objetos de uso cotidiano dos cristãos, principalmente sobre os alimentos, a fim de comunicar um valor religioso a todos os atos do discípulo de Cristo, mesmo aos que ele realiza em comum com os demais seres vivos (como o comer e o beber); ficava (e fica) assim realçado que nada é profano ou meramente leigo na vida de um cristão, mas tudo deve ser exercício da obra da Redenção, iniciada por Cristo na cruz do Calvário e desdobrada por cada cristão no setor de atividades em que a Providência o colocou.

Consta, aliás, que na antiguidade e na Idade Média a cruz fazia as vezes de assinatura, no caso dos analfabetos, representando assim a própria pessoa do cristão.

2.4. A posição dos dedos, ao traçarem o sinal sagrado, variou no decorrer dos tempos.

Do séc. VI em diante, Isto é, após o surto da heresia monofisita (que afirmava haver em Cristo uma só natureza e uma só pessoa), os monofisitas fizeram questão de professar a sua doutrina persignando-se e dando a bênção com um único dedo estendido (para simbolizar uma só natureza em Cristo), ao passo que os cristãos fiéis à reta fé, no Oriente, passaram a traçar o sinal da cruz com dois dedos estendidos (o polegar e o indicador ou o indicador e o médio), a fim de afirmar as duas naturezas em Cristo.

Na mesma época introduziu-se também o uso de estender três dedos para professar a fé na SSma. Trindade ou o trinômio «Jesus Cristo Salvador».

Tornou-se também habitual, a partir do séc. VIII no Oriente, o gesto de unir entre si as extremidades do polegar e do anular, de modo a formarem um circulo, ficando os três outros dedos (o indicador, o médio e o mindinho) estendidos; tal configuração da mão devia exprimir, pelo seu número ternário, a fé na SSma. Trindade e, pelo seu binário, a crença nas duas naturezas de Cristo; havia de lembrar outrossim as letras gregas I X C (iniciais da fórmula «Jesus Cristo Salvador»).

No Ocidente, tornou-se costume estender os três primeiros dedos, ficando o anular e o mindinho dobrados; os beneditinos, a partir do séc. VIII. davam a bênção estendendo os cinco dedos da mão (a simbolizar as cinco chagas do Senhor, como geralmente se diz); esta praxe tornou-se obrigatória no Ocidente por ordem do Papa São Pio V (t 1572).

2.5. Pergunta-se agora: e de guando data o grande sinal da cruz, que vai da testa ao peito e de espádua a espádua?

Há possíveis vestígios de tal rito no séc. V, pois o biógrafo de São Severino de Colônia (f 482) narra que Este santo, antes de morrer, fez com a mão estendida o sinal da cruz sobre todo o seu corpo (Mon. Germ., Auct. Ant. I 28). O rito parece ter-se difundido principalmente por obra dos monges. Muito provàvelmente, a princípio, para fazer o grande sinal da cruz, estendiam-se apenas os três primeiros dedos e passava-se da espádua direita para a esquerda (gesto que os cristãos orientais ainda hoje conservam). Após o séc. XIII foi prevalecendo entre .os ocidentais a praxe, atualmente usual, de fazer o -grande sinal com a mão direita aberta, passando-se do ombro esquerdo para o direito. — A que motivos se devem tais mudanças? — Difícil seria afirmar alguma coisa a esse propósito.

O Papa Inocêncio III (+1216), sem pretender indicar a origem histórica das modalidades do sinal da cruz, propunha interpretações alegoristas do mesmo, de acordo com a mentalidade de sua. época. Assim, por exemplo, referindo-se à maneira mais antiga de fazer o grande sinal, explicava que os três dedos estendidos significavam a SSma. Trindade, a qual, conforme o profeta Isaias «com três dedos mede a massa do globo terrestre» (cf. Is 40,12); a mão seria levada de cima (da testa) a baixo (ao peito), porque Cristo desceu do céu – à terra;… da direita para a esquerda, porque o mesmo Senhor passou dos judeus para os gentios!… Quanto à modalidade posterior, ocidental, dizia o mesmo autor que a mão passava da espádua esquerda para a direita porque nós nos devemos transferir da miséria para a glória, como Cristo se transferiu da morte para a vida (cf. De sacro mysterio n 45, ed. Migne lat. 217, 825). Tais explicações não se impõem; servirão para nutrir a piedade de quem se sinta aliciado por elas!

No séc. XVI ainda estavam em vigor no Ocidente as duas modalidades (a mais antiga e a nova) de se fazer o grande sinal da cruz.

fiste era, naturalmente, acompanhado de uma fórmula. A principio proferia-se a simples indicação: «Signum crucis (eis o sinal da cruz)» ou a clássica profissão de fé trinitária: «Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo», ainda tisual. Os gregos costumam hoje em dia dizer: «Santo Deus, Santo Forte, Santo Imortal, tem piedade de nós». Ocorre outrossim. nos rituais latinos a invocação do Senhor: «Nosso auxílio está no nome do Senhor» ou «Deus, vinde em meu auxilio».

2.6. Recapitulando, pode-se assim propor o significado do tradicional sinal da cruz, tão caro aos cristãos :

1) É primeiramente o selo do Senhor, imposto ao respectivo discípulo, a fim de indicar que o cristão pertence totalmente (alma e corpo, pensamentos, palavras e obras) a Cristo; dai a razão de se persignarem as principais partes do corpo (testa, lábios, coração, ouvidos, olhos…).

2) É profissão de fé em Cristo e, em particular, no poder redentor da cruz; daí utilizar-se frequentemente o sinal da cruz para dissipar as tentações e insidias do demônio; dizia mesmo uma antiga fórmula que acompanhava o «persignar- -se»: «Eis a cruz do Senhor; fugi, ó hostes adversárias!» Ainda atualmente no Ritual do batismo o ministro faz o sinal da cruz sobre o candidato, dizendo: «Este sinal da santa cruz que nós impomos à testa (de tal catecúmeno), tu, ó maldito – demônio, nunca ouses violá-lo». Pelo mesmo motivo, ao se praticar o exorcismo, multiplicam-se os sinais da cruz sobre a pessoa possessa.

3) É invocação da graça e da bênção de Deus sobre pessoas ou objetos, invocação feita mediante os méritos da cruz (ou da crucifixão) de Cristo. Por esse motivo, todos,os sacramentos são acompanhados do sinal da cruz; qualquer bênção é dada mediante o sinal da cruz, pois, como dizia São Leão Magno (+461), «a cruz de Cristo é a fonte de todas as bênçãos, é a causa de todas as graças» (serm. 59,7).

4) Pode acontecer que o sinal da cruz tenha valor meramente indicativo, servindo apenas para designar pessoas ou coisas a que se refira alguma fórmula de oração. Assim Rufino de Aquiléia (+410) narra que os fiéis costumavam persignar a testa quando proferiam no símbolo de fé as palavras: «Creio… a ressurreição desta carne» (Com. in Symb. Apost. 43). As cruzes que o sacerdote faz sobre a hóstia e o cálice após a Consagração da S. Missa já não podem ter valor de bênção, mas são meros sinais indicativos.

Apêndice

A guisa de complemento, seguem-se algumas notas sobre a posição doutrinária dos protestantes a respeito do sinal da cruz.

Lutero, em seu contraste contra Roma, eliminou dos ofícios públicos tal sinal; não obstante, recomendou calorosamente aos discípulos, não deixassem de o fazer todos os dias de manhã ao se levantarem. As «Constituições Eclesiásticas» de Hannover (1536-89), por sua vez, aboliram o sinal da cruz no culto; o teólogo luterano Brenz, no séc. XVI, receava que esse gesto levasse os fiéis à magia!

Contudo o sinal da cruz não desapareceu logo por completo; ao contrário, muito mereceu a estima das comunidades protestantes, principalmente por ocasião da celebração da ceia do Senhor.

O racionalismo do séc. XVIII foi funesto para tal gesto simbólico; o escritor protestante J. C. Velthusen preconizava a total extinção do mesmo, desde que não fosse necessário para satisfazer a mentalidade dos fiéis mais fracos na fé; G. B. Elsenschmidt julgava que o «persignar-se» favorecia a superstição; em consequência, por todo o século passado esse gesto esteve, por assim dizer, banido dos usos protestantes.

Nos últimos decênios, porém, já se têm feito ouvir testemunhos a favor de sua restauração. Basta citar H. Asmussen: além de afirmar diferença radical entre «sinal da cruz» e «magia» ou «encantamento». Este autor observa que a cruz traçada por ocasião de uma bênção constitui um sábio lembrete de que a promessa de bênção messiânica se cumpriu pela cruz de Jesus Cristo (cf. Asmussen, Die Lehre vom Gottesdlenst. München 1939, 257-9). Principalmente a chamada «Alta Igreja Anglicana» (High Church) compartilha as ideias do Catolicismo a respeito do sinal da cruz. — É assim que a cruz mais uma vez atrai os homens!

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