A Ressurreição dos Mortos

Como se explica o texto de São Mateus 27,52s, que refere a ressurreição de defuntos no dia da morte do Senhor? Quem eram esses ressuscitados? Morreram novamente? Terão subido ao céu em corpo e alma com Jesus?

A fim de facilitar a compreensão do texto, transcrevemo-lo dentro do respectivo contexto:

«No mesmo instante (em que Jesus morreu)… a terra tremeu, as rochas se partiram, abriram-se os sepulcros e muitos corpos de santos que tinham morrido ressuscitaram; saindo dos túmulos depois da ressurreição de Jesus, entraram na Cidade Santa, e apareceram a muitas pessoas» (Mt 27,51-53).

O sentido desta passagem deve ser elucidado por etapas.

1) Em primeiro lugar, impõe-se a pergunta: quando se deu a ressurreição dos mortos de que fala o Evangelista?

— Após uma primeira leitura, dir-se-ia: … na sexta-feira santa mesma, logo depois do terremoto. Acontece, porém, que esses defuntos só saíram dos sepulcros dois dias mais tarde, isto é, no domingo após a ressurreição de Cristo. Donde a dúvida: terão então ficado vivos nos seus túmulos durante quarenta ou mais horas?

Isso seria pouco provável; a Sabedoria Divina não terá ressuscitado mortos em vão, deixando-os vivos e latentes durante dois dias no sepulcro. Por tal motivo os exegetas em geral julgam que tanto a ressurreição dos justos como a sua saída dos sepulcros e seu aparecimento na Cidade Santa se deram no domingo após a ressurreição do Senhor Jesus. Este fica sendo, como São Paulo assevera, «o Primogênito dos mortos» (Col 1,18) ou «as primícias dentre os mortos» (1 Cor 15,20); o que quer dizer:… o Primeiro dos ressuscitados na ordem de coisas nova, cristã; a ressurreição de Jesus, Cabeça do Corpo Místico, deve ter precedido a de qualquer dos homens que imediatamente dela se beneficiaram.

É possível, porém, que já na sexta-feira santa os sepulcros tenham sido abertos: o terremoto então registrado haverá removido as respectivas pedras de ingresso.

Assim sendo, verifica-se que São Mateus, conforme a sua índole muito sistemática, ao referir os prodígios ocasionados pela morte de Cristo, quis logo mencionar a ressurreição dos mortos que se deu no domingo. Trata-se de um proceder estilístico que o leitor atento sabe descobrir e interpretar autenticamente, como acabamos de fazer.

2) O Evangelista visa inculcar verdadeira ressurreição dos mortos; em caso contrário, não teria falado de abertura dos sepulcros, mas apenas de aparições dos defuntos na Cidade Santa. Remova-se, portanto, a idéia de que as almas desses justos se manifestaram por meio de figuras corpóreas meramente artificiais.

3) E porque terão realmente ressuscitado tais defuntos? —Para dar aos vivos um testemunho muito evidente da vitória de Jesus sobre a morte; constituíam como que o cortejo solene do Triunfador da morte. Contribuíram assim para realçar a dignidade e a glória de Cristo perante os habitantes de Jerusalém. — Desta observação se seguem mais algumas importantes conclusões:

4) Os ressuscitados deviam ser justos recém-falecidos (não eram pessoas de épocas remotas que os contemporâneos de Jesus não pudessem reconhecer). Com efeito, para que a ressurreição desses justos tivesse significado, era preciso que seus concidadãos os houvessem conhecido em vida e pudessem atestar que de fato tinham estado mortos.

5) A qualidade dos corpos desses ressuscitados devia ser gloriosa, correspondente à que São Paulo descreve em 1Cor 15,35-44. Não ressuscitaram, portanto, como Lázaro, num corpo mortal; era, sim, consentâneo que tais justos, constituindo o cortejo do Divino Salvador, tivessem corpo semelhante ao do Senhor ressuscitado. É isto, aliás, o que insinua a expressão «apareceram a muitos na Cidade Santa» utilizada pelo S. Evangelista: o verbo «aparecer» sugere um modo de se tornar presente diverso do modo como habitualmente a matéria se nos torna visível.

6) Por conseguinte, é lógico dizer que os justos ressuscitados de Mt 27, 52 não voltaram ao sepulcro, mas com Cristo subiram diretamente aos céus, em corpo e alma.

É verdade que S. Agostinho (ep. 164,9) e exegetas posteriores julgam haverem tais justos morrido de novo. Esta opinião porém não prevaleceu entre os comentadores, sejam antigos, sejam recentes, os quais ponderam as seguintes razões: os justos de Mt 27,52, tendo ressuscitado para dar testemunho da ressurreição do Senhor, deviam estar plenamente configurados a Cristo; ora Jesus, uma vez ressuscitado, já não morre. Ademais, se a Providência os tivesse chamado à vida de novo para mais uma vez os fazer morrer, ter-lhes-ia com isto infligido uma pena, e não um benefício — o que seria pouco condizente com a Perfeição Divina.

S. Agostinho apoiava sua tese de «condenação à morte» na proposição de Hebr 11,40, segundo a qual os justos da Antiga Lei não devem atingir a sua consumação sem nós, povo da Nova Lei (não se entenderia, portanto, que a ressurreição gloriosa e definitiva já tivesse sido dada a santos do Antigo Testamento). A esta dificuldade, porém replicar-se-á que a afirmação de Hebr 11 não exclui a possibilidade de algumas poucas exceções, como terão sido as que Mt 27 insinua.

7) Fica aberta a questão: onde estão localizados os corpos desses justos, dado que com Cristo tenham subido aos céus no dia da Ascensão solene do Senhor? — Nada de preciso nos diz a Revelação sobre o assunto, como já observamos em «P. R.» 27/1960, qu. 3. As conjeturas seriam mais ou menos vãs.

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