Qual a autoridade e a hierarquia dos documentos pontifícios? Os pronunciamentos do Papa, quando exerce o seu magistério, exigem respeito e obediência. Todos os documentos são importantes, mas uma Bula tem mais peso do que uma Encíclica. No entanto, para o mesmo efeito pode o Papa usar documentos diferentes; assim Pio IX definiu o dogma da Imaculada Conceição mediante a Bulla Ineffabilis Deus em 1854, ao passo que Pio XII definiu a Assunção de Maria mediante a Carta Apostólica Munificentissimus Deus em 1950. Vamos entender:
Cartas Encíclicas
Do latim Literae Encyclae, que literalmente significa “cartas circulares”. As encíclicas são cartas públicas e formais do Sumo Pontífice que expressam o seu ensino em matéria de grande importância. Paulo VI definiu a encíclica como “um documento, em forma de carta, enviado pelo Papa aos bispos do mundo inteiro”.
As encíclicas propõem-se:
· Ensinar sobre algum tema doutrinal ou moral
· Avivar a devoção
· Condenar os erros
· Informar os fiéis sobre os perigos para a fé procedentes de correntes culturais, leis injustas,etc.
Por definição, as cartas encíclicas têm formalmente o valor de ensino dirigido à Igreja Universal. Não obstante, quando tratam de questões sociais, económicas ou políticas, são dirigidas, normalmente, não só aos católicos mas também a todos os homens e mulheres de boa vontade.
Esta prática foi iniciada pelo Papa João XXIII com a sua encíclica Pacem in terris (1963).
Nalguns casos, como o da encíclica Veritates splendor (1993) de João Paulo II, o Papa só inclui os Bispos na sua saudação de abertura ainda que pretenda que a doutrina da encíclica sirva de instrução a todos os fiéis. Isto tem a sua razão de ser na medida em que os Bispos são os Pastores que ensinam aos fiéis a doutrina.
Devido à importância e à verdade que contêm, todo o cristão deve conceder às encíclicas consentimento, obediência e respeito.
O Papa Pio XII observou que as encíclicas, ainda que não sejam a forma usual de promulgar pronunciamentos infalíveis, reflectem o Magistério Ordinário da Igreja e merecem esse respeito da parte dos fiéis (Humani generis,1950).
O título que se dá à encíclica deriva das suas primeiras palavras em latim. Por exemplo a encíclica do Papa Paulo VI sobre a imoralidade da contracepção, intitulou-se Humanae vitae, (Vida Humana).
Breve História
A encíclica é uma forma muito antiga de correspondência eclesiástica, que denota de forma particular a comunhão de fé e caridade que existe entre as várias “igrejas”, isto é, entre as várias comunidades que formam a Igreja.
No princípio da Igreja, os bispos enviavam frequentemente cartas a outros bispos para assegurar a unidade entre a doutrina e a vida eclesial.
Bento XIV (1740-1758) reavivou o costume, enviando “cartas circulares” a outros bispos. Estas cartas papais abordavam temas de doutrina, moral ou disciplina que afectavam toda a Igreja.
Com Gregório XVI (1831-1846), o termo encíclica tornou-se de uso geral.
Leão XIII (1878-1903), excedeu para mais do dobro o número de encíclicas escritas pelo seu predecessor Pio IX (1846-1878), com 75 encíclicas no total. Leão XIII também mudou o ênfase do tom das encíclicas, o qual havia sido proeminentemente condenatório. Ele começou a esboçar uma ideia rápida, de forma positiva, de como a Igreja devia responder aos problemas concrectos, especialmente no campo ético-social. A abordagem inovadora de LeãoXIII, popularizou as encíclicas como pontos de referência, não só para a doutrina Católica mas também para muitos programas de acção.
O Papa João Paulo II escreveu 14 encíclicas, todas elas jóias que iluminam as doutrinas e valores morais mais importantes.
Tipos de encíclicas
De acordo com a matéria que tratam as encíclicas podem ser:
a) Encíclicas doutrinais
Desenvolvem extensamente a doutrina que o Papa propõe na mesma. Muitas destas encíclicas marcaram significativamente a vida da Igreja.
Entre as mais recentes estão:
Mistici corporis Christi (1943), do Papa Pio XII, sobre a Igreja como o Corpo Místico de Cristo.
Divino afflante Spiritu (1943),do Papa Pio XII, promovendo os Estudos Bíblicos.
Mediator Dei (1947), do Papa Paulo VI, sobre a Eucaristia.
Redemptor hominis (1979), do Papa João Paulo II,sobre a redenção e a dignidade do homem.
Dives in misericordie (1980) do Papa João Paulo II, sobre a Divina Misericórdia.
Dominum et vivifiantem (1986), do Papa João Paulo II, sobre o Espírito Santo na vida da Igreja e do Mundo.
Deus Caritas Est ((2005), do Papa Bento XVI, sobre o amor cristão.
Spe Salvi (2007), do Papa Bento XVI, sobre a esperança cristã
Algumas procuram clarificar opiniões teológicas erradas explicando o erro e ensinando a doutrina ortodoxa:
Humani generis (1950), do Papa Pio XII, esclareceu falsas opiniões que ameaçavam abalar os fundamentos da doutrina católica.
Humanae vitae (1968), do Papa Paulo VI, reafirmou o ensino da Igreja sobre a contracepção.
Vertatis splendor (1993), do Papa João Paulo II, refere-se às questões fundamentais da teologia moral, advertindo sobre os perigos apresentados pelas teorias morais do consequencialismo e relativismo
Evangelium vitae (1995), do Papa João Paulo II, aprofundou o ensino da Igreja acerca da defesa e da dignidade da vida humana.
Outros documentos do magistério ordinário que têm tido um grande impacto na vida da Igreja são as chamadas “encíclicas sociais”. Desde o final do século XIX, os Papas têm formulado uma doutrina social que tem enriquecido a tradição da Igreja.
b) Encíclicas Exortatórias
Algumas encíclicas tratam especificamente de temas mais espirituais. O seu propósito principal é ajudar os católicos na sua vida sacramental e devocional.
Exemplos:
Haurietis aquas (1956) do Papa Pio XII, sobre a devoção ao Sagrado Coração
Redemptoris mater (1987) do Papa João Paulo II, sobre o papel da Virgem Maria na vida da Igreja peregrina.
c) Encíclicas Disciplinares
De vez em quando, há encíclicas que tratam de questões particulares, disciplinares ou práticas.
Exemplos:
Fidei donum (1957) do Papa Pio XII, que deu início à transferência de muitos sacerdotes para terras de missão.
Sacerdotalis caelibatus (1967), do Papa Paulo VI, que reafirmou a tradição latina do celibato sacerdotal.
Encíclicas Epístolas
Diferem muito pouco das cartas encíclicas. As epístolas encíclicas são pouco frequentes e destinam-se, principalmente, a dar instruções em referência a alguma devoção ou necessidade especial da Santa Sé. Por exemplo, algum evento especial como o Ano Santo.
Constituição Apostólica
Estes documentos são a forma mais comum pela qual o Papa exerce a sua autoridade “Petrina”. Através destes, o Papa promulga as leis respeitantes aos fiéis. Tratam de assuntos doutrinais, disciplinares ou administrativos. A criação de uma nova diocese, por exemplo, faz-se por meio de uma Constituição Apostólica.
Enquanto que, inicialmente, as ditas constituições enunciavam normas legais e eram principalmente documentos legislativos, agora têm frequentemente uma forte componente doutrinal. São documentos que tratam de assuntos da mais alta importância, distinguindo-se a Constituição Dogmática, que contém definição de dogmas.
Por exemplo, com Constituição Apostólica “Munificentissimus Deus”, de Pio XII, foi definido o dogma da Assunção de Nossa Senhora
Exemplos:
Sacrae disciplinae leges (1983), do Papa João PauloII, na promulgação do novo Código de Direito Canónico.
Pastor bonus (1988), do Papa João Paulo II sobre ministério e a organização da curia romana.
Fidei depositum (1992), do Papa João Paulo II, na promulgação do Catecismo da Igreja Católica.
Exortação Apostólica
Estes documentos são promulgados geralmente depois da reunião dum Sínodo de Bispos, ou por outras razões.
Exortações apostólicas pós-sinoidais:
Evangelli nuntiandi (1975) do Papa PauloVI, sobre a evangelização do mundo moderno.
Catechesi tradendae (1979) do Papa João Paulo II, sobre a catequese.
Familiaris consortio (1984) do Papa João Paulo II, sobre o papel da família cristã.
Reconciliato et paenitentia (1984) do Papa João Paulo II, sobre a reconciliação e a penitência na missão da Igreja.
Redemptoris custos (1989) do Papa João Paulo II sobre a pessoa e missão de S. José na vida de Cristo e da Igreja.
Sacramentum caritates (2007) do Papa Bento XVI, sobre a Eucaristia, fonte e ápice da vida e da missão da Igreja
Carta Apostólica
Sob essa denominação, podemos compreender duas espécies de documentos do Papa: “Epistola Apostolica” e “Litterae Apostolicae”. A primeira espécie trata de matéria doutrinária, de carácter menos solene que a encíclica. O documento é dirigido aos bispos e, por meio deles, a todos os fiéis.
A segunda espécie (“Litterae Apostolicae”) é usada para vários outros assuntos: constituição de Santos Padroeiros, promoção de novos Beatos, normas disciplinares, etc.
Cartas Apostólicas:
Carta apostólica aos Jovens do Mundo inteiro, João Paulo II (1985).
Carta apostólica às mulheres, Mulieris dignitatem, João Paulo II (1988).
Carta apostólica às famílias, João Paulo II (1994).
Carta apostólica Tertio milenio adveniente, João Paulo II (1994),sobre a preparação do Jubileu do ano 2000.
Carta apostólica Dies Domini, João Paulo II (1998), sobre o Dia do Senhor.
Bula
O termo Bula refere-se não ao conteúdo e à solenidade de um documento pontifício, mas à apresentação, à forma externa do documento, a saber, lacrado com pequena bola (em latim, “bulla”) de cera ou metal, em geral, chumbo (sub plumbo). Assim, existem Litterae Apostolicae (v. Carta Apostólica) em forma de bula e também Constituições Apostólicas em forma de bula. São exemplos, a “Munificentissimus Deus”, bem como constituições apostólicas de criação de dioceses.
Até ao século XV, a bula era um termo amplo que designava a maioria dos documentos papais.
Por costume a bula tem uma inscrição na qual o Papa utiliza o título Episcopus Servus Servorum Dei (O Servo dos Servos de Deus). Este título foi adoptado muito provavelmente pelo Papa S. Gregório I (Magno; 590-604), já que ele tinha escolhido este título como protesto contra o patriarca de Constantinopla que se viria a chamar o “Patriarca Ecuménico”. O seu uso popularizou-se em 1800.
Uma colecção de bulas é chamada “bulário”
Motu proprio
São documentos papais que contêm as palavras “Motu proprio et certa scientia”. Significa que estes documentos são escritos por iniciativa pessoal do Santo Padre e com a sua própria autoridade.
Exemplo:
Carta Apostólica dada em forma de Motu Proprio Ad tuendam fidem (1998) de João Paulo II, com a qual se introduzem algumas normas no Código de Direito Canónico e o Código de Cânones das Igrejas Orientais.