Como fazer os dons do Espírito Santo agirem em nós?

Comentário ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João (Jo 20,19-23)

Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”.

Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.

Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”.

E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos”. 

O primeiro a receber abundantemente os dons do Espírito Santo foi Jesus Cristo: é em Sua alma santíssima que os sete dons se encontram em plenitude, como tinha previsto o profeta Isaías (cf. Is 11, 2). Por isso, quem quer que se deixe conduzir por esses dons vai, pouco a pouco, tornando-se cada vez mais semelhante à pessoa do Verbo encarnado. Essa verdade fica patente pelo testemunho dos santos e santas da Igreja, em cujas vidas os dons do Espírito Santo atuavam de modo manifesto, deixando entrever a própria imagem de Cristo.

O fato, porém, é que todos os cristãos receberam, ainda na unção batismal, os mesmos dons que faziam agir divinamente tanto um Santo Inácio de Antioquia quanto uma Santa Teresa de Ávila. Se não conseguem ver o desenvolvimento desses dons em suas vidas, é porque não correspondem devidamente às graças que Deus constantemente lhes envia. Dizendo bem claramente, a razão por que os dons do Espírito não agem de forma ordinária em nós assim como agiram nos santos são os nossos pecados veniais habituais. Aquelas faltas que negligenciamos por considerarmos “leves” vão se transformando, por isso mesmo, em “hábitos” e terminam por configurar grandes obstáculos para o nosso crescimento na caridade.

Esses pecados ditos “de estimação” — porque estamos apegados a eles —, ainda que por si mesmos não extingam a caridade de nossa alma, são uma parcela significativa de mundanidade dentro de nós e, a partir do momento em que deixamos de combatê-los, tornam-nos coniventes com o mal, justamente ao contrário do que aconselhava o Apóstolo: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e julgar” (Rm12, 2). Embora não estejamos no pecado, as nossas avaliações são carnais e nós estamos contentes com uma vida medíocre, levada de qualquer modo. Falta-nos, em suma, magnanimidade: não queremos ser santos de verdade. Por isso, as velas de nosso barco — que representam, na linguagem dos Santos Padres, os dons do Espírito Santo —, nós as deixamos dobradas, impedindo que a Santíssima Trindade aja efetivamente em nós.

Mas em Pentecostes a Igreja celebra e adora um Espírito santificador, que chama todos nós, servos de Cristo, à vida da perfeição. De fato, quando nos colocamos a rezar e sentimos um toque suave em nossa alma, o que é isso senão uma manifestação do amor de Deus para que correspondamos ao Seu amor? O que são as consolações e as alegrias de nossa frágil caminhada espiritual a não ser os apelos do Céu para que saciemos a “sede de Cristo”, mesmo que seja com a água suja e imprópria do poço de nossa alma (cf. Jo 4, 7)?

Por isso, nada é tão urgente quanto a nossa resposta ao infinito amor de Deus, chamando-nos à conversão. Os dons do Espírito Santo, por sua vez, não são ações humanas, como os “remos” das virtudes: a sua iniciativa é de Deus e a nós cabe tão somente dispor as “velas” da nossa alma para que Ele sopre e faça o nosso barco navegar. Antes disso, porém, é necessário, como já foi dito, lutar com determinada determinação contra os pecados veniais. Depois que uma pessoa se decidiu a fazê-lo, é como se ela desse a Deus o “sinal verde” para a ação dos Seus dons.

Os sete dons do Espírito, então, começam a manifestar-se, em ordem crescente: o temor de Deus, que nos inspira o horror ao pecado; a piedade; a ciência, que nos ajuda a discernir o bem do mal; a fortaleza, que nos inspira a fazer o bem; o conselho, que nos auxilia na tomada de decisões; a inteligência, que nos faz penetrar profundamente nos mistérios da fé; e por fim, a sabedoria, que nos faz saborear o amor de Deus. O princípio de todo esse processo, no entanto, é o temor de Deus, como diz o Autor Sagrado: “O temor de Deus é o princípio da sabedoria” (Pr 9, 10).

Comecemos logo a luta firme e constante contra as nossas faltas veniais, para entrarmos no cenáculo com os Apóstolos e vivermos com eles, também nós, o nosso Pentecostes pessoal.

Que assim seja.

Amém.

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