À guisa de introdução, seja recordado que os escritos deuterocanônicos dos quais se trata aqui, são livros reconhecidos como inspirados ou bíblicos pelos judeus de Alexandria no tempo de Cristo e pelos cristãos. Os judeus da Palestina, porém, apelando para critérios nacionalistas no séc. I da nossa era, não os quiseram incluir no seu catálogo sagrado. Também os protestantes não os aceitam; cf. «P.R.» 6/1957, qu. 4 e 5.
O primeiro reformador que no séc. XVI rejeitou os sete opúsculos deuterocanônicos (Tobias, Judite, Baruque com a epístola de Jeremias, Eclesiástico, 1º e 2º dos Macabeus, Sabedoria) foi Karlstadt ou André Bodenstein; em 1520 no seu «De canonicis Scripturis libellus» (Wittenberg) este autor os tachou de «apócrifos».
Lutero seguiu a sentença de Karlstadt. Já, porém, que os sete mencionados livros faziam parte de todos os códigos da Sagrada Escritura, este Reformador, empreendendo uma tradução alemã da Bíblia, não se pôde furtar à conveniência de os traduzir como os demais livros sagrados. Os deuterocanônicos, portanto, estão incluídos na edição germânica da Bíblia que Lutero deu ao público em 1534, com o título «Bíblia, das ist die gantze Heilige Schrift deutsch» (Wittenberg, isto é, «Bíblia, ou seja, a Sagrada Escritura inteira traduzida». O tradutor, porém, colocou-os no fim do volume, fazendo a observação prévia: «Apokrypha, das sind Bücher, so nicht der heiligen Schrift gleich gehalten, und doch nützlich und gut zu lesen sind», isto é, «Apócrifos, ou seja, livros não equiparados à Sagrada Escritura, mas úteis e bons para a leitura».
Igual atitude para com os deuterocanônicos foi adotada pelos símbolos de fé protestantes do séc. XVI: a Confissão Francesa de 1559, a Belga de 1562, a Inglesa de 1562, a Helveta II de 1564.
No sínodo de Dordrecht ((Holanda) em 1618/1619 alguns calvinistas propuseram que os sete citados livros fossem finalmente eliminados das edições da Bíblia (pois continuavam a ser reimpressos pelos protestantes). A assembleia sinodal, porém, decretou que tais escritos não deviam ser cancelados, mas haveriam de ser publicados em caracteres menores nas subsequentes edições da Escritura. Tal é a praxe que alguns editores luteranos ainda hoje seguem. Geralmente, porém, as versões mais recentes dos protestantes já não trazem os livros deuterocanônicos.
Em 1825/1827 e 1850/1853 registraram-se na Inglaterra controvérsias a respeito do reconhecimento dos deuterocanônicos. Já aos 3 de maio de 1826 a Sociedade Bíblica inglesa decidiu que esses escritos não deviam ser difundidos com a Sagrada Escritura; tal alvitre foi, e ainda é, vituperado por autores anglicanos, como H. H. Howorth, em «Journal of theological Studies» 8 (1906) 1-40; H. Pentin, em «Interpreter» 5 (1909) 310-315.
Os fatos citados, principalmente a atitude de Lutero, são importantes por revelarem a autoridade de que gozavam os escritos deuterocanônicos no início do séc. XVI. Os Reformadores os encontraram em todas as edições da Bíblia, lidos e estimados como Palavra de Deus, equiparados a qualquer dos outros livros bíblicos; para se desvencilhar deles, tiveram que recorrer a certa prudência, a qual só em época tardia logrou pleno efeito (a eliminação dos deuterocanônicos das edições da Bíblia). Isto bem mostra que não foi o concilio de Trento (1543-1565) que introduziu na Bíblia os sete mencionados livros, mas ao contrário foram os reformadores do séc. XVI (Lutero, seguindo o parecer de Karlstadt, seu antessignano) que os eliminaram do Código Sagrado.