O Demônio Sabia que Jesus era Deus?

Antes da Paixão, logo no limiar da vida pública de Jesus, o demônio O quis tentar por três vezes, como referem os Evangelistas (Mt 4,1-11; Lc 4,1-13; Mc 1,13). Tal fato é claro indício de que o Maligno ignorava ser Jesus o próprio Deus. Essa ignorância manteve-se até o fim da vida pública de Cristo, pois S. Paulo insinua que, se os demônios tivessem conhecido o plano misterioso de Deus, “nunca teriam crucificado o Senhor da glória” (1 Cor 2,8).

Satanás, porém, suspeitava que Jesus fosse um varão extraordinário, escolhido por Deus para ser Profeta ou talvez mesmo o Messias aguardado — o Messias que, conforme a opinião mais corrente em Israel, não seria Deus em sentido próprio, mas poderia chamar-se “Filho de Deus” por ser criatura muito unida à Divindade. Foi, portanto, para certificar-se da missão messiânica (não propriamente para certificar-se da Divindade) de Jesus e pô-la à prova que o demônio lhe fez as sugestões tentadoras, usando da fórmula: “Se és o Filho de Deus…” (ver Mt 4,36); note-se que a terceira sugestão, a qual prometia a Jesus a posse de todos os reinos deste mundo (cf. Mt 4,8s), correspondia claramente ao conceito de Messias mais propalado entre os judeus: Messias político, que libertaria Israel do jugo dos romanos e instauraria a hegemonia internacional de sua nação.

Conforme Mc 1,24, o demônio confessava que Jesus era o “Santo de Deus”. Este título, segundo a sua etimologia, significava “o homem posto à parte e consagrado ao serviço de Deus”; embora não fosse designação habitual do Messias, bem podia significar o Salvador (cf. a confissão de Pedro em Jo 6,69: “o Santo de Deus”). O demônio teria então reconhecido em Jesus o Messias como o concebiam os judeus; criatura eminente, não o próprio Deus Encarnado. São Lucas confirma esta conclusão, quando narra: “Os demônios saíam de muitos (possessos), clamando e dizendo: “Tu és o Filho de Deus!”; Ele, porém, preceituando-lhes com poder, não os deixava falar, porque sabiam que era o Cristo (=palavra grega correspondente ao hebraico “Messias”)” (Lc 4,41; cf. Mc 1,34).               

O fato de Jesus não permitir, no início da sua vida pública, que os maus espíritos O proclamassem “Messias” se explica em vista da concepção errônea que os fariseus nutriam a respeito do Messias; esperando um rei que sacudisse o domínio estrangeiro, poderiam ter feito de Jesus um chefe de revolução nacionalista, fechando-se assim por completo ao genuíno sentido do Evangelho. Só aos poucos foi Cristo revelando o significado da sua missão; o pensamento do Senhor ficou bem claro, pois foi precisamente por se ter declarado Messias num sentido transcendente que Ele sofreu a morte (cf. Mc 14,61-84; Mt 24,63-65; Lc 22,67-71).

Quanto aos tempos atuais, ensinam os teólogos que o demônio não sabe que Jesus é Deus no sentido estrito; não conhece o mistério do Verbo Encarnado. Contudo percebe e analisa, ainda com mais acuidade do que os homens, os indícios de que a obra de Cristo e a história da Igreja são algo de Divino. Coagido pela evidencia, ele reconhece algo do plano de Deus no mundo; este reconhecimento, porém, nada tem de sobrenatural; “os demônios creem, e estremecem”, diz São Tiago (2,19).

Satanás tem consciência, entre outras coisas, de que a morte e a glorificação de Cristo lhe vão progressivamente arrebatando as almas; seu domínio vai sendo debelado nas regiões e nos povos em que ele outrora, pela idolatria e OS falsos cultos, reinava incontestado. Suspeita que seu poder terá fim; por isto, estremece (como diz o Apóstolo) e se atira sobre as almas com furor cada vez mais requintado, sabendo que é preciso aproveitar toda e qualquer oportunidade (cf. Apc 12,17). Vãs, porém, ficam as suas invectivas contra aqueles que se firmam no Rochedo que é o Cristo (cf. 1 Cor 10,4); o demônio é como o cão acorrentado que ladra, mas só pode morder a quem, por iniciativa própria, dele se aproxime (S. Agostinho)!

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