O Desejo de Partir e Estar com Cristo (Fl 1, 23)

O mês de novembro se abre com duas celebrações – a de Todos os Santos e a de Finados – que nos colocam diante da perspectiva da vida futura. A atitude do cristão assim situado pode inspirar-se nas palavras do Apóstolo São Paulo:

“Para mim, viver é Cristo, e morrer é um ganho… Sinto-me num dilema: desejo partir e estar com Cristo, o que é muito preferível. Mas permanecer neste mundo é mais necessário por causa de vós”

(Fl 1,21.23).

Chama-nos a atenção, neste trecho, a expressão “estar com Cristo“, três palavras para designar a bem-aventurança celeste… Três breves palavras, sim, porque o que elas querem dizer é indizível: “é aquilo que o olho não viu, o ouvido não ouviu, o coração do homem jamais percebeu” (1Cor2,9). “Estar com Cristo foi também a promessa feita ao bom ladrão” (cf. Lc 23,43) e, de modo geral, é a locução usada pelo Apóstolo para designar a vida bem-aventurada; cf. 1Ts4,17; 5,10; 2Ts2,1; Rm14,8. – São Paulo sente ardente desejo desse estado final, ardente epithymía. o que se poderia traduzir por avidez.

Consciente disto, o Apóstolo julga que morrer não é perda, mas é um ganho, é passar da penumbra para a luz plena, é passar da fé para a visão face-a-face; essa transição, diz o Apóstolo, é preferível ao permanecer neste mundo:

“Sabemos que, enquanto habitamos neste corpo, estamos fora da nossa morada, longe do Senhor, pois caminhamos pela fé, não pela visão… Estamos cheios de confiança e preferimos deixar a morada deste corpo para ir morar junto do Senhor”

(2Cor 5,6-8).

“O nosso objetivo não é o que se vê, mas o que não se vê, pois o que se vê é provisório, mas o que não se vê é eterno”.

(2Cor4,18)

Todavia o Apóstolo não recusa ficar junto aos seus fiéis peregrinos na terra, pois o estar com Cristo não é prerrogativa exclusiva da vida póstuma; é algo que se realiza também entre as sombras da caminhada terrestre. O Cristo cujo consórcio faz a felicidade dos justos nos céus, está presente aos fiéis neste mundo; é o mesmo o Cristo da via e o da chegada; o Deus que faz o regozijo dos Santos no céu, é o Deus que se faz presente aos caminheiros deste mundo. Há, pois, continuidade entre o tempo e a eternidade, entre a vida da terra e a do céu. Esta já está contida em gérmen na graça santificante outorgada ao cristão pelo Batismo, a Eucaristia e os demais sacramentos; o Corpo glorioso de Cristo entregue ao cristão na Eucaristia prepara o seu corpo mortal para a feliz ressurreição no último dia (cf. Jo 6,44; 1 Cor 15,23).

Por conseguinte, o que importa ao cristão, é unir-se a Cristo e entregar-se às suas santas disposições, quer se sinta ainda chamado a permanecer no claro-escuro desta vida a fim de servir ao Senhor e aos irmãos, quer tome consciência de que soou a hora de sua feliz partida para ir viver na plenitude da Luz.

“O nosso anseio é agradar-Lhe, quer permaneçamos em nossa morada, quer a deixemos”.

(2Cor5,9)
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