É muito comum que ouçamos falar, na Páscoa, de “paixão, morte e ressurreição” de Cristo. E não é por menos, afinal de contas, é exatamente isso o que se celebra liturgicamente neste tempo. Curioso, porém, é notar que, na grande maioria das vezes, a ênfase dos discursos esteja injustamente fixada na ressurreição; mesmo quando comumente se fala na morte de Cristo, logo de imediato vêm-nos à mente a sua ressurreição, como uma espécie de auto-defesa retórica que nós mesmos criamos para suavizar a importância da morte. Ninguém quer encarar a morte.
Permita-me, o leitor, lembrar-lhe – como uma despretensiosa provocação – que a morte é o destino de todos nós. É claro que devemos temê-la pois que a morte é um mistério insondável, terrível e alarmante, mas devemos temê-la nos justos limites de um soldado que teme o campo de batalha; “tememos a morte, mas não temos medo de dizer que tememos”, dizia o inglês Chesterton.
Fato é que foi a morte de Cristo que nos salvou, não sua ressurreição. A dívida infinita contraída por nossos primeiros pais, Adão e Eva, exigia, por justiça, um sacrifício também infinito para reparar a ofensa contra a Majestade de Deus – uma paga que nenhum homem seria capaz de dar; foi então o derramamento do sangue de Cristo na Cruz o que mereceu-nos a vida eterna. É da Cruz que nos vem todo e qualquer benefício espiritual. Foi a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz o sacrifício expiatório definitivo e perfeito que superou os sacrifícios insuficientes realizados no Antigo Testamento e abriu-nos a possibilidade do céu.
A narração dos Evangelhos não é nem nunca será a história do Deus-Homem que culmina com a sua morte de Cruz. A vida de Cristo aqui na terra é um fim com uma história: Cristo nasceu para morrer. É por isso que o crucifixo tem um valor inegociável para o católico, por isso São Paulo pregava “o Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos”; o símbolo do Cristo ressuscitado não é a cruz vazia, mas o sepulcro vazio; a Cruz de Cristo é a Cruz com o Crucificado.
Deus Pai e o Espírito Santo estavam inteiramente na Pessoa de Cristo no momento de sua morte. Deus efetivamente morreu e, nesta Páscoa, nos convida a sofrer com Ele este fracasso. Este é o caminho da porta estreita. Não há nada mais urgente e mais necessário do que recuperarmos o sentido da Cruz para nossas vidas. É Cristo crucificado que nos traz a redenção e é na morte crucificada que se encontra a verdadeira vida.
Itajaí, Abril 2020
Informativo da Matriz — Paróquia do Santíssimo Sacramento