O Pecado Pessoal

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Fontes primárias

1. Textos de títulos idênticos no site do Opus Dei;
2. §§2052 – 2195 do Catecismo da Igreja Católica.

Na aula passada vimos o papel das virtudes e da graça na vida moral. Ambas ordenam a vida humana à sua possibilidade natural e sobrenatural última que é a participação na natureza divina. Ficou claro que não há como ser virtuoso sem a graça divina, nem como participar da natureza divina sem as virtudes.

Veremos hoje como a vida vivida pela fé é o modo justo de viver, pois é apenas na fidelidade para com Deus que o homem tenta dar aquilo que é devido ao seu Criador e Salvador. Todos os outros modos de vida, portanto, são fundamentalmente injustos.

As obrigações humanas para com Deus, que, quando cumpridas, tornam a vida justa, estão declaradas nos dez mandamentos. É com base neles que essa e as próximas duas aulas serão ministradas. Essas obrigações decorrem diretamente do fato de que Deus salvou o homem do pecado.

O homem está, portanto, sempre me dívida para com Deus. Uma dívida eterna que, como já vimos, não poderia nunca ser paga. O perdão divino, que extingue a exigibilidade e redime cada aspecto da vida, foi realizado por Cristo. Resta ao homem viver de acordo com a benefício que recebeu.

Os dez mandamentos

Os dez mandamentos são bem conhecidos de todo católico que tenha o hábito da confissão frequente. Eles são a matéria sobre a qual o penitente medita para encontrar na memória o registro dos crimes que cometeu. Todos aqui, espero, os sabem de cor.

Mas a versão dos dez mandamentos que conhecemos não é exatamente a mesma que foi dada a Moisés e ao povo de Israel. A nossa versão é a atualizada à Revelação do Verbo Divino, à lei do amor e da graça. Atualização, diga-se, que começou a ser realizada pelo próprio Cristo no Sermão da Montanha.

É útil ter uma visão comparada do que mudou do Antigo para o Novo Testamento, e mesmo das duas listas de mandamentos que existem na Torá [clique aqui para acessar].

A primeira tábua: Amar a Deus sobre todas as coisas, Não invocar o nome de Deus em vão e Santificar o Domingo e os dias de guarda

Data de Santo Agostinho a divisão dos dez mandamentos em duas tábuas, uma significando os deveres diretos para com Deus e outra os diretos para com o próximo. A divisão só faz sentido à luz dos dois princípios da Lei e dos Profetas que Cristo apresentou: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo.

A primeira tábua contém os três primeiros mandamentos: I. Amar a Deus sobre todas as coisas, II. Não invocar o nome de Deus em vão e III. Santificar o Domingo e os dias de guarda, enquanto a segunda os outros sete. A divisão serve para demonstrar como o que Cristo fez foi atualizar à Lei Antiga, não a abolir.

Não deve, porém, fazer pensar que os grupos de mandamentos estejam isolados e sejam independentes. A verdade é que todos não passam de desdobramentos do primeiro e a ele se ordenam ultimamente.

Isso é assim por dois motivos: a. ontologicamente, toda realidade se ordena a Deus. Isso inclui o homem, que tem como fim amar e conhecer a Deus. Desse fim decorre a obrigação ontológica de obedecê-lo, pois o amor exige uma participação na vontade e na razão do outro e o conhecimento de Deus, enquanto próprio Bem, indica ao homem a que autoridade seguir; b. pela revelação sabemos que Deus nos libertou do pecado por meio da obra redentora de Cristo, cujos efeitos são transmitidos até nós pela Igreja. Essa libertação do pecado foi e é gratuita. O homem não paga nada por ela em qualquer sentido do termo “pagar”. Mas como responde um homem quando recebe um benefício gratuito? Com fidelidade. A partir do benefício estabelece-se um vínculo de fidelidade entre o que recebeu e o que deu. Esse vínculo implica que o recebedor não trairá a confiança do doador. É, como chamavam os Escolásticos, uma obrigação antidora, que se dá no lugar de um outro presente que pagaria o preço do benefício recebido. A obediência aos mandamentos tem origem na redenção gratuita que recebemos e é aquilo que damos em troca do preço que nos seria exigido pelo pecado: a morte e a condenação eterna.

Assim, o primeiro mandamento é a origem e o fim de todos os mandamentos. Afinal, não faria qualquer sentido seguir a proibição de não tomar o nome de Deus em vão ou guardar o domingo e os dias de festa estabelecidos por Ele ou por sua longa manus senão por amor. Quem cumpre os mandamentos sem amar não os cumpre.

O mesmo pode ser dito sobre os outros. Embora a preservação da boa ordem social seja necessária e boa por si mesmo, não há verdadeira boa ordem longe do próprio Bem. Por isso os sete mandamentos que se dirigem diretamente ao cuidado com o próximo também perdem seu sentido sem o amor a Deus, pois ele é a própria boa ordem e é dele que provém a qualidade da vida social.

Não sem motivo, quando o amor a Deus perde sua aceitação entre os homens, em pouco tempo a sociedade perde seu princípio de ordem e até mesmo os mandamentos da segunda tábua que são postulados da lei natural – logo poderiam ser conhecidos unicamente pela faculdade da razão, sem o auxílio da revelação – começam a ser desprezados e substituídos por anti-mandamentos, causando a anomia e a destruição da sociedade.

Portanto, a divisão dos mandamentos em duas tábuas não pode ser utilizada para significar a separação radical entre amor a Deus e amor aos homens, entre Igreja e poder político, entre ordem da alma e ordem da sociedade.


Prof. Rafael Cronje Mateus
Dada no Centro Cultural Alvorada, no dia 13 de outubro de 2021.

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