A palavra «Integrismo», em si, é suscetível de vários significados. Em linguagem religiosa, designa certo modo de considerar e professar o Cristianismo, modo dependente das circunstâncias históricas da Revolução Francesa (1789) e dos tempos subsequentes. Por isto, a fim de entender devidamente o que é o Integrismo cristão de nossos dias, faz-se mister, antes do mais, dizer algo dos seus precedentes históricos.
Um olhar retrospectivo
O Integrismo constitui uma mentalidade ou um modo de ver mais do que uma escola ou um sistema de Filosofia. Tem suas raízes nos fins do séc. XVIII, quando o racionalismo se afirmou com veemência inaudita, proclamando o culto à Razão e à Ciência, em oposição à fé cristã; as novas idéias acompanhavam uma revolução social, definida pelo lema «Liberdade, Igualdade, Fraternidade», em antagonismo à antiga estrutura da sociedade, muito marcada pela aristocracia, a monarquia e o absolutismo dós soberanos.
Diante dos novos feitos, surgiu, da parte católica, uma reação, que, consciente ou inconscientemente, começou a opor extremismo a extremismo; tais defensores do Catolicismo eram imbuídos de desconfiança para com as instituições, a ciência e a filosofia dos tempos modernos, tendendo a fechar-se nas categorias de pensamento e de estrutura social da Idade Média; esta era assim enaltecida, como se fôra o período áureo de toda a história, período no qual o Cristianismo e a Cidade de Deus se afirmavam de maneira quase ideal; o que fosse posterior à Idade Média ou ao séc. XV provocaria, antes, aversão da parte do cristão.
Essa atitude reacionária, ao surgir no fim do séc. XVIH, não foi caracterizada por nome próprio; a muitos, de resto, podia parecer ser a única posição acertada para um fiel discípulo de Cristo.
No decorrer do séc. XIX, ela se foi transmitindo de geração a geração; concorriam para aguçá-la os novos ímpetos do racionalismo e da impiedade, que se serviam das ciências, da filosofia, da sociologia e da política para se burlar de Deus e do Cristianismo. A França era o principal teatro desses embates; foi portanto, lá que apareceram os grandes apologistas da fé, alguns devidamente equilibrados (como Chateaubriand, Ozanam, Lacordaire, Montalembert, Monsabré), outros exagerados segundo matizes diversos. Entre estes últimos, devem-se mencionar De Bonald, Joseph de Maistre, Louis Veuillot, La Tour du Pin, Albert de Mun…; para vários dos pensadores de tal corrente, o «mundo moderno» identificava-se com os aspectos não-cristãos ou mesmo anticatólicos da Revolução Francesa de 1789.
No fim do século XIX e no início do séc. XX, tomou vulto mais uma corrente revolucionária de pensadores que queriam adaptar a doutrina católica à Filosofia moderna, desvirtuando ou esvaziando as proposições da fé cristã. Em consequência, foi-lhes dado o nome de «Modernistas», contando-se entre eles grandes intelectuais, como Loisy, Tyrell, Buonaiuti, etc. (cf. «P. R.» 55/1962, qu. 1, a respeito do Modernismo).
Frente a essa nova revolução, a mentalidade reacionária se afirmou com mais veemência e estreiteza, recebendo então o nome de «Integrismo» que hoje a caracteriza.
Deve-se mesmo notar que de 1901 a 1914 existiu uma Federação de Sociedades Secretas postas a serviço da corrente integrista. Chamava-se «La Sapinière»; oficialmente apresentava-se como associação religiosa («Sodalitium Pianum»), presidida por Monsenhor Benigni, Prelado da Secretaria de Estado do Vaticano, e dotada de sede central em Roma. Exercia atividade clandestina que visava descobrir e denunciar presumidos hereges da época; na verdade, essa atividade, longe de contribuir para o bem da Santa Igreja, atingiu e feriu os melhores expoentes intelectuais do Catolicismo francês e, à titulo de lutar contra o socialismo, desenvolveu campanha nefasta contra quase todas as iniciativas do progresso social. O zelo mal orientado dos membros da Federação chegava a provocar divisão no clero e a abrir distância cada vez mais clamorosa entre a hierarquia e os leigos católicos. Após um período de Influência assaz nociva sob o pontificado de Pio X, «La Sapinière» começou a declinar sob o Papa Bento XV, que, a partir da sua primeira- encíclica («Ad Beatissimi»), procurou dissolver as atividades secretas dos integristas. Estes, debilitados, ainda encontraram apoio no movimento da «Action Française», o qual, porém, não conseguiu prevalecer por muito tempo.
Hoje em dia, o Integrismo ainda subsiste em indivíduos e grupos (como «Le Centre d’Études Supérieures de Psychologie Sociale» de Georges Sauge, «La Cité Catholique» na França) ; exprime-se em publicações periódicas, como as revistas «Itinéraires, Verbe, La Pensée Catholique». O Integrismo contemporâneo constitui um clima de pensamento que principalmente na França tem tido voga.
Dizem os autores franceses que neste país, o Integrismo inspirou o chamado «National Catholicisme», atitude que tende a identificar os interesses do Reino de Cristo com os interesses nacionais franceses na luta contra o Crescente do Islã e a onda de emancipação das colônias.
De resto, os historiadores observam que a mentalidade integrista (reacionarismo mesquinho contra o erro) é ainda mais antiga do que a Revolução Francesa de 1789; na verdade, ela se tem manifestado em todas as grandes crises da época moderna.
Haja vista o seguinte episódio do século XVI: os Imperadores Carlos V e Fernando pediam à Santa Sé concedesse para os países de língua germânica o dito «cálice dos leigos» ou a S. Comunhão sob as duas espécies, a fim de facilitar a volta à Igreja, de grupos dissidentes que muito se empenhavam por essa praxe. Verificou-se então contra tal pedido forte oposição de um grupo de fiéis, os quais estavam dispostos a não tolerar concessão alguma, e tachavam de falsa toda tática que tendesse a restabelecer a unidade na base de «facilitações» e «concessões»; alegavam que quem tinha abandonado a Igreja não merecia que se lhe favorecesse a volta. Em particular, assim se exprimia Juan Lobera, Professor de Teologia em Salamanca, dirigindo-se aos Padres conciliares de Trento: «Não se deve fazer tal concessão (a Comunhão sob as duas espécies) a reino ou país algum, a menos que venham eles mesmos (os dissidentes), reconheçam o concilio e se tornem católicos. Dado, porém, que se cheguem e solicitem tal concessão, apresentando-a como condição de sua entrada na Igreja, não se lhes deve deferir o pedido; em tal caso, só lhes restaria conformar-se ao uso comum da Igreja» (citado por Yves Congar, Falsas y verdadeiras Reformas en la Iglesia. Madrid 1953, pág. 446s).
Tal atitude de modo nenhum correspondia (nem corresponde) à genuína orientação da Esposa de Cristo. Sabe-se que a distribuição da S. Comunhão sob uma ou duas espécies não afeta o dogma, mas depende apenas da disciplina e da prudência da Igreja; supressa na Idade Média por motivo de profanação do Santíssimo Sacramento, ela bem podia ser restaurada no século XVI em vista das novas circunstâncias religiosas da Alemanha; não convinha estreitar, sem motivo, o caminho de volta dos dissidentes. — Foi, aliás, assim que as autoridades eclesiásticas julgaram, pois de fato deferiram favoravelmente o pedido dos católicos alemães. Cf. «P. R.» 9/1958, qu. 6.
Consideremos agora de mais perto as principais características que marcam
A mentalidade integrista
Para elaborar esta explanação, muito nos valemos do fascículo da revista «Parole et Mission» n» 17, avril 1962, que contém uma coletânea de artigos sobre o assunto.
O Integrismo está intimamente ligado a uma atitude psicológica, uma atitude doutrinária e uma atitude política.
Examinemos de per si cada qual dessas notas.
a) Atitude psicológica
Pode-se dizer que o Integrismo, em última análise, é o produto do receio ou da insegurança. Tem medo, exagerado ou cego, do racionalismo e da impiedade desencadeados pela Revolução Francesa. Em consequência, a fim de evitar qualquer contaminação por parte destes erros, fecha-se em posições estreitas, anteriores à Revolução Francesa ou mesmo medievais, podendo tornar-se agressivo na defesa de suas sentenças; assim a aparente segurança enérgica do integrista vem a ser a cobertura de incerteza e angústia.
«O integrista é como uma criança que não quer crescer e fica afetivamente presa a um mundo em que a autoridade paterna lhe assegura coerência e segurança. Não se pode habituar à idade adulta, em que lhe seria necessário procurar por si mesma a sua via» ( J. Lestavel, Qu’est-ce que l’Intégrisme?, em «Parole et Mission» n’ 17, pág. 185).
Assim se vê que o integrista não pode ser tido como protótipo do cristão de fé mais ardente ou mais pura. Ao contrário, parece desconhecer os limites até onde se estendem as proposições de fé, e além das quais começam as sentenças que, sem perigo de heresia, podem ser aceitas ou debatidas.
b) Atitude doutrinária
A posição ideológica do Integrismo apresenta aspectos variados, que podem ser assim discriminados:
a’) O medo de errar ou de fazer concessões ao racionalismo leva o integrista a professar, com a mesma tenacidade, proposições de fé e meras opiniões teológicas. Tende a afirmar em bloco e sem distinção, como se tudo gozasse igualmente da infalibilidade do dogma, as proposições da catequese antiga ou medieval.
b’) O integrista costuma desconhecer a história e a evolução do pensamento; mostra-se, não raro, até mesmo avesso às pesquisas de história, pois é da história que o racionalista muitas vezes abusa, tomando-a como pretexto para arvorar o relativismo e a incredulidade.
c’) Consequentemente, o integrista costuma aprender e ensinar atendendo às definições e declarações extraordinárias do magistério da Igreja mais do que às fontes da fé (a Sagrada Escritura, a Tradição, a Liturgia… ).
Mesmo ao citar as declarações do magistério, o integrista negligencia um elemento essencial para as entender devidamente, isto é, as circunstâncias históricas em que o magistério se pronunciou; não costuma investigar a problemática à qual este queria atender de modo especial. Ora sabe-se que as intervenções solenes do magistério da Igreja em geral visam heresias em curso e procuram tomar posição diante delas, sem intencionar fazer uma exposição completa das verdades da fé. O estudioso que não leve isso em conta, arrisca-se a fazer uma Teologia unilateral e depauperada. — Observa Lestavel no artigo já citado:
«Na maioria dos casos, o integrista faz uma escolha arbitrária de documentos pontifícios… Acrescenta à verdade as suas verdades, transformando explicações teológicas em dogmas, opiniões… em sentenças certas, normas orientadoras em preceitos, conselhos em princípios…» pág. 186).
O famoso teólogo contemporâneo Pe. Garrigou-Lagrange apresenta o seguinte exemplo típico do modo de proceder integrista : a obra «Pour qu’il règne» pretende fornecer aos católicos da França em 1960 princípios objetivos e perenes para julgarem a civilização de meados do século XX; em vista disto, cita cerca de 65 vezes as obras oratórias de Dom Pie, bispo de Poitou, obras redigidas antes de 1880. Ora tais citações não podem deixar de aparecer ao leitor destituídas de propósito : pretendem condenar ou justificar situações modernas que nada têm de comum com aquelas que o referido bispo julgava há quase um século atrás (cf. Garrigou-Lagrange, L’Intégrisme manque d’espérance, em «Parole et Mission» fase. cit., pág. 224s).
Essa mesma obra «Pour qu’il règne» abre-se, conforme o estilo dos escritos integristas, com uma série de referências a autoridades; da página 1 à página 7 contam-se 21 citações, cujas fontes são as seguintes : uma vez, São João Apóstolo; três vezes, o Cardeal Pie; quatro vezes, São Pio X; três vezes, Leão XIII; duas vezes, Pio XI; quatro vezes, Pio XII; uma vez, João XXIII; uma vez, Blanc de Saint-Bonnet; uma vez, Ernest Hallo; uma vez, o Pe. François de Paule Vallet.
A predominância de citações, e de citações dos documentos pontifícios (às vezes, indevidamente desarraigados do respectivo contexto) é bem característica do estilo autoritário integrista.
Para melhor ilustrar a atitude doutrinária do Integrismo, vai abaixo referido um episódio particularmente significativo. — É Jacques Natanson quem escreve no artigo «Quelques aspects de la mentalité intégriste» («Parole et Mission», fasc. cit., pág. 193s):
«Eu tinha um vizinho integrista que… tomara o propósito de me doutrinar. Era médico, e possuía uma obra volumosa em dois tomos onde se encontravam todas as declarações de Pio XII a respeito de problemas de Medicina. Tendia a referir-se a essa obra, de preferência aos seus manuais de terapêutica… Uma noite ficamos discutindo até hora adiantada. Procurei fazer-lhe compreender que o magistério da Igreja é uma realidade viva…, que os seus pronunciamentos admitem uma escala de graus de aquiescência da parte dos fiéis,… que é preciso levar em conta as circunstâncias históricas de cada pronunciamento, examinando o que então estava em foco, assim como a forma positiva ou negativa do enunciado — numa palavra, tudo o que um elementar tratado da Igreja recomenda. De repente, ele me interrompeu em tom angustiado: ‘Mas então, se não podemos entender do mesmo modo todas as declarações do Papa, no mundo caótico em que vivemos não haverá mais segurança; haveremos de desesperar’. Compreendi que era preciso não insistir. A fé desse colega — fé de um convertido aos vinte anos de idade — estava ligada a tal edifício de princípios.
Esse integrista conhecia um texto de Pio XII referente ao indeterminismo no plano dos átomos — texto, aliás, muito bem concebido. Isto lhe bastava; parecia-lhe totalmente inútil procurar saber o que pensavam a respeito os especialistas no assunto».
Natanson, que narra tal episódio, observa que, embora tais casos sejam casos extremos, eles bem exprimem uma nota marcante da mentalidade integrista: a carência e a procura de segurança intelectual e espiritual. Não a possuindo, o integrista vai pedir à sua fé (em particular, aos discursos dos Sumos Pontífices) a resposta para todas as questões, mesmo para aquelas das quais a Teologia não pretende tratar de maneira explicita ou dirimente.
d’) Ainda em consequência das suas premissas, o integrista, consciente ou inconscientemente, costuma empregar uma linguagem muito imbuída de metáforas de guerra e da vida militar.
O Pe. A. de Soras («Documents de l’Église et options politiques». Éditions du Centurion 1962, pág. 21) lembra algumas expressões típicas do vocabulário integrista: «arsenal» de «textos explosivos», «dispositivos de segurança» para melhor «aganchar o inimigo», constituir «comandos», «munir-se de citações», «rede»-, etc.
Aliás, o Episcopado francês, em uma nota recém-publicada, o notava: «A comparação com o exército volta frequentemente em ‘Verbe’ (revista integrista)» (transcrito do art. cit. de J. Natanson, pág. 212, n. 43).
À guisa de ilustração, vão aqui citadas duas passagens colhidas em escritos integristas, muito significativas do respectivo estilo:
«Quanto mais poderosas, quanto mais dinâmicas forem as redes dos pioneiros, as redes dos militantes de flecha do Cristo-Rei, tanto maiores serão as probabilidades de triunfarmos contra a ação capilar dos inimigos» («Pour qu’il règne», pág. 611).
«Roma é a cidade que detém as invasões: as dos bárbaros e dos hunos, como a. dos turcos em Lepanto. Roma é a cidade da Muralha, onde o guerreiro se inclina diante do Pontífice, e a espada diante da Cruz» (G. Sauge, Lettre d’information, 26 février 19èl).
A imagem do «cristão-soldado de Cristo-Rei» é antiga na bibliografia cristã; inspira-se mesmo de passagens da Sagrada Escritura como 2 Tim 2, 4; Ef 6,10-17. Contudo os escritos integristas a exploram unilateralmente, criando atmosfera de índole polemista e pouco atraente.
e’) Por último, é preciso ainda frisar o que foi de passagem mencionado : o Integrismo é, em geral, pessimista frente à natureza humana e aos valores deste mundo. Isto praticamente quer dizer:
Insiste muito sobre a corrupção da natureza pelo pecado original, olhando com rigor demasiado para certas afirmações da natureza humana, em si mesmas, inofensivas; de antemão desconfia das instituições (cientificas, políticas, sociais e até… esportivas) da vida moderna. Diante das opiniões dos adversários, não costuma indagar a que pressupostos e necessidades possam corresponder nem o que de verídico e útil possam conter, mas antes tende a descobrir os erros e a refutá-los ou esmagá-los, citando autoridades e definições. Não é amigo da noção de evolução (esta lhe parece sinônima de revolução e subversão); franze a testa quando ouve falar de «experiências», pois prefere o raciocínio abstrato, a dedução, em lugar da indução e do apelo ao testemunho pessoal de cada um. Tende consequentemente a acentuar (até exagerar) o que o Catolicismo tem de diferente do mundo; não nutre grande estima pelas pontes ou pelos planos inclinados que possam facilitar o acesso do mundo ao Cristianismo.
Alimenta certa aversão ao uso da liberdade individual, preferindo a autoridade, à qual por vezes tributa culto artificial ou arbitrário (assim como o integrista serve exageradamente à autoridade que lhe agrada, também não hesita em se opor àquela que não pensa como ele). Muito aprecia outrossim as decisões que vêm do alto, por imposição ou por via autoritativa, em detrimento das deliberações comunitárias e das orientações que venham de baixo ou da coletividade; em matéria de educação, apoia os métodos fortes ou de punho firme.
Não desconhece o aspecto místico ou espiritual e transcendente da Santa Igreja, mas na prática considera-a preponderantemente como sociedade jurídica, muito marcada pelas noções de «mandar» e «obedecer».
Claro está que na afirmação de tais idéias há matizes entre os integristas. Contudo em grau ora mais, ora menos acentuado, e ora mais, ora menos consciente, elas fazem parte da mentalidade.
Por último, o Integrismo se exprime também por uma
c) Atitude política
O Integrismo se originou em oposição à Revolução francesa de 1789, que era uma afirmação filosófica e, ao mesmo tempo, social, política. Daí se segue que ele também tem uma posição social e política bem definida. Consoante as suas premissas, tende a apoiar os regimes governamentais fortes, absolutistas ou totalitários:… não os da esquerda, é claro (pois estes são ateus), mas os da direita.
O integrista, temendo os erros e desvarios da massa, estima as imposições que vêm de fora e de cima, por via de autoridade. No seu afã de extirpar os erros e as heresias, tende a cortar o joio antes do dia da messe, ou seja, de maneira violenta e abrupta, arriscando-se a cortar também o trigo, isto é, a danificar a verdadeira vida ou a prejudicar as afirmações da verdade e do bem na sociedade.
Ademais verifica-se que o Integrismo, no seu culto à totalidade, se arrisca, ora mais, ora menos conscientemente, a colocar a Religião a serviço da política, assim como, vice-versa, a colocar a política a serviço da Religião.
Estes traços já bastam para que tentemos agora formular um breve
Juízo sobre o assunto
Talvez à primeira vista se tenha a impressão de que o Integrismo, assim caracterizado, não existe, mas é mero fantoche que os «progressistas» criam para atirar sobre ele. Errôneo seria imaginar isso. O Integrismo existe, sim, na mente de muitos, embora nem sempre de maneira reflexa. Ele constitui, como dissemos, uma atitude geral de pensamento, mais do que uma escola. Convém focalizar atentamente os seus pontos fracos, não a fim de distanciar e dividir os ânimos dos cristãos, mas a fim de permitir melhor avaliação do que é o genuíno espírito de Cristo e da Igreja.
1) A falha básica do Integrismo é a estreiteza de mente.
A tendência a equiparar às proposições de fé muitas sentenças que não são de fé, em vez de tornar mais rico e forte o Cristianismo, depaupera-o; torna-o rígido ou mumificado, incapaz de assimilar os elementos novos da vida moderna — elementos dos quais inegàvelmente uma parte maior ou menor deve ser eliminada, mas dos quais algo pode enriquecer a face humana e a eficácia do Cristianismo em nossos dias.
O Integrismo tranca a porta da Igreja’ a muitas almas que vagueiam fora dela, pois identifica a mensagem do Evangelho com determinada corrente de pensamento, contrariando à Palavra de Cristo, que é tão ampla quanto a verdade. Não apresentemos como dogmas de fé proposições que a Igreja permite, sejam livremente discutidas; não queiramos, em todo e qualquer assunto, apresentar argumento em nome da fé e da Religião; isto não é sinal de muita fé, mas, ao contrário, de fé obscura, fé que não sabe distinguir muito bem os seus objetos, fé, por conseguinte, anêmica e insegura.
A procura exagerada de soluções por via de autoridade e não está na linha da Tradição cristã – definições infalíveis … Este sempre julgou as definições infalíveis do Magistério como intervenções extraordinárias, exigidas por circunstâncias especiais e voltadas apenas para os aspectos controvertidos de determinada questão. A Santa Igreja deixa abertos à livre pesquisa de seus filhos todos os problemas em que não seja afetado o depositada Revelação.
2) A aversão mais ou menos sistemática à evolução é às instituições da vida moderna não condiz com o espírito de Cristo e da Igreja.
A Igreja tem que viver — e vive de fato — no mundo de hoje, não somente condenando e repudiando, mas também aproveitando o que há de aproveitável (sem, porém, perverter o seu patrimônio). Eis como se exprime a propósito a hierarquia episcopal da França:
«O episcopado francês, reunido em assembleia plenária, pede a todos os cristãos, estejam presentes ao mundo moderno a fim de o compreender, amar e servir. Por sua ação temporal, empenhem-se em construí-lo e, pela sua ação católica e missionária, procurem salvá-lo, confiando indefectivelmente na graça de Jesus Cristo e na eterna juventude da Igreja.
Saibam também julgar o mundo com lucidez!…
Em meio ao mundo moderno e frente às civilizações de amanhã, a Igreja afirma a sua esperança, sem ignorar os obstáculos que Ela atualmente encontra…
Pede a seus filhos que se acautelem contra uma inquietude doentia e ineficaz, assim como contra um indiferentismo culpado…
Àqueles que até o presente lhe fecharam o coração e lhe recusaram audiência, Ela jamais desistirá de apregoar a sua mensagem de amor e salvação. A sua oração os envolve e lhes abre o caminho para Deus» («L’Église au sein du monde moderne et face aux civilisations nouvelles. Déclaration consécutive à l’Assemblée plénière des 26-28 avril 1959»).
Aliás, aos 29 de junho de 1955, declarava o mesmo Episcopado:
«Dever dos católicos é
1) conservar, sob a autoridade do Papa e dos bispos, únicos chefes responsáveis, a fidelidade na doutrina e a unidade na disciplina;
2) respeitar a liberdade de opinião em todas as questões sobre as quais a Igreja não se tenha pronunciado».
Donde se vê que a intolerância e o negativismo — de antemão concebidos — frente a este mundo não correspondem à genuína orientação da Igreja. Esta observa o mundo e adapta-se às novas situações em toda a medida do possível.
3) O Integrismo de tal modo estima a verdade que parece esquecer a caridade, mostrando-se demasiado pronto para a polêmica.
A autêntica doutrina coloca o problema em outros termos: ensina que não há verdade que não irradie caridade; por conseguinte, quem possui devidamente a verdade, sabe ser caridoso (sem comprometer nem encobrir a verdade, é claro).
4) À luz do que foi dito até aqui, deve-se entender o litígio «pro ou contra Jacques Maritain».
A respeito das idéias deste filósofo já se encontra breve estudo em «P. R.» 33/1960 (c.m.). Nada se lhe pode opor em nome da ortodoxia católica. Todavia alguns críticos o têm na conta de demasiado liberal; daí as reservas que lhe fazem alheando-se naturalmente dos amigos de Maritain. A controvérsia em torno deste nome toma por vezes caráter muito sutil e estéril; só há desvantagens em alimentá-la.
Quem serenamente tome consciência dos pontos aqui indicados, não se deixará iludir pelo zelo integrista; antes procurará seguir a sábia norma recém recordada pelo Papa João XXIII:
«Haja, nas coisas essenciais, unidade; nas acidentais, liberdade; e, em tudo, caridade».