Quem sinceramente diz que deseja ter fé, já a tem, embora disto não seja consciente.
Em verdade, a fé não é o produto de um raciocínio que, bem arquitetado, mova inelutavelmente a inteligência a dizer “Sim”. As verdades que se podem provar racionalmente são verdades naturais, que não ultrapassam a exígua capacidade do intelecto humano. Ora as verdades da fé são estritamente sobrenaturais, transcendem (não contradizem, porém) nossa fraca compreensão; elas são por si evidentes a Deus, e somente a Deus, Por isto, ninguém de mente sã poderá negar que “dois e dois são quatro”; esta proposição por sua evidência se impõe ao intelecto, queira-o ou não o queira a vontade. Ao contrário, a proposição “Deus é uno em sua natureza e trino em suas pessoas” não é por si evidente de modo a forçar a inteligência à aceitação; o assentimento fica, no caso, dependente da vontade; é a esta que compete mover a razão a dizer “Sim” ou “Não”.
Donde se vê que, em última análise, o ato de fé depende do “querer”; não se espere que decorra de uma iluminação extraordinária da inteligência (um “estalo”) que dissipe as trevas, A fé também não se identifica com o deleite, a vibração sensível, o entusiasmo natural, que alguém possa experimentar quando lhe é enunciada uma verdade sobrenatural. É sempre a vontade que impele a fé; e este impulso é válido, é agradável a Deus independentemente das reações da nossa sensibilidade, mesmo na aridez, na noite dos sentidos. O que a inteligência pode fazer, é preparar o ato de fé, examinando as credenciais das proposições reveladas (a autoridade de quem revelou, de quem transmitiu, os frutos produzidos pelo Evangelho na história, etc.) ou ainda certificando-se, pela análise dos termos propostos, de que os artigos de fé não são absurdos nem contraditórios à razão, mas antes plausíveis.
Justamente porque o ato de fé depende da vontade é que o homem se pode enganar: muitos dos que dizem que desejariam ter fé, na verdade não querem (talvez sem ter plena consciência disto) assumir as consequências práticas de um ato de fé; deveriam dizer “adeus” a um prazer ilícito, e isto eles não o querem ou julgam não o poder (tenham confiança, porém, e deem o passo; Deus não lhes faltará com a sua graça!).
Por conseguinte, quem deseja ter fé saiba que, já por este simples desejo, encontrou a Deus ou recebeu de Deus o dom da fé (“Não me procurarias se já não me tivesses encontrado”, dizia muito bem Pascal, interpretando o próprio Senhor). Só resta a essa pessoa assegurar-se do conteúdo da Revelação, das suas credenciais (caso lhe seja necessário) e dizer o seu “Sim” ao credo, um “Sim” interior devidamente exteriorizado. Doravante tal pessoa procurará viver conforme a doutrina revelada e seus mandamentos; em princípio, isto talvez exija grande esforço; aos poucos, porém, Deus se vai manifestando a quem Lhe é fiel; Ele se dá a conhecer mais e mais pela experiência, pelo contato vivido. Assim, a fé se vai tornando cada vez mais profunda e influente na conduta do cristão.
Aliás é importante frisar que a fé tem sua certeza muito firme; esta certeza, porém, não se deriva da visão direta do- objeto de fé. Donde então provém? Ela decorre do fato de que “estou unido a Alguém que vê, ou seja, a Deus”. É pela doação generosa de toda a personalidade da criatura à infinita Personalidade do Criador que o homem mais e mais vê as coisas que Deus vê, como Deus as vê. Saindo de si e do seu egocentrismo para se entregar ao Senhor, o cristão se identifica com o modo de ver do Altíssimo; e é nesta identificação que consiste a fé. A minha crença será firme na medida em que eu estiver unido por todo o meu teor de vida. (não somente pela inteligência) Àquele que vê a plena verdade.
Para ilustrar o que é a falta de fé, vem muito a propósito o episódio de São Pedro a caminhar sobre as águas (Mt 14,23-33): certa noite, quando remavam sobre o mar da Galiléia, os Apóstolos viram ao longe um clarão pouco distinto que os deixou assustados; Jesus, porém, sem demora lhes disse que era Ele quem assim se manifestava. Então Pedro, crendo no Senhor, lançou-se às águas para Lhe ir ao encontro; e — coisa inesperada — o mar o sustentou, permitindo-lhe caminhar para Cristo. Pedro assumira o risco da fé, e tal risco era bem sucedido… Quando, porém, se achava a meio-caminho, pôs-se a considerar o perigo que corria, mais do que a voz do Mestre; em consequência, inspirado pela visão meramente natural das coisas, concebeu medo e logo… começou a afundar. Foi então que Jesus o tomou pela mão e disse: “Porque duvidaste, homem de pouca fé?”. A fé de Pedro conseguira o que o cálculo humano veio a perder.
Esta passagem do Evangelho contém profunda mensagem: quem quer abraçar a fé, saiba que Deus dá a todo homem a luz e os sinais suficientes para começar a praticar. Faça então um ato de fé consequente, movendo-se para o Senhor. Isto não poderá deixar de representar para a pobre razão humana um salto no “semiobscuro”; na verdade significa perder consistência no “eu” imperfeito para ganhar esteio em Deus Perfeito. Passo ante passo, o indivíduo percebe o valor do “arriscar-se” por Deus; a Personalidade do Primeiro Ser se lhe vai tornando cada vez mais manifesta, dando-lhe já aqui na terra um antegozo do Bem Infinito, que sacia os justos no céu.