Pai Nosso: Entendendo a Paternidade de Deus

(Scott Hahn, St. Paul Center. Traduzido por Petter Martins) Se queremos ser cristãos, não temos escolha a não ser orar: “Pai Nosso”. Quando os primeiros discípulos pediram a Jesus que os ensinasse a orar, Ele os ensinou usando essas mesmas palavras. Orar como cristão, então, significa orar: “Pai Nosso”.

No entanto, como aprendi em meus primeiros dias de ministério, a palavra  pai tornou-se uma pedra de tropeço para algumas pessoas. O divórcio é comum, assim como os filhos fora do casamento. Eu moro num país que um livro popular descreveu como América sem pai. Assim, para um número crescente de pessoas, pai nunca quis ser provedor, professor ou tutor. Significou apenas uma ausência dolorosa — ou uma presença abusiva.  

Além disso, mesmo as crianças que cresceram com um bom pai estão cientes de seus defeitos, problemas e pecados. As melhores intenções dos pais mais virtuosos costumam ser prejudicadas na execução. O que nós, pais humanos, não daríamos aos nossos filhos?! Mas nem sempre temos o que eles querem ou precisam; e, quando o temos, não sabemos como dar sem estragá-los. 

É por isso que a Tradição nos diz que devemos ir além de nossas experiências terrenas e lembranças da paternidade quando oramos: “Pai Nosso”. Pois, embora Ele seja um provedor, criador e protetor, Deus é mais  diferente do que qualquer pai humano, qualquer patriarca ou figura paterna. O Catecismo coloca desta maneira: “É que Deus, nosso Pai, transcende as categorias do mundo criado. Transpor para Ele ou contra Ele, as nossas ideias neste domínio, seria fabricar ídolos, a adorar ou a derrubar. Orar ao Pai é entrar no seu mistério, tal como Ele é e tal como o Filho no-Lo revelou.” (CIC 2779).  

Como Jesus, Deus Filho, revelou o Pai para nós? Como “o Pai que está nos céus” (Mt 6, 9). Ao adicionar essa frase preposicional “nos céus”, Jesus enfatiza a diferença na paternidade de Deus. O Pai a quem oramos não é um pai terreno. Ele está “acima” de nós; Ele é Aquele que professamos no credo como “Pai Todo-Poderoso“. Embora sejamos fracos, limitados e propensos a erros, nada é impossível para Deus (Lc 1,37).  

O poder de Deus, então, diferencia Sua paternidade de qualquer paternidade que conhecemos ou imaginamos. Sua “paternidade e o seu poder esclarecem-se mutuamente.” (CIC 270). Ao contrário dos pais terrenos, Ele sempre tem as melhores intenções para Seus filhos, e sempre tem a capacidade de realizá-las. Jesus queria que soubéssemos disso, para que pudéssemos sempre nos aproximar de nosso Pai celestial com confiança e segurança infantil: “Tudo o que pedirdes com fé na oração, vós o alcançareis” (Mt 21, 22). 

O Catecismo ensina que “Ele mostra a sua omnipotência paterna pelo modo como cuida das nossas necessidades” (CIC 270). Conhecemos Deus como Pai, porque, ao longo da vida de oração, experimentamos Seu cuidado por nós. Chegamos a ver por nós mesmos que Ele é poderoso e que Ele não nos negará nada que seja bom para nós. 

A paternidade terrestre às vezes reflete essas características, assim como os cargos que assumem papéis paternais na sociedade: o sacerdócio, por exemplo, e o governo. No entanto, os pais terrenos podem aperfeiçoar sua paternidade apenas purificando-se dos motivos terrenos — como ganância, inveja, orgulho e desejo de controlar. Eles podem se tornar verdadeiros pais apenas se conformando à imagem de seu Pai celestial, e essa Imagem é Seu primeiro filho, Jesus Cristo.  

No governo, na paternidade ou no sacerdócio, passamos a exercer um papel paternal mais perfeito à medida que “crescemos” na Família de Deus: “”Somos filhos de Deus. E, se filhos, também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo, contanto que soframos com ele, para que também com ele sejamos glorificados.” (Rm 8 16-17). Esse processo é um corretivo divino às noções distorcidas mundanas de patriarcado e hierarquia.  

Um escritor cristão antigo, Dionísio, o Areopagita, descreveu a hierarquia como algo que se origina no céu, onde a luz divina passa através dos anjos e dos santos como se tudo fosse transparente. Os dons de Deus, então, são passados ​​de uma pessoa para a outra, sem serem diluídos. Aqueles que estão mais próximos de Deus — e são tão altos na hierarquia — servem aos que são inferiores. Em cada estágio, eles dão como Deus dá, mantendo nada para si mesmos.  

Observe aqui como os bens espirituais diferem dos bens materiais. Se eu possuo propriedade exclusiva de algo — digamos, um paletó ou uma gravata — outra pessoa não pode possuí-lo e usá-lo ao mesmo tempo. Os bens superiores, no entanto, são espirituais; e bens espirituais — como fé, esperança, amor, liturgia, os méritos dos santos — podem ser compartilhados e possuídos por todos. É assim que a hierarquia trabalha com os anjos e santos no céu.  

Para que esse compartilhamento ocorra “na terra como no céu”, é necessária a perfeição da paternidade terrena, que só pode ocorrer se orarmos sinceramente: “Pai nosso que estás nos céus”. Deus é o Pai primordial, “ao qual deve a sua existência toda família no céu e na terra” (Ef 3, 15). Ele é o modelo eterno pelo qual todos os pais humanos devem ser medidos. 

Através dos tempos, os céticos perguntaram se orar ao “Pai Nosso… no céu” é consistente com nossa crença de que “Deus está em toda parte” e que Ele habita em nós (João 14 16, 23).  

Sim, Deus está em toda parte, na terra como está no céu. Ele está sempre presente conosco e vive dentro de nós quando estamos no estado de graça, livre de pecado mortal. No entanto, Jesus nos ensina a orar a “Pai nosso… nos céus” porque Ele quer que elevemos nossas vistas do exílio terrestre para o nosso verdadeiro lar — no céu. São João Crisóstomo disse bem: Jesus nos ensinou a orar desta maneira não para “limitar Deus aos céus“, mas para nos elevar da terra e nos colocar “nos altos e nas moradas superiores“.  

Deus nos criou para si mesmo; Ele nos fez para o céu. O céu está separado de nós não por anos-luz de espaço, mas por nossos pecados. No entanto, o próprio Deus criou nosso lugar de exílio, e é um bom lugar. Assim, é fácil nos sentirmos confortáveis ​​em nossas vidas terrenas e esquecer nosso destino eterno. Pense nos israelitas vagando no deserto; depois de alguns anos de dificuldades, eles ficaram nostálgicos por seus anos de escravidão no Egito, onde pelo menos suas barrigas estavam cheias.  

Nós também podemos pensar assim. Quando os problemas terrestres se aproximam de nós, as promessas do céu parecem irreais e remotas. Quando fixamos o olhar no horizonte próximo, pensamentos invejosos, ressentimentos e impulsos gananciosos parecem fazer sentido para nós. Afinal, se seguirmos sua lógica atraente, talvez possamos alcançar as coisas que queremos agora.  

O remédio para isso, é claro, é fixar nossas vistas no alto, no céu, em nosso lar prometido. Pela misericórdia e poder de Deus — por Sua… paternidade! — Ele nos prometeu grandes coisas. Agora vivemos em um estado de graça, mas quando estamos com “Pai Nosso… nos céus”, viveremos em um estado de glória. Agora nós somos Seus templos; mas então Ele será nosso Templo (Ap 21, 22). Agora, ele vive em nós; mas então, viveremos Nele.  

Embora ainda não estejamos em casa, Deus, o Pai, está conosco e tem o poder de nos conduzir através do deserto e através do Jordão. Embora tenhamos uma longa jornada pela frente, Ele está sempre em nosso meio. 

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