A questão parece resumir-se nos termos seguintes: dado que a circuncisão no Antigo Testamento era reservada aos meninos, qual o rito que se aplicava às meninas para lhes apagar o pecado original?
A dúvida supõe que a circuncisão tenha sido o sacramento da Antiga Lei destinado a cancelar o pecado original. Ora tal não se dava: a circuncisão era mero sinal da pertinência de um varão ao povo de Deus ou ao povo com o qual o Senhor fizera aliança por meio de Abraão: tinha significado legal ou jurídico (de foro externo), não significado moral ou de foro interno (cf. Gên 17,11,). Quando os autores bíblicos parecem afirmar equivalência entre “não circuncidado” e “impuro”, têm em vista a impureza legal, ou seja, a incapacidade de se aproximar de Deus no foro externo que alguém possa contrair por não estar de acordo com as leis de culto vigentes (cf. Ez 28,10; 31,18; 32,19s).
Verdade é que a circuncisão, incorporando oficialmente o menino ao povo de Deus, simbolizava consagração a Deus e fidelidade à Lei do Senhor; simbolizava também, de certo modo, o batismo cristão; tal simbolismo, porém, está longe de poder ser identificado com cancelamento do pecado original. Este era apagado, nas crianças destituídas do uso da razão, pela fé dos pais que oferecessem seus filhos a Deus; após o uso da razão, pela adesão aos preceitos do Antigo Testamento. — O profeta Jeremias bem inculcava que a circuncisão da carne de nada adiantava para a salvação eterna, caso o varão fosse “incircuncidado em seu coração”, isto é, caso tivesse a alma manchada interiormente pelo pecado (cf. Jer 9,24s ; Ez 44,7).
Note-se outrossim que a circuncisão era um rito observado pelos povos pagãos já anteriormente a Abraão; o Senhor Deus quis torná-lo sinal de autêntica religião. Acontece, porém, que a circuncisão não costumava ser aplicada às mulheres; é o que explica, também não tenha sido praticada entre as filhas de Israel.