A legislação da Igreja, no assunto, se pode circunscrever nos seguintes termos:
a) visa apenas aqueles que recorrem “de maneira deliberada, deliberato consílio” (cf. cân. 1240 § 1 n. 3) ao suicídio; o que, na interpretação comum dos canonistas, significa “aqueles que se suicidam sem estar em reconhecidas condições de amência ou neurastenia crônica, aguda”, pois tais já não são responsáveis por seus atos. Embora não se possa dizer que todo suicida carece do uso de suas faculdades mentais, muitas vezes é difícil averiguar se alguém se suicidou “de maneira deliberada”, como diz o Direito Eclesiástico; somente Deus vê a consciência e os fatores que em grau maior ou menor a inibem. Desde, porém, que conste que o suicídio não foi premeditado nem voluntário, não se aplica a sanção eclesiástica;
b) supõe-se que tais suicidas não tenham dado sinal de retratação e penitência antes de expirar. O Papa Gregório XVI em sua carta “Officium” de 16 de Fevereiro de 1842 declarou não ser lícito admitir, sem mais, que todo suicida nos últimos instantes se arrepende de suas faltas. Para se afirmar isto em determinado caso, requerem-se indícios explícitos, como o ósculo do crucifixo, o desejo de estar com um sacerdote ou alguma atitude semelhante. Caso se tenha verificado algum destes sinais, é preciso torná-lo notório, a fim de evitar o escândalo público;
c) têm-se em vista unicamente os suicidas reconhecidos como tais. Por conseguinte, para tratar alguém como suicida, não basta encontrar um cadáver enforcado, afogado, morto por uma arma, ainda que esta se ache junto aos despojos do defunto.
Pois bem; a quem morra nas circunstâncias de delito acima enunciadas, a Igreja de modo nenhum atribui a condenação eterna. Somente Deus sabe o que se dá no foro interno da alma, quais as suas últimas disposições depois de desferir o golpe mortal; um suicida que se tenha sinceramente arrependido, embora não haja podido manifestar-se como tal, recebe de Deus o pleno perdão.
Contudo, abstração feita do foro interno, a Igreja, a,bom direito, julga que não pode dar aos seus filhos que morrem em aberta contradição a Deus e à natureza o mesmo tratamento que aos demais; a ação má (na medida em que ela aparece ao público) deve ser denunciada e repudiada. Por isto é que os cânones eclesiásticos privam de certas honras os ditos delituosos, negando-lhes o ritual da sepultura eclesiástica e a celebração pública, solene, da Santa Missa em sua intenção; não lhes recusam, porém, a aplicação do S. Sacrifício em caráter particular ou privado. Ora os católicos sabem que os frutos do Sacrifício Eucarístico de modo nenhum dependem da solenidade externa que se dá ao rito; sendo assim, o suicida não é destituído dos sufrágios que se costumam fazer na Santa Igreja em prol dos defuntos; caso esteja no purgatório, pode ser beneficiado como as demais almas aí existentes.
Vê-se, pois. que a legislação eclesiástica não implica algum juízo sobre o destino eterno da alma do suicida.