(Tim Staples. Traduzido por Flávio Ayres) Para milhões de cristãos não-católicos, Jesus estava se utilizando de puro simbolismo em João 6, 53 quando declarou aos seus seguidores “Em verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós”. As razões que os não-católicos dão geralmente podem se resumir às seguintes: Primeiro, uma interpretação literal tornaria os cristãos canibais; Segundo, Jesus diz ser a “porta” em João 10, 9 e a “videira” em João 15, 5, os católicos acreditam que eles devem arrancar uma folha da videira ou engraxar as dobradiças da porta para ir para o céu? Os não-católicos dizem que Jesus está usando uma metáfora em João 6, assim como ele faz em outros lugares dos Evangelhos.
Católicos Canibais?
A afirmação sobre o canibalismo não se sustenta por, pelo menos, três motivos. Primeiro, católicos não recebem Nosso Senhor sob uma forma canibalesca, católicos o recebem sob a forma de pão e vinho. O canibal mata sua vítima, Jesus porém não morre quando é consumido na comunhão. De fato, ele não é modificado em nada, quem o consome é a única pessoa que é transformada. O canibal come partes de sua vítima enquanto na comunhão o Cristo inteiro é consumido — corpo, sangue, alma e divindade. O canibal ainda derrama o sangue da sua vítima, mas na comunhão Nosso Senhor se dá em sacrifício a nós de modo incruento.
Segundo, se fosse verdadeiramente imoral em qualquer sentido, que Cristo nos entregasse sua carne e sangue para comer, seria contrário à sua santidade dizer a qualquer um que seja para que comesse seu corpo e sangue — mesmo que simbolicamente. Reproduzir um ato imoral simbolicamente seria por natureza imoral.
Ainda mais, as expressões “comer a carne” e “beber o sangue” já foram usadas simbolicamente no antigo testamento hebreu e no novo testamento grego, que foi muito influenciado pelo hebraico. Em Salmos 27, 1-2, Isaías 9, 18-20, Isaías 49, 26, Miquéias 3, 3 e Apocalipse 17, 6-16, nós encontramos essas palavras (comer a carne e beber o sangue) entendidas como simbólicas para perseguir ou agredir alguém. A “audiência” judaica de Jesus jamais pensaria que ele estivesse falando “Se não me perseguirem e me agredirem, não tereis a vida em vós.”. Jesus nunca encorajou o pecado. Esta pode, muito bem, ser uma outra razão para os judeus terem entendido Cristo, por sua palavra em João 6.
Metáfora?
Se Jesus estivesse falando puramente em termos simbólicos, sua competência como professor teria de ser questionada. Ninguém ouvindo a Ele entendeu que estivesse falando metaforicamente. Ponha em contraste a reação de seus ouvintes ao ouví-los dizer ser a “porta” ou a “videira”. Em nenhum lugar encontramos alguém perguntando “Como este homem pode ser uma porta feita de madeira?”, ou “Como pode este homem dizer que é uma planta?”. Quando Jesus falava em metáforas, seus ouvintes pareciam entender completamente isso.
Quando examinamos o contexto de João 6, 53, as palavras de Jesus não poderiam ser mais claras. No versículo 51, Ele diz claramente ser o “pão vivo” que seus discípulos devem comer. E Ele diz em termos bem claros que “o pão que eu darei é a minha carne”. Então, quando os judeus discutiam, dizendo “como é que ele pode dar sua carne a comer?”, no versículo 52, Ele reitera mais enfaticamente ainda, “Em verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós”.
Compare isto com outras ocorrências nas Escrituras onde os discípulos do Senhor estão confusos sobre seus ensinamentos. Em João 4, 32, Jesus diz: “Eu tenho um alimento para comer, que vós não conheceis”. Os discípulos pensaram que Ele se referia a comida física. Nosso Senhor rapidamente esclarece o ponto, usando linguagem concisa para que não haja dúvidas no versículo 34: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e levar a termo a sua obra” (ver também Mateus 16, 5-12).
Quando consideramos a linguagem usada por João, uma interpretação literal — ainda que perturbadora — ela se torna ainda mais óbvia. Em João 6, 50-53 nós encontramos várias formas do verbo grego phago, “comer”, entretanto, após os judeus expressarem incredulidade diante da ideia de comer a carne de Cristo, a linguagem começa a se intensificar. No versículo 54, João começa a usar trogo em vez de phago. Trogo é definitivamente um termo mais “gráfico”, significando “mastigar” ou “roer” — como quando um animal está partindo sua presa.
Assim, no versículo 61, não são mais as multidões de judeus, mas os próprios discípulos que estão tendo dificuldade com as afirmações radicais de Jesus. Certamente, se Ele estivesse falando simbolicamente, esclareceria as dificuldades agora entre seus discípulos. Ao invés disso, o que Jesus faz? Ele reitera o fato de que Ele disse exatamente o que queria dizer “Isso vos escandaliza? Que será, então, quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes?” (61, 62). Alguém pensaria que ele queria dizer “Que será, então, quando virdes o Filho do Homem subir simbolicamente”? Dificilmente! Os apóstolos, de fato, viram Jesus literalmente subir para onde Ele estava antes (ver Atos 1, 9-10).
Por fim, Nosso Senhor se vira aos doze. O que Ele não diz a eles talvez seja mais importante do que o que Ele diz. Ele não diz “Pessoal, eu estava enganando as multidões, os discípulos e todos os outros. Mas agora vou contar a vocês simplesmente a verdade: eu estava falando simbolicamente”. Em vez disso, Ele diz a eles “Vós também quereis ir embora?”. Essa questão profunda de Nosso Senhor ecoa através dos séculos, chamando todos os seguidores de Cristo da mesma maneira. Com São Pedro, aqueles que ouvem a voz do Pastor, respondem “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna”.
Espírito vs Carne
João 6, 63 é um dos versículos apontados pelos protestantes como contraponto aos que afirmamos até agora. Ao ver os judeus e os discípulos tendo dificuldades com a natureza radical de suas palavras, Nosso Senhor diz aos seus discípulos e a todos nós: “O Espírito é que dá a vida. A carne para nada serve. As palavras que vos falei são Espírito e são vida”. Os protestantes afirmam que aqui Jesus nos diz que falava simbolicamente ou “espiritualmente” quando Ele diz “O Espírito é que dá a vida. A carne para nada serve”. “Vêem? Ele não nos dará sua carne porque Ele diz ‘a carne para nada serve’”. Podemos responder a isso de algumas maneiras.
- Se Jesus estava esclarecendo um ponto, Ele teria que ser considerado um professor ruim: Muitos de seus discípulos o abandonaram imediatamente porque achavam que suas palavras significavam o que Ele quis dizer.
- Mais importante, Jesus não disse “Minha carne para nada serve”. Ele diz “a carne para nada serve”. Tem uma diferença grande entre as duas. Ninguém acreditaria que ele quis dizer minha carne para nada serve, porque Ele passou uma boa parte do mesmo discurso nos dizendo que sua carne seria “dada pela vida do mundo” (João 6, 51, 50-58). Então, ao que Ele se referia? A carne é um termo do Novo Testamento frequentemente usado para descrever a natureza humana à parte da Graça de Deus.
Por exemplo, Cristo disse aos apóstolos no jardim do Getsêmani “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação! O espírito está pronto, mas a carne é fraca.” (Marcos 14, 38). De acordo com Paulo, se estamos “na carne”, nós somos “hostis a Deus” e “não podemos agradar a Deus” (Romanos 8, 1-14). Em 1 Coríntios 2, 14, ele nos diz “O homem não-espiritual não aceita o que é do Espírito de Deus, pois isso lhe parece loucura. Ele não é capaz de entendê-lo, porque só pode ser avaliado pelo Espírito”. Em 1 Coríntios 3, 1, Paulo continua “Irmãos, não vos pude falar como a pessoas espirituais. Tive de vos falar como a pessoas carnais, como a crianças na vida em Cristo”. É necessária uma graça sobrenatural na vida daquele que crê para acreditar no radicalismo da declaração de Cristo a respeito da Eucaristia. Como Jesus mesmo falou antes e depois de sua “fala difícil”: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrair” (João 6, 44, 6, 65). A crença na Eucaristia é uma dádiva da Graça. A mente natural – ou aquela que está “na carne” – nunca vai poder entender essa grande verdade Cristã. - Em outro nível muito próximo do ponto anterior, Cristo disse “O Espírito é que dá a vida. A carne para nada serve” porque Ele quer eliminar qualquer possibilidade de um literalismo crasso que reduziria suas palavras a um entendimento canibalesco. É o Espírito Santo que realiza o milagre do Corpo de Cristo ser capaz de subir aos céus e ao mesmo tempo ser distribuído na Eucaristia para a vida do mundo. Um corpo humano, mesmo um perfeito, à parte do poder do Espírito não seria capaz de fazer isso.
- Aquilo que é espiritual não necessariamente equivale ao que não tem substância material. Muitas vezes isso diz respeito ao que é dominado ou controlado pelo Espírito.
Uma coisa que não queremos fazer como cristãos é cair na armadilha de acreditar que, porque Cristo disse “espírito e vida”, ou “espiritual”, essas coisas não podem envolver a matéria. Quando fala sobre a ressurreição do corpo, São Paulo escreveu “semeia-se um corpo só com vida natural, ressuscita um corpo espiritual” (1 Coríntios 15, 44). Isso significa que não teremos um corpo físico na ressurreição? Claro que não. Em Lucas 24, 39, Jesus deixa claro após sua própria ressurreição: “Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um espírito não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho”.
O corpo ressurreto é espiritual, e nós podemos ser chamados “espirituais” como cristãos na medida em que somos controlados pelo Espírito de Deus. Espiritual não significa ausência do material. Essa interpretação é mais gnóstica do que Cristã. A confusão aqui se baseia mais na confusão entre espírito – o substantivo – e o adjetivo espiritual. Quando espírito é usado, por exemplo “Deus é Espírito” (João 4, 24), aí sim se refere ao que não é material. Entretanto, o adjetivo espiritual não necessariamente se refere à ausência do material, mas sim, se refere ao que é controlado pelo Espírito.
Assim, concluímos que as palavras de Jesus “O Espírito é que dá a vida. A carne para nada serve”. Tem um sentido duplo. Apenas o Espírito pode cumprir o milagre da Eucaristia e apenas o Espírito pode nos fortalecer e nos fazer crer no milagre.