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Fontes primárias
1. Textos de títulos idênticos no site do Opus Dei;
2. §§1066 – 1321 do Catecismo da Igreja Católica.
Terminamos a primeira parte do Catecismo na aula passada. Vimos, de maneira sumária, o conteúdo da nossa fé, o conteúdo do Credo Apostólico. Ter estudado a fé da Igreja foi a primeira etapa desse curso. Mas conhecer o conteúdo da Revelação é apenas uma parte do que significa ser cristão. Se quisermos tomar esse nome verdadeiramente, precisamos viver a fé, não apenas memorizá-la.
Por isso, o Catecismo continua expondo a prática da fé cristã. Primeiro pela liturgia e pelos sacramentos, depois pela vida moral e, por último, pela oração.
Nos debruçaremos, agora, sobre a liturgia e sobre os sacramentos. Ela é o culto mais excelente a Deus, reunindo em si todos os aspectos que, na vida cristã, existem separadamente. Eles são os meios pelos quais a graça de Deus ordinariamente chega até nós. Entraremos, portanto, na primeira dimensão da vida prática do cristão: a vida na Igreja.
A Liturgia (§§ 1066-1209)
Se o sentido da vida humana é conhecer e amar a Deus, importa que o conhecimento e o amor possam ser expressos na vida humana, em corpo e em alma. O conhecimento, nessa vida, se manifesta em parte na Revelação (escrita e não escrita) e em parte na própria realidade criada, que traz em si traços da natureza divina e através dos quais o homem pode, pela sua razão, ascender intelectualmente até Deus.
E o amor? O amor se manifesta, sobretudo, nas ações humanas. E, dentre todos, o maior ato é o culto a Deus. Porém, como podemos adorar a Deus corretamente se nossos pecados nos impedem de chegar a Ele? Sem a redenção, a adoração apropriada não é possível. Apenas o homem que for justo pode adorar a Deus.
Por isso que a liturgia, antes de ser um culto nosso a Deus, é uma obra divina da Santíssima Trindade, da qual nós podemos participar, cada um a seu modo, uma vez que estamos unidos a Cristo. Eis a unidade entre os temas da liturgia e dos sacramentos: para bem adorarmos a Deus, precisamos ser incorporados à Igreja, precisamente o que fazem os sacramentos.
1.1 O que é a liturgia?
A liturgia é a obra do povo cristão que é participação da obra divina, que inclui tanto o culto divino quanto o anúncio do Evangelho, as ações de caridade para com o próximo e a oração. Não sem motivo, a celebração da missa é o ápice da vida Cristã: nela os quatro aspectos da liturgia (obra humana unida à obra divina) estão presentes e se encontram elevados a sua perfeição (§§1069, 1070, 1074).
Sobre obra humana que participa da obra divina, é certo que ela é, em sentido estrito, obra de Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Ele é quem realiza a liturgia, exercendo, nesse ato, suas funções de sacerdote, profeta e rei. Portanto, quando a missa é celebrada, quando o Evangelho é anunciado, os pobres bem cuidados e a intercessão comum realizada, é Cristo que age, nós apenas participamos da sua ação (§1070).
O Catecismo entra em maiores detalhes sobre como cada pessoa da Santíssima Trindade opera na liturgia: Deus-Pai abençoando os homens, Deus-Filho operando a redenção e Deus-Espírito Santo preparando a Igreja, recordando e manifestando a fé e tornando presente e atualizando o sacrifício de Cristo. Aqui nos debruçaremos especificamente sobre a ação de Cristo.
1.2 A Santa Missa
Na missa. nós sabemos, Cristo se faz presente em corpo e sangue, alma e divindade. Isso acontece no momento da celebração do sacrifício de Cristo. Mas como isso é possível? Afinal, não aconteceu o sacrifício de Cristo apenas uma vez? Não seria a missa uma recriação desse sacrifício, crucificando a Cristo mais uma vez? Ou, por outro lado, não seria ela uma grande mentira, considerando o sacrifício aconteceu apenas uma vez, e agora apenas pode ser lembrado simbolicamente?
As correntes protestantes se dividem sobre esse assunto – como em quase tudo. Mesmo em sua divisão, todas rejeitam, parcial ou completamente, a visão da Igreja.
Para nós, o sacrifício aconteceu apenas uma vez, e não pode ser repetido. Porém, como Cristo não é apenas temporal, mas também eterno – pois é tanto homem quanto Deus – seus atos não são puramente temporais, mas também eternos. Isso quer dizer que suas ações, mesmo que tenham sido feitas no tempo, não se restringem a ele.
Essa eternidade – entendida como existência fora do tempo – das ações de Cristo é o que permite, por exemplo, que a redenção alcance retroativamente os justos do Antigo Testamento, que já na sua era foram redimidos pela graça de Deus, mediante a fé no Redentor. É o que permite, também, que nós, hoje, sejamos redimidos.
Se os atos de Cristo se restringissem ao seu tempo de vida terrena, apenas aqueles que o conheceram poderiam ser salvos, e a pregação do Evangelho não seria nada mais do que um relato histórico, sem qualquer eficácia redentora atual. Seria apenas o relato de uma grande obra feita por um grande homem, e nada mais.
Assim também com a santa missa. Ela não é um novo sacrifício de Cristo, pois ele não está sendo novamente crucificado no tempo. O que acontece é a atualização do único sacrifício, que é eterno pois Cristo é eterno. Atualizar, portanto, é mais do que meramente lembrar de fatos passados: é tornar presente o único sacrifício, tornando presentes também os seus efeitos.
Essa é a obra que homem algum pode realizar. Apenas Cristo pode. E Ele assim faz por meio dos sacerdotes, ordenados pelos Bispos descendentes dos Apóstolos. Apóstolos que receberam de Cristo o poder de realizar, agindo por Ele, a atualização do sacrifício para benefício da Igreja.
A santa missa, portanto, como sumo exemplo da liturgia, demonstra o que significa – em sua última extensão – a ação humana participante da ação divina. Todos os sacramentos, porém, revelam essa dimensão em seus âmbitos de ação específicos. A eles nos dedicaremos a partir daqui.
2. O Batismo (§§ 1210-1284)
Para que nossas ações possam estar unidas às ações divinas, é necessário que participemos na natureza divina por meio da incorporação na Igreja, corpo de Cristo. Essa incorporação acontece com o Batismo.
Todo homem precisa de um pai e de uma mãe para nascer. Quando nasce, é incorporado à sociedade, também chamada analogicamente de corpo social. O nascimento físico e o nascimento social se dão ao mesmo tempo, mesmo que a sociedade a que estamos nos referindo seja unicamente a família.
Uma vez que se nasce, não é possível voltar para a não-existência. Embora a morte traga em si paralelos com o nascimento, ela não significa – não verdadeiramente – deixar de existir, e sim deixar de existir corporalmente (e, para nós, Cristãos, apenas por um tempo). Quem nasce, portanto, não pode deixar de ter nascido.
Com o batismo isso também acontece, mas em um plano puramente espiritual – pelo menos até o final dos tempos e a ressurreição dos corpos. O batismo é chamado, com justiça, de novo nascimento. Confrontado com essa realidade misteriosa, o fariseu Nicodemos perguntou a Cristo: “Como pode um homem renascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no seio de sua mãe e nascer pela segunda vez?” (Jo 3, 3).
A tarefa que é impossível ao homem, é possível a Deus. Tendo criado o homem, pode também renová-lo, redimindo-o, fazendo com que nasça de novo de uma nova mãe, como que voltando ao ventre.
Quem nasce de novo pelo batismo, também nasce de um pai e de uma mãe: o pai é Deus e a mãe é a Igreja. Quando nasce, se incorpora a um corpo social, que não é apenas social, mas também espiritual: a Igreja, corpo de Cristo. Os dois atos se dão ao mesmo tempo.
Quando nasce, também não pode voltar à não-existência. Sua alma está perpetuamente marcada pelo batismo, e essa marca, que o identifica como cristão, não pode ser apagada. Nem mesmo a morte separa o cristão de Deus, pois a marca do batismo não é corporal, é espiritual.
Assim como o batismo, todos os sacramentos guardam uma analogia com as fases naturais da vida humana. Não poderia ser de outro modo. O Deus que criou o homem, colocou nele sinais da obra de redenção que realizaria quando chegasse o tempo.
O mesmo problema de compreensão que apontei acima quanto à compreensão da santa missa ocorre com o batismo. Por alguns, é visto como uma realidade misteriosa que marca a alma do indivíduo e faz com que ele possa se chamar, legitimamente, cristão; por outros, como mero símbolo memorial, que relembra e professa a morte para o mundo e o novo nascimento para Cristo.
A Igreja o compreende do primeiro modo. É certo que é símbolo, mas é também, e em primeiro lugar, realidade. O batismo opera, desse modo, mudanças na alma e, por consequência, no corpo. Ele i. apaga o pecado Original (§ 977), ii. torna o homem capaz de crer em Deus e de esperar nele e de amá-lo por meio das virtudes teologais; iii. concede-lhe o poder de viver e agir sob a moção do Espírito Santo por seus dons; e iv. permiti-lhe crescer no bem pelas virtudes morais (§1266).
Incorporando o homem à Igreja, corpo de Cristo, o batismo realiza a nossa redenção, permitindo que, morrendo em graça, sejamos salvos. E, mais ainda, permitindo que vivamos como Cristo viveu.
3. A Confirmação (§§ 1285-1321)
O sacramento da Confirmação ou do Crisma é o segundo dos sacramentos da Iniciação Cristã. O primeiro é o que já falamos, o Batismo, e o segundo é o de que falaremos na próxima aula, a Eucaristia. É o segundo sacramento por alguns motivos.
Primeiro, que ele se relaciona analogicamente ao momento de entrada na vida propriamente racional. O batismo, na Igreja Ocidental, é tradicionalmente realizado nos bebês recém-nascidos. Claro, muitos adultos o recebem, mas, uma vez que os cristãos já batizados têm filhos, esses também o serão o quanto antes. Dados seus efeitos espirituais e por ação divina, não é necessário que seja realizado apenas quando a pessoa puder escolher.
A confirmação, porém, é realizada (ordinariamente) quando a criança já entrou na idade da razão, em torno dos 7 anos (embora isso não seja absolutamente necessário). É quando sua faculdade racional atinge um estado de desenvolvimento que a tira da penumbra dos anos da infância propriamente dita. Existe, como aponta o Catecismo, um motivo administrativo por detrás da diferença entre a realização do sacramento no Ocidente e no Oriente. Mas nosso foco é compreender como o sacramento se relaciona com a participação na natureza divina.
O segundo motivo para ele ser o segundo sacramento da Iniciação é que, se o batismo revela a união do fiel com a Igreja local, na figura do sacerdote que o batiza, a confirmação revela a união com o seu pastor, com o Bispo, e, portanto, com a Igreja universal, Católica. Ele, portanto, confirma a fé que seus pais professaram no seu batismo, decidindo, de fato, ser católico.
Assim como o batismo, a confirmação não é mero símbolo. Ela imprime um caráter irremovível na alma e infunde a alma com os dons do Espírito Santo para que o cristão possa defender a fé e a Igreja com maior auxílio divino.
Os efeitos da Confirmação são: i. enraizar mais profundamente a filiação divina, que nos faz dizer “Abba, Pai” (Rm 8,15), e nos une mais solidamente a Cristo; ii. aumenta em nós os dons do Espírito Santo; iii. torna mais perfeita nossa vinculação com a Igreja; e iv. nos dá a força especial do Espírito Santo, para difundir e defender a fé pela palavra e pela ação, como verdadeiras testemunhas de Cristo, para confessar com valentia o nome de Cristo e para nunca sentir vergonha em relação à cruz.
Prof. Rafael Cronje Mateus
Dada no Centro Cultural Alvorada, no dia 14 de julho de 2021.