Queremos ser santos, mas vivemos no mundo. Eis aí um grande desafio do nosso tempo! Quantos já não sonharam com a virtude da vida religiosa? O sagrado silêncio, os trabalhos braçais, os ofícios divinos, o tempo determinado para os estudos e para a oração mental, a singela vida em comunidade norteada pela temperança no falar, no comer e no beber, a santa obediência ao superior, a santa mãe pobreza que presenteia aquele que tudo deixou com a paz em relação às preocupações do mundo… Alguns, somente de pensar, percebem aquele suspiro interior do coração, suspiro de uma alma que, ainda que não perceba muito bem, nutre grande amor pela vida de virtude para a qual os homens foram chamados por Jesus Cristo, nosso Deus cheio de amor.
Mas logo o devaneio e o suspiro dão lugar à presença esmagadora da realidade, essa realidade que nos foi dada e que em parte construímos, e que é de fato o nosso único meio de santificação. A esposa necessita disto ou daquilo, a criança deve ser alimentada e educada, o trabalho contratado deve ser entregue até tal data e tal hora, a grama do quintal já está bem alta, a resistência do chuveiro queimou (e talvez esse fato aparentemente insignificante seja de suma importância, pois às mulheres parece ser mais fácil jejuar por quarenta dias e quarenta noites no deserto a tomar um banho com a água gelada), e tantas outras pequenas coisas que devemos dar conta para restabelecer um pouco de ordem ao imenso caos da vida cotidiana.
No fim do dia, cansados tanto no corpo como na alma, aprendemos com o tempo que os principais atos de piedade do dia devem ser feitos o quanto antes, a fim de que possamos oferecer a Deus o melhor de nossas disposições. Mesmo sabendo disso, às vezes tudo o que podemos oferecer são as súplicas e preces de uma alma cansada e sonolenta que buscou viver a Caridade e todas as demais virtudes em meio a tantas coisas aparentemente insignificantes.
Eis a prece muitas vezes intraduzível que habita no coração:
“Ah, meu bom Jesus! Como eu gostaria de lhe dar muito mais! Ah! Quem me dera tivesse eu o tempo e a disposição para rezar todas as horas canônicas, fazertanto tempo de oração mental, talvez até mesmo aquela severa penitência corporal. Meu bom Jesus, como eu queria aprofundar-me todos os dias em estudos os mais profundospara bem compreender os mistérios da metafísica e da teologia. Mas o que tenho para oferecer-te? Esse singelo Terço de Nossa Senhora, tecido em meio a lutas contra distrações e os bocejos de um corpo cansado; essa singela leitura espiritual, buscando ao menos um pequeno contato com tua palavra de vida”.
Lembro-me do que certa vez ouvi a respeito de S. Josemaria Escrivá. Estando ele em um aposento em meio a uma grande cidade, olhou para as pessoas que ali estavam e lhes disse algo como: “Deixem-me mostrar-lhes minha cela”. Dirigindo-se à janela com vistas para o emaranhado de construções, transeuntes os mais diversos, automóveis e todos os elementos que compõem o caos urbano, disse com aquela energia que lhe era típica: “Essa é a minha cela!”.
Aí entendemos que a frase com que iniciei esse breve artigo é um tanto quanto imprecisa, embora reflita aquela idéia por vezes intraduzível que trazemos conosco. “Queremos ser santos, mas vivemos no mundo”. O mas é a contraposição, é oporém. Impossível não perceber que a idéia aqui expressa é a de que viver no mundo é um obstáculo à vida de santidade.
Devo reconhecer com você, meu caro irmão, que o próprio Cristo nos disse que a vida mais perfeita é aquela própria dos Apóstolos, os quais de tudo abriram mão para seguir o Divino Mestre. Penso que um dos motivos é explicado pelo próprioApóstolo S. Paulo quando recomendou que as pessoas não se casassem para que pudessem prestar total dedicação a Deus.
Mas devo olhar-te seriamente com a rigidez que brota de um coração decepcionado se ouvir-te dizendo que a santidade não está ao alcance daqueles que se vêem obrigados a viver no mundo. Devo então dizer-te: “Vai ter com a Santíssima Virgem Maria e São José para lhes provar que seriam muito mais santos servindo a Deus no Templo, e até que não os tenhais convencido dessa idéia, darei por encerrada essa conversa!”.
Meu irmão, devo dizer-te que Deus é bom o tempo todo; não nos deixou desamparados. E quando digo isso, refiro-me a toda a humanidade, pois Deus, em sua infinita Sabedoria, sabe melhor do que nós todos que a vida consagrada em união ao projeto universal da salvação poria fim à espécie humana (afinal, consagrados não têm filhos segundo a carne – ou ao menos não deveriam!). Sabendo tudo isso, Jesus Cristo elevou o matrimônio natural ao status de Sacramento, sinal eficaz da Graça de Deus, como bem nos ensina a Santa Mãe Igreja.
Com isso a Igreja quer dizer que o matrimônio não somente serve para os fins naturais pelos quais foi por Deus disposto, mas que passou a se tornar verdadeiro meio de santificação! Mas permita-me ir além, e corrijam-me aqui os doutos por dizer o que ouço da boca dos sábios e dos santos: O matrimônio não só é um meio de santificação, mas é de fato o único meio pelo qual as pessoas que por essa via trilharam podem um dia alcançar a santidade. Vejam, pois, a seriedade disso! Ao monge foi dada a regra; a você foi dada a esposa.
Permita-me colocar isso de uma maneira um pouco mais profunda. Todo o ser humano, da piedosa criança que reza o Anjo do Senhor ao pobre desgraçado que nunca ouviu falar de Nosso Senhor Jesus Cristo, foi criado para isto: conhecer, amar e unir-se a Deus. Aí, e somente aí encontra o homem a máxima felicidade. Fora disso, é a criatura humana tal qual um belíssimo e nobilíssimo palácio que abriga pessoas as mais pobres e desgraçadas, indignas do local em que estão, e que logo o levarão à ruína. Mas quero pedir-te, meu irmão, que doravante reconheças isto: foste criado para conhecer, amar e unir-te a Deus conhecendo, amando e unindo-te a tua esposa.
Seja Deus louvado para sempre por sua infinita sabedoria e misericórdia!
Bem sei, meu irmão, que saber de tudo isso não muda o fato de que esse caminho é espinhoso, recheado de perigos os mais diversos e muitos elementos que dispersam a nossa atenção de tão ditoso fim. Portanto, é necessário que passemos a concentrar nossos esforços nisto (e eu lhes garanto que nada pode ter mais valor!): Como ter uma vida espiritual profunda e ainda dar conta de todo o resto?
Embora sabendo que pela Graça de Deus temos vivos e presentes tantos homens e mulheres que estão a nos ensinar os meios necessários, sendo muitos deles pessoas tão boas e mais bem capacitadas para fazê-lo do que esse que escreve, pretendoeu também dar a minha contribuição, esperando com isso alcançar o favor de Deus, pois também eu sou aluno nessa desafiadora escola de santidade.
Então, espero por você em nosso próximo encontro, no qual pretendo começar a compartilhar muitas dicas práticas que podem lhe ajudar a carregar com a máxima felicidade a Santa Cruz de Nosso Senhor.
Peço a você somente isto: Que se lembre de mim e de minha esposa, Caroline, quando dirigir suas preces aos Céus, e que principalmente o faça pela intercessão do Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue do Senhor no momento da Santa Missa. Não há no mundo retribuição maior!
Que Deus abençoe a todos vocês e ao apostolado Cooperadores da Verdade, por intercessão da Sagrada Família de Nazaré.