Creio que todos conhecem aquela belíssima oração atribuída a S. Bernardo que começa assim:
Lembrai-vos, ó puríssima Virgem Maria,
que nunca se ouviu dizer que algum
daqueles que tenha recorrido à vossa proteção
implorado a vossa assistência e reclamado o vosso socorro,
fosse por vós desamparado.
Essa prece que inspira uma profunda esperança é baseada na mais sólida teologia sobre Nossa Senhora, a qual comentei (ainda que toscamente, no limite de meu entendimento) em nosso encontro passado. De fato, recorrer ao auxílio da Virgem Maria, nutrindo por Ela uma devoção toda especial até o momento da morte, é um sinal de predestinação. Do contrário, não dar à Mãe de Deus a devoção que lhe é devida, é um sinal de condenação eterna.
No entanto, como disse S. Luis de Montfort em seu Tratado da Verdadeira Devoção, é condição sine qua nom que aquele que pretende ser devoto de Nossa Senhora esteja determinado a abandonar o pecado grave para sempre. O estado de graça, ou ao menos o desejo sincero de obter as virtudes necessárias para isso, é um requisito sem o qual as práticas devocionais são estéreis, por maior que seja a dignidade da destinatária de tais obséquios.
Pelos pecados dos homens Maria teve de padecer a prova do oferecimento de seu Filho para morrer na Cruz. Recebeu a Cristo, antes da última ceia, vendo este tomado de pavor, e teve de consolar o Divino Homem, acalentando-o em seu seio puríssimo e virginal, em meio às lágrimas que vertiam de seu Imaculado Coração. Acompanhou o mesmo Filho no caminho doloroso da cruz, enquanto via o Príncipe de sua paz com o rosto deformado pelas pancadas, a pálpebra atravessada por um dos cravos da coroa de espinhos, os ossos expostos pelos golpes dos azorragues, os passos vacilantes que tropeçaram três vezes no caminho. Ouviu os insultos e as calúnias que a multidão, os chefes do povo e os pagãos lançavam contra o Divino Redentor, e ouvia também os insultos que indiretamente a Ela se dirigiam, pois é certo que amaldiçoavam o ventre que havia concebido tão detestável criminoso.
E quem poderia consolar o coração da Virgem Maria quando desceram do lenho do madeiro o corpo de seu amado Filho? Quem poderia conter as lágrimas, os soluços de profunda dor e agonia? Quem poderia lhe responder a altura quando exclamava: “Meu Filho, o que fizeram contigo?”.
Meu caro irmão, estamos tristes contemplando os sofrimentos da Virgem Maria. Mas não fomos eu e tu que causamos essa dor em seu coração? Como pretendes tu reparar o coração da Mãe de Deus se continuas a massacrar seu Filho com teus pecados? Parece-te ainda irrazoável que a Santíssima Virgem não corresponda às preces de uma alma resignada no pecado mortal, na qual não há sequer o desejo de se converter?
Lembra-te da primeira regra do jogo: É necessário estar em estado de graça. Se não tens a Fé e a coragem de que tanto necessitas para romper de vez com tuas calúnias, injustiças, adultérios, masturbações, pornografias e tantos outros pecados gravíssimos, tenhas ao menos o sincero desejo de alcançar tais virtudes, e então tua devoção servirá para alcançar-te o Céu, pois tudo pode a prece da Santíssima Virgem Maria.
Santo Afonso ilustra essa piedosa doutrina com uma história. Certo soldado que vivia em pecados tinha por hábito dirigir à Santíssima Virgem um ato devocional diariamente. Um dia, ao sentir muita fome, apareceu-lhe a Virgem com um vaso repleto de comidas saborosas. Aconteceu que o vaso estava imundo, repugnante à vista. A Mãe de Deus se apresentou, e disse ao soldado que viera saciar sua fome, mas deste ouviu uma recusa pela imundícia do vaso; disse-lhe o soldado que não lhe era possível comer pela repugnância que sentia. Ouvindo isso, respondeu-lhe a Virgem Maria: “E como queres tu que eu aceite devoções oferecidas dentro de alma tão imunda?”. Ouvindo isso, converteu-se o pobre soldado, virou eremita e viveu por trinta anos no deserto. No momento de sua morte, apareceu-lhe a Virgem Maria e o levou para o céu.
Que teria acontecido com o pobre soldado se, ouvindo a advertência da Virgem Maria, persistisse em sua falsa devoção? Certamente teria o destino de todos aqueles que, vivendo em pecado, crêem tolamente que serão salvos por um ato de infinita bondade de Deus. Julgam estes que Deus pode exercer sua bondade com prejuízo de sua justiça, e pecam por um excesso de esperança que, levado até as últimas conseqüências, constitui imperdoável pecado contra o Espírito Santo.
Voltemos a nossa analogia, meu caro irmão. O que dirias ao atleta que, convocado para uma corrida, faz um breve treino diário de alguns poucos minutos e passa o resto do tempo fazendo tudo aquilo que é contrário ao seu ofício? Da mesma forma como é naturalmente impossível que esse falso atleta alcance a vitória no certame, é espiritualmente impossível que se salve uma alma que insista em viver no pecado somente porque pratica esta ou aquela devoção.
Além disso, é necessário compreender que todas as devoções exigem perseverança. S. Bernardo, nesse sentido, contribui muito com nossa analogia quando diz que “só quem persevera recebe a coroa”. Como já dissemos, a coroa era o prêmio dado aos atletas dos tempos em que o Novo Testamento fora escrito, ao que diz o Apóstolo que corre para obter a coroa de glória imperecível.
Um dia, pediram a S. João Berchmans em seu leito de morte uma devoção que fosse muito agradável a Nossa Senhora para dela obter a proteção. O santo respondeu com muita sabedoria: “Pouca coisa, mas com constância”.
Por isso, meu irmão, devo reprovar-te se és uma daquelas almas volúveis, que hoje se determinam a rezar o rosário diariamente, e amanhã acaba por não completar nem a primeira dezena; se hoje fazes todas as horas liturgias, e amanhã acaba por fazer outra prática devocional qualquer.
Grava isto em teu coração: “Deus quer pouco e com constância”.
É importante que saibas disso agora que vamos tratar especificamente das devoções, porque pode acontecer que queiras abraçá-las todas, o que talvez seriaimpossível sem prejuízo de outros deveres que Deus quer que cumpras com zelo e perfeição.
O primeiro ato de devoção que devo mencionar é a saudação angélica, conhecida por nós como a Ave-Maria. Como bem sabes, “alegra-te, Maria!” foi o que o Arcanjo disse à Santíssima Virgem quando adentrou o recinto em que se encontrava para lhe anunciar a vinda do Cristo em seu seio virginal. Sob outra perspectiva, “alegra-te, Maria!” é o que disse o próprio Deus à Virgem, que dentre todas as criaturas se considerava a mais indigna, ao que se viu perturbada em sua humildade diante de tal saudação.
Ouvir da boca de seus fieis devotos tal saudação é para a Virgem Maria a deliciosa memória de tudo aquilo que Deus lhe disse nesses primeiros mistérios que compreendem a encarnação e nascimento do Verbo Eterno. Assim é que exulta de alegria a Santa Mãe de Deus ao ouvir de nós aquilo que o Espírito Santo lhe disse por boca de Santa Isabel: “Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto de teu ventre”. E como exultou a Virgem Maria ao ouvir isso? Elevando o coração ao céu, entoou um hino que anjo algum seria capaz de compor e alma alguma é capaz de recitar com as mesmas disposições: “A minha alma glorifica ao Senhor e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador!”.
Já percebeste em ti mesmo e em todos em tua volta como as pessoas nunca se cansam de falar ou de ouvir os outros falando sobre aquele momento culminante de suas vidas. Achas que algum dia cansará uma mulher de ouvir elogios sobre a linda cerimônia de seu casamento? E sempre quando tiver alguma outra que lhe é próxima preparando-se para casar, relatará com alegria os acontecimentos de sua já antiga cerimônia.
Assim é que, segundo o que me é de crença pessoal, nada alegra mais o coração da Virgem Maria do que a piedosa recitação da saudação angélica acompanhada de uma santa meditação dos mistérios contidos nos Evangelhos. E, ainda segundo o que particularmente creio, o mistério que mais enche de doçura o coração da Virgem Maria é a anunciação e encarnação do Verbo. Foi aí quando de fato Deus se fez homem, merecendo desde sua encarnação a salvação de todos os homens pecadores e a redenção da própria Santíssima Virgem.
Para se praticar a devoção da saudação angélica com eficácia, recomendo-te três modos.
O primeiro é pela devoção das três Ave-Marias, que devem ser rezadas logo ao acordar e antes de dormir. Ofereça a primeira Ave-Maria em honra ao poder que a Virgem recebeu de Deus Pai; a segunda em honra à sabedoria que recebeu de Deus Filho; a terceira em honra à misericórdia que recebeu de Deus Espírito Santo. Depois disso, pode haver o complemento da Salve Rainha ou da consagração à Nossa Senhora.
O segundo é pela devoção do Anjo do Senhor, também conhecida por Angelus. Usualmente feita ao meio-dia e às seis horas da tarde, consiste essa devoção na pronúncia da seguinte fórmula:
V. O Anjo do Senhor anunciou a Maria.
R. E ela concebeu do Espírito Santo.
Ave-Maria, cheia de graça…
V. Eis aqui a escrava do Senhor.
R. Faça-se em mim segundo a vossa palavra.
Ave-Maria, cheia de graça…
V. E o Verbo se fez carne.
R. E habitou entre nós.
Ave-Maria, cheia de graça…
V. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus.
R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.
Oremos: Derramai, ó Deus, a vossa graça em nossos corações, para que conhecendo pela mensagem do anjo a encarnação do Cristo, vosso Filho, cheguemos por sua paixão e cruz à glória da ressurreição por intercessão da Virgem Maria. Pelo mesmo Cristo, Senhor Nosso. Amém.
Parabéns pela belíssima exposição. Salve Maria!
Deus abençoe!!!