Afirmam certos autores que a castidade pré-nupcial ou é impossível ou é nociva à saúde. Não obstante, os moralistas católicos continuam a incutir a castidade perfeita como algo de obrigatório anteriormente ao casamento e mesmo no estado de viuvez. Como se justifica isto?
Por «castidade» entende-se a virtude que assegura à alma o domínio sobre os prazeres sexuais. Já que o deleite sexual foi instituído pelo Criador como elemento concomitante da procriação (a fim de facilitar a conservação da espécie humana), compreende-se que a ninguém é lícito usufruir do deleite sexual senão dentro do matrimônio; o matrimônio é, sim, a instituição natural que tem como fim primário e essencial a procriação da espécie.
O princípio segundo o qual o ato sexual só é licito dentro do matrimônio, entende-se bem pelo fato de que a função dos genitores não se reduz a colocar mais um ser vivo no mundo; quem gera, tem a obrigação de educar. Ora a educação só é possível nos termos devidos se há colaboração de pai e mãe num consórcio de vida estável, que é o matrimônio. — Além disto, observe-se que a doação íntima que a criatura faz de si ao entrar em relações sexuais não é propriamente humana se é meramente carnal; a função sexual, no ser humano, só se exerce normalmente se é precedida e acompanhada pelo amor, ou . seja, por uma doação psíquica. Donde se vê que a cópula humana supõe e exige doação total da personalidade do varão à da mulher e vice-versa; ora essa doação total (que naturalmente há de durar a vida inteira) só se realiza na vida conjugal selada por autêntico contrato matrimonial.
Com São Tomás, os moralistas distinguem duas espécies de castidade: a castidade perfeita e a castidade comum.
A castidade perfeita consiste na abstenção completa das funções sexuais, sejam estas realizadas com outra pessoa, sejam provocadas pelo indivíduo consigo mesmo (masturbação). É também chamada «continência perfeita»; deve caracterizar o gênero de vida das pessoas não casadas, quer simplesmente solteiras, quer viúvas.
A castidade comum caracteriza o estado conjugal. Consiste na renúncia a todo deleite sexual que não se concilie com a finalidade primária do matrimônio (procriação da prole) ou com alguma das prerrogativas deste (monogamia e indissolubilidade).
Está claro que a castidade ou a continência não se restringe apenas ao corpo humano; ela se estende também aos pensamentos, a todas as afeições e intenções do coração humano, impedindo que se apliquem a objetos indevidos. Note-se outrossim que a castidade não é algo de meramente negativo; não é mera renúncia nem oposição, mas constitui adesão mais plena da criatura humana ao Criador e aos seus sábios desígnios, vindo a ser, como diremos adiante, verdadeiro enriquecimento da personalidade.
Nas considerações que se seguem, focalizaremos primeiramente os autênticos ditames da Medicina em relação à castidade; a seguir, voltaremos nossa atenção para as objeções que são comumente formuladas contra tais normas.
1. Os ditames da Medicina
1.1. À medida que o organismo do jovem e da jovem se vai desenvolvendo, os órgãos genitais se vão tornando aptos para realizar a sua função. Desperta-se então a tendência sexual no adolescente. Esse despertar é paulatino; as aspirações daí decorrentes não são tais que se lhes deva dar satisfação imediata; não são a tal ponto imperiosas. Ao contrário, em vista . do equilíbrio físico e psíquico da personalidade, tais aspirações hão de ser devidamente reprimidas até que o indivíduo tenha atingido a maturidade de corpo e alma necessária para poder contrair união matrimonial. Esta coibição é necessária e salutar, por mais de um motivo:
a) enquanto o organismo humano se está desenvolvendo, ele armazena forças que deverá despender mais tarde e não deve portanto exercer alguma de suas funções vitais antes de estar plenamente habilitado para isso.
Tal norma se aplica de maneira especial à função de reprodução. Esta, mais acentuadamente do que qualquer outra, passa por uma curva de ascensão ou desenvolvimento, apogeu e declínio. O período de desenvolvimento, que começa já antes dos quinze anos de idade, é justamente aquele em que se formam os órgãos e se aperfeiçoam as faculdades concernentes à geração. É no período de apogeu que o indivíduo pode usufruir naturalmente do potencial de energia e vitalidade preparado durante o seu desenvolvimento. Se, porém, desde o desabrochar do atrativo sexual o jovem começa a usar de suas funções genitais, não pode deixar de experimentar funestas consequências de tal abuso, pois as células só se reproduzem normalmente quando hipernutridas; entre tais lamentáveis consequências, assinala-se a debilitação geral da saúde do jovem, o aparecimento de doenças venéreas, de psicastenias ou moléstias nervosas com todo o cortejo de males que a isto se prende; tal abuso pode mesmo acarretar a morte precoce ou decrepitude prematura» (texto citado pelo Dr. Mário Alcântara de Vilhena, em «Da continência e seu fator eugênico». Rio 1921, 74).
Dir–se-á: mas o fato de que o adolescente por volta dos quinze ou dezessete anos está apto para fecundar um óvulo feminino não deve ser interpretado como licença concedida pela natureza mesma para o exercício de tal função? — Responder-se-á que não; tal fenômeno fisiológico de modo nenhum significa que o jovem, na referida idade, esteja apto para assumir as responsabilidades e o pesado encargo de construtor de um lar; eqüivale apenas a uma etapa percorrida pela natureza em demanda da completa e formal virilidade. Conforme alguns autores, a natureza leva oito ou dez anos para fazer de um rapaz um homem apto a exercer as suas funções sexuais até as últimas consequências acarretadas por estas.
Damos aqui a palavra mais uma vez a um médico, o Dr. Mário de Vilhena:
«Do poder um indivíduo usar de seus órgãos genitais antes de os ter maduros e completos, não se segue… que já o deva, ou que já lho convenha fazer, da mesma forma que um automóvel cujo reservatório requeira sessenta litros de gasolina, poderá andar com um litro apenas, mas isto não convém.
Eis um dos mais funestos fatos para o desenvolvimento do indivíduo. As excitações fictícias e anormais que não têm na sua fonte a maturidade funcional dos órgãos, produzem, em virtude destes abusos ou destes usos muito precoces, o estiolamento dos próprios órgãos; os testículos estiolados, por sua vez, dão produtos estiolados e de má qualidade. O organismo assim tornado débil fornece germens débeis; a progênie sofre com isto»
(obra citada, pág. 29s).
b) Sabe-se outrossim que as glândulas humanas funcionam todas em estreita correlação entre si; em particular, as que segregam os hormônios das funções genitais não servem somente a estas funções, mas beneficiam outras atividades do organismo humano. Em consequência, a abstenção da vida sexual permitirá que as glândulas hormonais favoreçam com mais intensidade outras funções vitais do indivíduo.
O Prof. D.r. Henrique Tanner de Abreu observava: «A endocrinologia reconhece nos testículos a existência de hormônios múltiplos, dos quais uns presidem ao desenvolvimento dos caracteres sexuais, e são produzidos pela glândula intersticial, notadamente pelas células de Leydig, e outros de que independem os caracteres do sexo e que estimulam as trocas gerais de matéria ou trocas íntimas do metabolismo orgânico, os quais têm origem na linha seminal e nas células de Sertoli.
Dir-se-ia que o testículo se desdobra em duas glândulas a se compensarem fisiologicamente, a falta de exercício de uma delas devendo favorecer o revigoramento da função da outra. A carência do exercício da função genética resultará benéfica à função estimuladora da nutrição geral» (Resposta ao 3o quesito da consulta feita pela Liga pela Moralidade, em março de 1918).
Mais recentemente o Dr. Joaquim Moreira da Fonseca perante uma assembleia de médicos asseverava:
Nos casos de abstenção sexual, «as (secreções) endócrinas vão estimular órgãos distantes, especialmente o sistema nervoso central, ‘ dando-lhe tenacidade e vigor admiráveis. Assim se explica a genialidade de tantos homens castos heroicos. De fato, no caso de pluralidade de funções do mesmo órgão, o não uso de uma delas… beneficia a atividade das outras… Não é o não funcionamento dos órgãos sexuais, mas, sim, a extração deles, a causa dá degenerescência intelectual dos castrados» (cf. Dr. Joaquim Moreira da Fonseca, O fator endócrino e a continência masculina, em «Atas do 1o Congresso Brasileiro de Médicos Católicos». São Paulo 1947, 275).
Nesta passagem merece especial atenção a referência à castração, ou seja, à mutilação do organismo que alguém possa empreender a fim de se conservar casto. Tal recurso artificial, como nota o Dr. Moreira da Fonseca, longe de ser benéfico, acarreta verdadeiro detrimento para a personalidade humana, pois a priva violentamente do concurso de uma função que está intimamente relacionada não só com a reprodução, mas também com as demais atividades psicossomáticas do paciente.
Ao contrário, a continência natural, facilitando a concentração de energia ou de funções vitais, permite mais intensa aplicação ao estudo; permite também manifestação mais lúcida da inteligência do respectivo sujeito. O amor ou o exercício da vontade se torna mais firme e puro em virtude da continência espontânea: “Aqueles que guardaram a castidade, são melhores maridos, melhores pais que os outros… A continência proporciona uma reserva de forças. A economia sexual favorece a longevidade e as diversas formas da atividade intelectual” (Ch. Feré, L’instinct sexuel: évolution et dissolution). — Como insinua este depoimento, a continência vem a ser outrossim fator de robustez para o corpo mesmo do indivíduo: «O vigor físico que a continência acarreta é aproveitado pelos atletas e desportistas. Sabido é que os lutadores se conservam continentes, assim como… nos dias de encontros os jogadores de futebol se conservam sob um regulamento que lhes veda toda intemperança. Também os boxistas ingleses atuais são submetidos, no período de peleja, a uma dieta particular e à continência sexual» (cf. Vilhena, ob. cit. 106).
1.2. É na base das considerações acima que as autoridades médicas se têm repetidamente pronunciado em favor da continência perfeita anterior ao matrimônio.
Haja vista, por exemplo, uma das conclusões do 1o Congresso Brasileiro de Médicos Católicos realizado em Fortaleza, de 1* a 7 julho de 1946:
«A continência masculina até o matrimônio, mesmo quando apreciada exclusivamente sob o ponto de vista endócrino, deve ser praticada, porque dá em resultado maior desenvolvimento da glândula intersticial e daí maior atividade e vigor corporais e psíquicos»
(Atas, pág. 277).
O Congresso de Eugenésia reunido no Rio de Janeiro em 1929, congregando numerosos médicos, juristas, educadores brasileiros e estrangeiros, aprovou unanimemente a seguinte tese: «É preciso ensinar à juventude masculina que não somente a castidade e a continência são possíveis e não são nocivas, mas também que estas virtudes são as mais recomendáveis sob o ponto de vista simplesmente médico e higiênico e que constituem um importante fator eugênico».
Com estas palavras o Congresso de Eugenésia corroborava a conclusão já unanimemente aprovada em 1902 por 150 autoridades médicas (Drs. Gailleton, Landouzy, Lassar, Neisser…) reunidas na Conferência Internacional de Profilaxia Sanitária e Moral em Bruxelas, com a participação de quatorze nações.
Por último, seja citado o depoimento unânime da Conferência Nacional de Defesa contra a Sífilis, reunida no Rio de Janeiro em 1940: «Impõe-se ensinar e divulgar por todas as formas que a prática da continência extraconjugal é o meio mais seguro de profilaxia antivenérea, e não acarreta em nenhum dos dois sexos nem em alguma idade, distúrbios de saúde ou alterações de desenvolvimento físico e intelectual».
Semelhantes testemunhos se poderiam multiplicar. Encontram-se colecionados, por exemplo, na obra de Vilhena 83-87.
1.3. A necessidade da continência perfeita fora do estado matrimonial ainda pode ser ilustrada pela fisiologia comparada ou pelo que se dá na vida dos animais irracionais.
Com efeito, nos irracionais os instintos não se desviaram e podem ser observados na sua pureza primitiva (excetuados casos raros em que a domesticação haja modificado radicalmente a sua conduta de vida). Ora o instinto sexual nos animais irracionais ficou sendo própria e realmente lo instinto da reprodução. Desde que a maturidade dos órgãos sexuais permita a perpetuação da espécie, macho e fêmea se unem, em condições, porém, bem determinadas, fora das quais toda atividade sexual no macho fica suspensa. Sim; em certas épocas do ano, as fêmeas, tornando-se aptas para receber a semente masculina, produzem emanações odoríferas características; assim avisado pelo sentido do olfato, o macho se sente impelido ao ato sexual, que ele não poderia nem evitar nem adaptar a algum fim que não fosse a reprodução (o instinto é «correto» e certeiro). Fora de tais ocasiões, o macho observa perfeita continência sem prejuízo para a sua saúde física ou para a sua capacidade generativa.
Vê-se, pois, que existe nos animais irracionais uma pureza sexual rigorosa, embora inconsciente. Por conseguinte (observam alguns autores), fora de propósito é dizer-se que o homem libertino se torna bestial ou desce ao plano do animal irracional quando se entrega desmedidamente aos prazeres sexuais. Seria, antes, muito para desejar que os indivíduos humanos se norteassem, de maneira consciente, pela pureza de intenções que move os animais inconscientes à cópula sexual.
Estes dados de fisiologia comparada corroboram a conclusão de que no indivíduo humano a continência fora do matrimônio é realmente possível, ou melhor, exigida pelas próprias leis da natureza; vem a ser fator de equilíbrio físico e boa saúde.
1.4. A esta altura, porém, perguntará alguém: se tal é a realidade, como se explica que tantas pessoas julguem o contrário?
Isto se deve a artifícios e preconceitos de uma mentalidade ou de uma moral decadentes.
Com efeito, desde que se desperta o atrativo sexual em nossos jovens, esse atrativo é muitas vezes indevidamente aguçado pelas circunstâncias do ambiente em que vive o adolescente. Tais circunstâncias são:
– a opinião pública ou o errôneo preconceito de que a continência é impossível ou nociva;
– a literatura, o cinema ( a tv) e o teatro pornográficos, que nutrem a obsessão do fruto proibido e a crença de que o vício é necessário;
– as solicitações de companheiros e colegas pervertidos
Tais fatores criam uma mentalidade no jovem e o levam ao desvio moral ou ao vício sexual. Maus hábitos são assim contraídos; a repetição do ato desregrado produz a «necessidade» de o realizar, necessidade que se torna cega ou mesmo obsessiva quando na verdade a função sexual deveria ser facultativa, ou seja, inteiramente sujeita ao alvitre da vontade! O que propriamente mereceria o nome de «aptidão sexual», é então tido como «imperiosa indigência sexual», à qual, dizem, ninguém se pode subtrair, como ninguém se pode furtar à necessidade de comer ou beber, sem detrimento para a saúde. Ora tal comparação é vã: a pretensa necessidade vem a ser mero produto de preconceito ou de mentalidade. A castidade física pode ser perfeitamente observada desde que no respectivo sujeito haja castidade intelectual, ou seja, uma interpretação autêntica dos fenômenos fisiológicos, acompanhada de amor aos verdadeiros bens.
«Uma verdadeira castidade não se poderá cultivar senão na base de conceitos claros e de noções morais que o indivíduo procurará, aprofundar continuamente e que ele aprenderá a estimar»
(Dr. Paul Dubois, professor de neuropatologia na Faculdade de Medicina de Berna, na obra «L’éducation de soi-même. Chasteté», 323).
Está claro que ninguém conseguirá combater eficazmente o mau hábito se não adquirir a consciência de que a pretensa «necessidade» é meramente fictícia, podendo ser debelada mediante reta atitude de ânimo ou mediante firmeza de vontade (à qual jamais faltará a graça de Deus). Caso alguém, talvez vencido pela vergonha, se disponha a reprimir o vício da incontinência, julgando que vai sufocar um ímpeto vital com prejuízo para a sua saúde, cairá naturalmente num estado de exacerbação nervosa ou de neurastenia, acrescentando novo mal ao anterior.
Dito isto, resta-nos ainda a consideração de algumas objeções que se costumam levantar contra o hábito da continência.
2. Três dúvidas…
a) Há quem assevere que a continência produz atrofia da natureza.
«Apócrifo temor», responde o Dr. Max Hühner (Perturbaciones de la Función Sexual en el Hombre y en la Mujer. Filadélfia 1920, 278). O mesmo autor explica:
«É fato comprovado que os órgãos sexuais estão sujeitos a princípios inteiramente diversos dos que governam a maioria dos outros órgãos do corpo. Sua estrutura específica permite-lhes exercer intermitentemente a sua atividade; suas funções podem mesmo ser indefinidamente suspensas sem que isto resulte em detrimento da sua anatomia ou fisiologia.
As glândulas mamárias nos oferecem autêntico testemunho do que digo. Quando a mulher concebe um filho…, suas glândulas mamárias, que durante anos se encontravam em estado latente, subitamente crescem e dispõem-se a segregar leite. Quando termina a lactação, tornam as ditas glândulas a reduzir-se de tamanho e cessa a sua secreção, podendo permanecer inativas durante mais anos, depois dos quais se for novamente fecundada a mulher, voltarão a aumentar e a produzir leite sem dificuldade».
Além disto, note-se que nada é vão ou frustrado na natureza. Ora há períodos na vida conjugal em que o marido é, pela natureza, obrigado a privar-se das relações sexuais com sua esposa: assim, dois meses pelo menos antes do parto. Compreende-se que esta exigência não pode redundar em detrimento da saúde do esposo, nem se pode tornar pretexto para que viole outra norma da natureza, recorrendo à fornicação, ao adultério ou à masturbação. A natureza por si mesma deve garantir a possibilidade de comportamento continente sadio quando é ela mesma que o impõe.
b) Outra fonte de hesitações a propósito da castidade são as frequentes poluções noturnas que, conforme dizem, caracterizam o estado continente.
Em resposta, faz-se mister observar que as poluções noturnas são motivadas por dois fatores: um fisiológico e outro psíquico. Do ponto de vista fisiológico, «elas são perfeitamente normais, contanto que não se deem com demasiada frequência nem sejam acompanhadas de sentimentos de acentuada depressão» (Hühner, ob. cit. 117); o Dr. Hermann Rohleder julga que duas poluções por semana são algo de normal. Explicam-se pelo fato de que a natureza mesma espontaneamente se encarrega de eliminar o excesso de certas secreções glandulares. Tal fenômeno, dentro das proporções assinaladas, não é indício de estado mórbido nem acarreta consequências funestas para o respectivo sujeito.
Quando se tornam excessivamente frequentes, as poluções noturnas em muitos casos se devem a um fator psíquico, ou .seja, à excitação mais ou menos voluntária e anormal da concupiscência; o fato de que alguém se deixe invadir desregradamente por preocupações de ordem sexual terá como consequência óbvia o desencadeamento das funções genitais em estado de inconsciência ou de sono. — Deve-se frisar, porém, que tal desordem é propriamente de índole psíquica; o seu saneamento, portanto, consistirá no exercício de disciplina psíquica (controle dos pensamentos e afetos), e não em desregradas concessões à natureza.
c) Ouve-se outrossim dizer que a continência torna o homem triste, duro, selvagem ou ainda neurastênico e angustiado.
A este rumor respondem grandes médicos e psiquiatras, qualificando-o de preconceito destituído de fundamento real:
«Quanto às perturbações nervosas e psíquicas,… não há observação concludente. Nós mesmos, não só procuramos, durante cinco anos de vida acadêmica à beira dos leitos dos doentes, um só caso de moléstia em que achássemos algo que pudesse ser atribuído à continência e não o encontramos, mas recomendamos a todos os nossos amigos e colegas que no-lo procurassem nos serviços em que trabalhavam e não nos deram relação de um sequer…
Por mais que procurássemos nos trabalhos de psiquiatria, não encontramos coisa alguma que nos fizesse concluir contra a continência.
No nosso Hospital Nacional de Alienados não nos consta, por mais que procurássemos, haver algum demente senil que tivesse sido casto…
Muito ao contrário, segundo as várias observações do Dr. Onofre Infante, o número de alienados em consequência de excessos sexuais é enorme»
(Vilhena, ob. cit. 98-100).
Pode acontecer, sem dúvida, que um indivíduo continente seja, ao mesmo tempo, melancólico ou duro. — Frisar-se-á, porém, que tal estado de alma, longe de ser consequência necessária de sua vida casta, resulta de algum defeito psíquico, que se pode corrigir dentro mesmo da conduta devida continente.
O fator religioso será decisivo no saneamento de tais anomalias psíquicas. Estas muitas vezes se derivam de um conflito moral ou de consciência (que em última análise é conflito religioso), e só mediante solução desse conflito (ou seja, mediante volta a Deus ou à Lei de Deus) poderão ser removidas. Além do mais, o cristão sempre levará em conta o papel imprescindível da graça divina para a reforma dos costumes e a aquisição das virtudes. Em consequência, na sua vida espiritual, o discípulo de Cristo recorrerá à oração; a seguir, utilizará os múltiplos meios de santificação que Cristo oferece aos seus fiéis na Santa Igreja (entre os quais ocupam lugar primacial os sacramentos). A fidelidade ao Senhor será sempre o grande esteio de uma vida humana nobre e reta; o amor a Deus vem a ser a expressão por excelência do instinto de amor que todo ser humano experimenta dentro de si e que tão espontaneamente tende a se atuar na vida sexual; esta será digna e dignificante se for plenamente subordinada ao amor de Deus. «Conhecer a Deus é viver, e servir a Deus é reinar» (Missal Romano, postcomunhão da Missa pela paz).
Recomenda -se outrossim, em vista da conservação da castidade, a disciplina geral dos sentidos e dos prazeres: tanto o jovem como o adulto se acautelarão contra conversas, leituras e divertimentos tendenciosos ou libertinos, os quais, contribuindo para amolecer o ânimo, só fazem diminuir ou solapar o poder de resistência às paixões. Enfim toda essa disciplina será facilitada e corroborada pelo cultivo de certa higiene física: seja a alimentação frugal e sadia; as bebidas e o .fumo, moderados; a educação física e os esportes terão seu lugar em tal regime, principalmente por constituírem ótimo derivativo para a vitalidade que se afirma no jovem e no homem maduro; banho e asseio geral tornam-se indispensáveis; quanto ao sono, será regular, devendo a pessoa evitar ficar ociosamente no leito.
Eis, em linhas gerais, quanto a consciência cristã e a Medicina têm a dizer a respeito da continência, ou seja, a respeito do exercido de uma função sagrada que o Criador incutiu ao homem não para que este tropece moralmente, mas a fim de que se engrandeça e santifique.