Para se entender a resposta, será preciso, antes do mais, observar que os judeus antigos, seguindo, aliás, a praxe dos semitas em geral, não costumavam escrever senão as consoantes de seus vocábulos. As vogais deviam ser mentalmente supridas pelo respectivo leitor, de acordo com os seus conhecimentos gerais da língua hebraica; algumas consoantes (ou semiconsoantes), tidas como «matrizes ou indicadoras da leitura» (matres lectionis), serviam para denunciar a presença dos sons vocálicos.
Pois bem; no ambiente de Israel, o verdadeiro Deus, a pedido de Moisés, se dignou revelar aos homens o nome pelo qual havia de ser invocado (cf. Ex 3,13-17) ; tal nome era assinalado pelas consoantes e semiconsoantes YHWH, às quais o leitor devia mentalmente associar as vogais A e E assim distribuídas: YAHWEH. Destarte se explica a forma JAVÉ, hoje em dia comumente adotada quando se transcreve o santo nome de Deus (ou o tetragrama sagrado) para as línguas modernas.
Os antigos gregos, ao fazer a transcrição para o grego, usavam uma das seguintes fórmulas: Jabé, Jaoué, Jauai. Estas corroboram a tese de que a pronúncia dos antigos judeus era JAVÉ.
Os exegetas propõem mais de uma interpretação possível para o nome Yahweh. Não discutiremos aqui as diversas sentenças, mas apenas mencionaremos a mais provável: Yahweh parece significar «Eu sou Aquele que é», em contraste com as criaturas, que são e não são…; Deus se terá destarte apresentado como o Imutável, em particular como Aquele que é fiel às suas promessas.
Tal era a reverência tributada pelos israelitas ao nome divino que o tinham na conta de «Nome por excelência, Nome único, Nome glorioso e terrível, Nome oculto e misterioso». Temendo profaná-lo por uso indevido, evitavam mesmo pronunciá-lo, a ponto de se tornar proibido, depois do exílio (séc. VI), proferir o nome de Deus. Não há dúvida de que esta proibição estava em vigor no início da era cristã, pois o historiador judeu Flávio José, ao contar a revelação feita a Moisés, julgava não lhe ser lícito transcrever o nome do Senhor (cf. Ant. jud. II XII 4). Este então foi sendo considerado como «Nome que se escreve, mas não se lê».
Os rabinos medievais quiseram justificar tal veto. interpretando em sentido rigorista os seguintes dizeres do Levítico: «Aquele que amaldiçoar (noqed) o nome de Javé, será punido com a morte» (Lev 24,16). O verbo naqad, aqui ocorrente, podia significar outrossim «assinalar mediante pontos, designar distintamente».
A quanto se pode depreender do Talmud (coleção de sentenças dos rabinos anteriores e posteriores a Cristo), o santo nome de Javé só era proferido pelo Sumo Sacerdote de Israel quando entrava no «Santo dos Santos» do Templo no dia solene da Expiação anual, ou pelos demais sacerdotes que abençoassem o povo no santuário, de acordo com Núm 6,23-27; mesmo em tais casos, porém, parece que era pronunciado em tom de voz muito baixa. Um autor do séc. XVII, orientalista holandês, Johannes Leusden, diz ter oferecido a um judeu pobre de Amsterdam elevadas quantias de dinheiro para que este proferisse o nome inefável; em vão, porém. Os exegetas creem mesmo que alguns judeus antigos e modernos não sabiam mesmo como se pronunciava o tetragrama sagrado, por não terem ocasião de o ouvir.
Os escrúpulos israelitas que acabamos de referir, deram ocasião a que na tradição judaica, provàvelmente a partir do séc. IV a.C., se introduzisse o costume de proferir «Adonai» (Meu Senhor) todas as vezes que se visse escrito o tetragrama JHWH.
Ora aconteceu que no séc. VI d. C. os rabinos ditos «Massoretas» (coletores de tradições), visando preservar de corrupção o texto bíblico, para isto, recorreram a um sistema de pontos e traços (símbolos das vogais) a ser colocados abaixo, dentro ou acima das consoantes. Destarte se removeria a possibilidade de muitas dúvidas e inovações na leitura da Bíblia Sagrada.
A tradição judaica, porém, permaneceu fiel ao princípio de que o nome de Deus é inefável. Consequentemente, os mestres de Israel tomaram as vogais A (= E) O A do apelativo AdOnAy, e as puseram entre as consoantes do tetragrama sagrado ; donde se formou o novo titulo JEHOWAH.
Para quem conhece a língua hebraica, é claro que o primeiro A de Adonay só se explica pela presença da gutural aleph (‘) desta palavra. Este A é propriamente um «sheva» ou um E mudo, e toma tal valor em JEHOWAH, onde já não figura ao lado da gutural aleph. Quanto ao iod final (Y) de Adonay, não é vogal, mas semiconsoante.
Note-se que no início da Idade Média a pronúncia do tetragrama munido das vogais E O A continuava a ser simplesmente ADONAY. Pergunta-se então: em que época precisa se terá adotado a pronúncia Jeová, resultante direta do grupo de consoantes e vogais escritas?
Tal modo de pronunciar é pela primeira vez atestado por Raimundo Martini, autor da obra «Pugio fidei» no ano de 1270; parece, porém, que já estava em uso nas escolas rabínicas anteriores. Só foi adotado pelos cristãos no séc. XVI; principalmente os protestantes, tendo à frente o calvinista Teodoro Beza de Genebra, lhe deram voga.
É fato que os judeus antigos nunca pronunciaram Jeová; nunca portanto o povo a quem o Senhor outrora dirigia a sua palavra se disse «testemunha de Jeová», nem mesmo após as solenes proclamações de Isaias 43,10 e 44,8: «Vós sois minhas testemunhas, diz o Senhor, e meus servos, que escolhi»; «Sois testemunhas minhas ; haverá outro Deus fora de Mim?». O povo a quem estas palavras imediatamente se dirigiam, ter-se-ia intitulado: testemunha de Adonai.