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Fontes primárias
1. Textos de títulos idênticos no site do Opus Dei;
2. §§946 – 1065 do Catecismo da Igreja Católica.
Na última aula, vimos o porquê a Igreja existe e qual a sua origem. Tendo sido desejada pelo Pai, sendo o Corpo de Cristo e sob a guia do Espírito Santo, Ela é tanto humana quanto divina, tanto instituição quanto realidade espiritual; Ela que permite, realizando a obra de Cristo, que os homens cheguem a Deus.
Hoje veremos um último aspecto da Igreja, já pincelado na aula passada, que é a comunhão de todos os santos que existe nela. Veremos também remissão dos pecados realizada por Cristo por meio da Igreja (tema que será detalhado ao falarmos dos sacramentos), a promessa de ressurreição da carne e de vida eterna. Com isso terminaremos a primeira parte do catecismo.
Artigo 9º: “na comunhão dos santos”
§1. Deus, infinitamente perfeito e bem-aventurado em Si mesmo, num desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para o tornar participante da sua vida bem-aventurada.” Eis por que, desde sempre e em todo lugar, está perto do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-Lo, a conhecê-Lo e a amá-Lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade da sua família, a Igreja. Faz isto por meio do Filho, que enviou como Redentor e Salvador, quando os tempos se cumpriram. N’Ele e por Ele, chama os homens a se tornarem, no Espírito Santo, seus filhos adotivos e, portanto, os herdeiros da sua vida bem-aventurada.
§2. A fim de que este chamado ressoe pela terra inteira, Cristo enviou os Apóstolos que escolhera, dando-lhes o mandato de anunciar o Evangelho: ‘Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações, e batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-lhes a observar tudo o que vos tenho ordenado. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos’ (Mt 28, 19-20). Fortalecidos com esta missão, os apóstolos ‘foram anunciar a Boa Nova por toda a parte. O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra pelos sinais que a acompanhavam’ (Mc 16, 20).
§3. Os que, com a ajuda de Deus, acolheram o chamado de Cristo e lhe responderam livremente foram, por sua vez, impulsionados pelo amor de Cristo a anunciar, por todas as partes do mundo, a Boa Notícia. Este tesouro recebido dos Apóstolos foi guardado fielmente por seus sucessores. Todos os fiéis de Cristo são chamados a transmiti-lo de geração em geração, anunciando a fé, a vivendo na partilha fraterna e a celebrando na liturgia e na oração.
Se a Igreja é o Corpo de Cristo, se é humana e divina, isso quer dizer que ela não existe apenas na realidade temporal, pois Cristo não existe apenas nela. Existe, também, na eternidade. E, se ela é também a mediadora entre a temporalidade e a eternidade, existe no caminho que leva daquela para essa. Existe, portanto, no caminho terreno e espiritual que leva os homens à visão de Deus.
É desse modo que podemos compreender como a Igreja se divide em militante, padecente ou penitente e triunfante. Ela existe aqui, no caminho terreno, no purgatório, a parte exclusivamente espiritual do caminho, e na eternidade, o ponto de chegada. Como Cristo, Ela é Caminho de Verdade que leva à Vida.
A tripartição da Igreja, portanto, não é uma formulação arbitrária. Está intimamente ligada ao modo próprio de existência dela. E serve para revelar a unidade espiritual e institucional de todos os santos conosco, que ainda estamos trilhando o caminho terreno, e com as almas que estão no purgatório, aguardando para ver a Deus.
É essa união de todos os santos na Igreja que permite, por exemplo, que os Santos, que já estão junto de Deus, intercedam por nós. Lá, fazendo parte da Igreja, também cumprem o papel de Cristo, o papel de mediador – não por virtude própria. É o que permite, também, que nós rezemos aqui uns pelos outros e pelas almas do purgatório; que ofereçamos nossos atos em sacrifício uns pelos outros; que a missa seja celebrada pelos sacerdotes e que nós, tomando parte nela, participemos do sacrifício de Cristo.
A comunhão dos santos na Igreja revela o grau de participação na natureza divina que o homem pode atingir.
Mais do que todos, quem revela na sua própria vida o grau de comunhão que pode ser alcançado pela cooperação com graça nesta vida é Nossa Senhora. Nela a plenitude da vida se mostrou, tanto quanto possível, já no caminho terreno. Que peçamos a sua intercessão é consequência da realidade da comunhão dos santos, que a tem como maior dentre os homens, abaixo apenas de Deus, e principal caminho para Cristo. Mais uma vez, não por virtude própria, mas por participar sumamente da natureza divina.
Maria é, dada sua participação suma, seu lugar na revelação e sua vida, imagem da Igreja. Assim como ela deu vida a Cristo, a Igreja dá luz aos cristãos. As graças que lhe foram concedidas por Deus são garantias das graças que são e serão dadas a nós, caso escolhamos viver como Nossa Senhora.
Com isso terminamos o 9º artigo do Credo.
Artigo 10: “na remissão dos pecados”
O 10º artigo do Credo trata da remissão dos pecados. Esse ponto da fé será explicado em detalhes tanto na segunda parte do Catecismo, quando falarmos do Batismo e da Penitência, quanto na terceira parte, quando falarmos dos atos humanos, da vida moral.
Aqui quero ressaltar apenas um ponto: que a Igreja, e só a Igreja, recebeu de Deus o poder de perdoar os pecados. É o poder das chaves dado por Cristo a São Pedro e aos Apóstolos. Poder dado de maneira explícita e inconfundível.
Jesus, então, lhe disse: “Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. 18. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. 19. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”.
São Mateus, 16, 17-19
Esse poder, como dito na última aula, não se reduz à pregação do Evangelho, mas inclui o perdão dos pecados, a própria salvação, que é levada pela Igreja por meio dos sacramentos. Isso é fundamental. Doutro modo, aquilo que é próprio da Igreja se perde, pois qualquer um pode – correta ou incorretamente – pregar o Evangelho, como já acontecia na própria época de Cristo.
Ela, porém, é quem pode administrar os sacramentos de maneira ordinária, perdoando os pecados e ordenando todas as realidades humanas a Deus.
Artigo 11: “na ressurreição da carne”
Por que o homem foi criado como uma alma encarnada, e não como pura alma ou como puro corpo? Não há uma resposta exata para isso. O fato é que fomos criados assim.
Se essa é a natureza humana, não podemos pensar que existe homem quando a alma está separada do corpo. As partes, uma sem a outra, não são um homem. É necessário que estejam unidas para que o homem exista. Quando Cristo se encarnou, como vimos, ele não apenas tomou a forma externa de homem.
Cristo não era Deus com aparência de homem, um espírito divino que preenchia um involucro de carne, ou um homem que foi grandemente iluminado por Deus. Cristo era tanto homem quanto Deus. Tinha, portanto, corpo e alma. Sua natureza humana não era incompleta. Por isso, quando ressuscitou, dotou de vida e glorificou o próprio corpo – e assim sabemos por causa de São Tomé.
Com essa visão que a Igreja afirma que a ressurreição na carne é uma realidade de fé. Cristo, tendo ressuscitado, tornou-se o primeiro dentre os mortos, no sentido de que foi o primeiro que, tendo morrido, ressuscitou para um corpo glorioso. Foi o único que venceu a morte, a última inimiga do homem.
Sendo o homem constituído de corpo e alma, a promessa de salvação não poderia ser apenas espiritual. Para que a natureza humana seja redimida, é necessário que o seja completamente. A morte e ressurreição de Cristo, que realizam essa redenção, demonstram o que acontecerá a todos os homens que perseverarem até o fim (§992).
A ressurreição, porém, não é apenas uma consequência racional depreendida de certos fatos. Ela foi revelada por Cristo explicitamente e já era conhecida de algum modo na antiguidade. Revelada, como dito, na sua própria vida, mas também pelo que disse e fez: Cristo declarou explicitamente no sermão de João 6 que quem crer nele, comer e beber sua carne e seu sangue, ressuscitará no último dia (§994) e ressuscitou alguns mortos na sua vida, como o filho morto à porta da cidade e seu amigo Lázaro. A crença na ressurreição, portanto, é constitutiva da fé Cristã (§991).
Mas não apenas para a salvação a ressurreição foi revelada. Os que viveram desprezando Cristo também ressuscitarão, mas para a condenação. Portanto, o que essa verdade da fé revela é que a morte é uma inimiga relativa da vida humana. Ela é, de fato, uma consolidação daquilo que o homem escolheu.
Na medida em que fecha ao homem a possibilidade de mudar seu destino, abre a ele aquilo que sempre buscou. Quem sempre buscou os próprios prazeres, desprezando a Deus, viverá a eternidade longe de Deus, no estado de sofrimento que é característico da vida longe do próprio Ser. Quem viveu buscando a Deus, o encontrará. Portanto, cada um receberá aquilo que sempre buscou. De certo modo, podemos dizer que cada homem, ao escolher cooperar ou não com a graça, escolheu seu próprio destino.
Viver para morrer, morrer para viver: esse é um dos aparentes paradoxos da fé cristã.
Artigo 12: “na vida eterna”
A vida eterna é a promessa de encontrar a Deus face a face.
O sentido da vida humana é amar e conhecer a Deus. A história da salvação, ou a história sagrada, é o relato de como o homem perdeu a graça e de como Deus agiu para preparar a humanidade para a vinda do redentor, para redimir e para propagar essa redenção até os confins da terra e até o final dos tempos.
A história sagrada é a história da queda e da redenção. De como a graça de Deus, a cada momento, elevou a natureza humana até que, com a Santa Virgem, em menor medida, e com Cristo, ela chegou a seu estado de perfeição. Perfeição que, desde então, é prometida a todos os que escolherem cooperar com a graça, morrer para si e para o mundo e viver para Cristo.
Quem assim viver, pode confiar que Deus manterá sua palavra e dará ao homem a perfeição. Corpo e alma sem a mácula do pecado. A completa atualização de todas as potências e faculdades humanas. Comunhão inabalável com todos os homens e, ainda, comunhão e participação perfeitas com e no próprio Deus.
O 12º artigo do Credo nos informa que essa visão é objeto de fé. Que não é mero desejo humano, mas é revelação. Que o homem realmente verá a Deus na eternidade. O tema da vida eterna e das últimas coisas é o que se chama de Escatologia. É o estudo do eschaton, do último.
O purgatório, o inferno, o juízo particular, o juízo universal, a beatitude e a Nova Jerusalém são os tópicos principais desse campo da teologia. O próprio catecismo não entra em grandes detalhes sobre eles. Nós, aqui, também não entraremos, infelizmente.
Importa, porém, saber que cada uma dessas realidades foi revelada. Todas estão prefiguradas de algum modo na vida humana, mas elas não se reduzem a analogias. São realidades conhecidas pela revelação e que, uma vez aceitas, informam nossa vida.
O que veremos nas próximas aulas depende dessas verdades. Os sacramentos, a vida moral e a oração são realidades que se ordenam à salvação da alma no último dia.
Prof. Rafael Cronje Mateus
Dada no Centro Cultural Alvorada, no dia 30 de junho de 2021.
Esclareceu muitos pontos. Obrigado!