É possível ter certeza da Salvação Eterna?

Desenvolvendo a resposta às questões acima, consideraremos sucessivamente: 1) em que consiste a perseverança final; 2) a maneira de obter esta graça e 3) os motivos de confiança do cristão perante o mistério da salvação eterna.

1. Em que consiste a perseverança final

1.1. Em estrita linguagem teológica, diz-se que a perseverança final é o dom resultante da ocorrência simultânea de dois favores especiais do Senhor:

a) o estado de graça, em que o justo possui a vida sobrenatural e o conjunto de dons (virtudes infusas, dons do Espírito Santo) que ornamentam a alma em tal situação;

b) a coincidência da hora da morte com a posse do estado de graça — o que equivale ao dom de boa e santa morte.

Não há dúvida, para que o homem encerre sua peregrinação terrestre precisamente num instante em que sua alma esteja voltada para Deus, requer-se especial disposição da Providência, pois só esta domina soberanamente os termos da vida e da morte. É precisamente na simultaneidade do instante da morte com o estado de graça que consiste a graça da perseverança final.

Os dois elementos acima assinalados são evidentemente dons ou favores do Senhor, já que o livre arbítrio humano, falível como é, não tem em si o poder de permanecer ou de se imobilizar no bem, muito menos tem o poder de se imobilizar no bem em certo momento de sua existência, como é o momento da morte (momento cuja escolha ou determinação escapa totalmente ao nosso alcance).

Por isto o Concilio de Trento fala do «grande dom da perseverança final» (Denzinger, Enchiridion 726); é dom do qual, em última análise, depende toda a salvação eterna do homem (cf. Mt 10,22: «Aquele que perseverar até o fim, será salvo»); por isto deve ser atribuído a especial benevolência do Criador para com a criatura.

1.2. As páginas bíblicas, em mais de uma passagem, inculcam a soberania de Deus no tocante à salvação humana; esta, de modo geral, deve ser tida como gratuito dom do Altíssimo. É o que S. Paulo ensina com muita ênfase:

«Não somos capazes de atribuir a nós o que quer que seja, como se proviesse de nós mesmos, mas é de Deus que vem a nossa aptidão» (2 Cor 3,5).

«Que é que te distingue? Que é que possuis que não tenhas recebido?» (1 Cor 4,7).

Aliás, o próprio Cristo afirmou:

«Sem Mim nada podeis fazer» (Jo 15,5);

«Ninguém vem a Mim, se o Pai não o atrai» (Jo 6,44).

Explicitamente, a perseverança final é atribuída à soberana graça de Deus no seguinte texto de São Paulo:

«Rendo graças a meu Deus todas as vezes que me lembro de vós… convicto que de Aquele que iniciou em vós a boa obra prosseguirá no seu aperfeiçoamento até o dia do Cristo Jesus» (Flp 1,3.6).

… ou ainda nos dizeres de São Pedro:

«O Deus de toda a graça, que por Cristo vos chamou à sua eterna glória, vos aperfeiçoará, vos dará firmeza e vigor, tornando-vos inabaláveis» (1 Pdr 4,10).

No Antigo Testamento, o livro da Sabedoria mostra a Providência Divina a fazer coincidir a hora da morte com o estado de inocência do homem justo:

«Deus transferiu o justo do meio dos pecadores, onde vivia. Foi arrebatado para que a malícia não lhe corrompesse o modo de pensar, nem a astúcia lhe pervertesse a alma… Sua alma era agradável ao Senhor; e é por isto que Ele sem demora o retirou do meio da perversidade» (Sab 4,10s. 14).

1.3. Por sua vez, os concílios no decorrer da história da Igreja ensinaram tal doutrina.

Assim o sínodo de Orange (Gália) em 529 inculcava que «os cristãos batizados e os santos deverão sempre implorar o auxílio de Deus, para que possam chegar a santo desenlace e perseverar na prática do bem» (Denzinger 183).

Mais tarde, o Concilio de Trento (1545-1563) declarou solenemente:

«O grande dom da perseverança final não pode provir senão d’Aquele que é poderoso para corroborar quem está em pé, a fim de que persevere, e… poderoso para reerguer aquele que cai» (Denzinger 832).

«Se, exceto em caso de especial revelação divina, alguém com absoluta e infalível segurança asseverar que certamente possuirá o grande dom da perseverança final, seja tido como herege» (Denzinger 826).

«Ninguém pode com absoluta certeza prometer a si mesmo o que quer que seja, embora todos devam colocar firmíssima esperança no auxílio divino. Com efeito, se a criatura humana não se furta à graça, Deus leva a bom termo a obra que Ele começou, produzindo no homem tanto o querer como o realizar» (Denzinger 806; cf. Flp 2,13).

Como se vê, o Concilio acentua bem duas verdades capitais, que, embora pareçam antagônicas, se completam mutuamente: de um lado, ninguém pode ter certeza absoluta de que perseverará no bem até o fim de sua vida, pois a adesão ao bem e a coincidência desta com a hora da morte são independentes da vontade e do esforço humanos; ninguém pode garantir para si bom êxito no combate travado contra a carne, o mundo e o demônio. De outro lado, a incerteza assim gerada é cheia de confiança e esperança, pois o Senhor não recusa a nenhum justo sincero o auxílio oportuno; não deixa inacabada a obra que Ele iniciou na sua criatura (e o sinal de que iniciou sua obra, é o próprio desejo sincero que a criatura humana tenha, de perseverar no bem).

Já estas proposições nos incutem a consciência de estarmos focalizando um dos mais insondáveis, mas certamente grandiosos, desígnios da Sabedoria Divina. Contudo, não será ilícito perguntar:

2. Como se poderia obter a graça da perseverança final?

Em duas sentenças se resume a resposta:

1) O dom da perseverança final não pode ser merecido (ou obtido por merecimento).

Por mérito entende-se a recompensa que Deus dá a alguma boa obra do homem ou a título de justiça (tal é o mérito dito «de condigno») ou a título de caridade, isto é, levando em conta os direitos da amizade que existe entre o Senhor e a alma justa (tal é o mérito dito «de côngruo»).

Pois bem; os teólogos afirmam que a perseverança final não pode, a título algum, ser obtida por mérito. É o que se depreende do seguinte raciocínio:

O dom da perseverança final não é senão o estado de graça conservado ou restaurado no momento da morte.

Ora o estado de graça vem a ser o princípio mesmo de todo e qualquer mérito; vem a ser a condição indispensável para que se possa adquirir algum mérito, pois é a graça que eleva a alma à ordem sobrenatural, habilitando-a a agir no plano da recompensa eterna.

Em outros termos: toda recompensa que o homem possa obter de Deus é de ordem sobrenatural; ora somente a graça coloca o homem na ordem sobrenatural ou à altura de adquirir algum título (ou mérito) na linha sobrenatural.

Está claro, porém, que o princípio ou a condição prévia de qualquer mérito não pode ser simultaneamente objeto adquirido por mérito; a raiz do mérito não pode ser merecida; em caso contrário, ter-se-ia um círculo vicioso. Donde se vê que a posse do estado de graça e, em particular, do estado de graça na hora da morte (= dom da perseverança final) jamais pode ser conquistada por mérito, mas há de ser dom totalmente gratuito da parte de Deus.

Isto equivale a dizer que é a Misericórdia, e não a Justiça de Deus, que coloca o homem em estado de graça e que o conserva neste estado (a conservação não é senão uma criação continuada ou «o ato inicial de colocar em estado de graça» continuado ou prolongado). E, a sua Misericórdia, Deus a exerce para com todo justo que a aceite ou que não lhe ponha obstáculo; Ele só não a exerce (permitindo então que se atue simplesmente a Justiça) no caso em que a criatura a recuse ou lhe resista.

É essa dualidade de procedimento divino que se observa na cena dos dois ladrões crucificados com Cristo: a um, que se mostrou de ânimo bem disposto, embora não tivesse mérito algum, o Senhor outorgou o dom de uma santa morte ou da morte em estado de graça, ao passo que não se pode com certeza dizer o mesmo a respeito do outro malfeitor, que ainda nos últimos instantes de vida blasfemava contra Deus (contudo ninguém ousará afirmar que o mau ladrão haja incorrido na condenação eterna; pode-se ter finalmente arrependido em seu íntimo). — Sobre o valor da fé e das obras na justificação, veja a resposta no 6 deste fascículo.

De resto, o concilio regional de Quierzy (França) em 853 inculcava claramente:

«Deus todo-poderoso quer que todos os homens sem exceção se salvem (cf. 2 Tim 2,4), embora nem todos o consigam. O fato de que certo número deles obtém a salvação, deve-se ao dom do Salvador; quanto à perda dos outros, seja ela atribuída à culpa dos mesmos» (Denzinger 318).

2) O dom da perseverança final pode ser obtido pela oração.

É precisamente a oração o recurso que o homem tem para se dirigir à Misericórdia de Deus (ao passo que o mérito se dirige à Justiça Divina).

Não há dúvida de que pela oração os homens podem conseguir graças que eles não obtêm por mérito. Tal é o caso, por exemplo, do pecador que, orando, pode alcançar do Senhor o dom da conversão ou a graça santificante, graça que certamente ele não obtém por mérito, pois tal graça vem a ser o princípio ou a raiz de qualquer mérito. — Ora o mesmo se dá com o dom da boa morte ou da perseverança final.

Disto se depreende a necessidade que a todos os fiéis incumbe, de pedir a Deus uma santa morte; não a pedir constituiria a mais funesta das negligências, ou a negligência da salvação eterna. Eis também porque frequentemente a Igreja coloca nos lábios de seus filhos a prece: «Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte». Tendo em vista o fato de que toda oração feita em nome de Cristo, ou seja, em demanda dos bens da Redenção, jamais é vã (de acordo com a promessa do próprio Jesus em Jo 16,23s), muitos teólogos julgam provável a sentença segundo a qual o dom da perseverança final pode, com sucesso infalível, ser obtido mediante a oração.

São Tomás se compraz em enumerar quatro condições que hão de ser preenchidas para que se possa atribuir plena eficácia à oração: «…reze o orante por si (em seu favor), pedindo bens necessários à salvação, de maneira piedosa e perseverante» (Suma Teológica II/II 83,15 ad 2).

A primeira condição talvez cause estranheza: reze o orante em seu próprio favor… A cláusula se explica pelo fato de que, quando rezamos por outrem, talvez estejamos intercedendo por alguém cujo coração se ache voluntariamente obstinado no pecado, resistindo, portanto, à graça de Deus; em tal caso, é claro que a nossa oração pode ser frustrada, pois Deus não costuma conceder seus dons a quem não os queira receber. Ao contrário, quando rezamos por nós mesmos, é de supor estejamos sinceramente desejosos de receber a graça do Senhor.

A cláusula «rezar com perseverança» também merece especial atenção. Assim como não é fácil à criatura persistir no cumprimento do bem, também não lhe é fácil persistir na prática da oração. Em vista disto, recomendam os autores, estimemos com particular afinco a graça de perseverar na prece; peçamos ao Senhor, não nos deixe sucumbir à tentação de não orar; livre-nos do mal de perder o prazer de rezar, fazendo-nos, antes, atravessar vitoriosamente as fases de aridez e cansaço que não raro acometem as almas de oração.

3. Os motivos de imperturbada confiança

Na incerteza em que todo homem se acha perante o mistério da salvação eterna, o cristão vive muito alegre e sereno (basta recordar, por exemplo, a figura otimista e ardorosa de São Paulo refletida nas epístolas do grande Apóstolo).

Três são os pontos aptos a suscitar, no discípulo de Cristo, profunda e tranquila confiança frente aos arcanos da perseverança final.

1) O primeiro desses pontos é — paradoxalmente — o fato mesmo de que a nossa persistência no bem está baseada não no poder e na sabedoria do homem, mas, sim, na transcendente e soberana munificência de Deus. O fato de que tudo depende do Senhor, por muito aterrador que pareça à primeira vista, vem a ser justamente a maior fonte de paz e alegria para o cristão; com efeito, este sabe que a misteriosa Liberalidade de Deus é sempre movida por bondade e amor, nunca por espírito de prepotência ou tirania. Se Deus quer dar e pode dar (como de fato acontece), certamente dará, e dará com muito mais eficácia e abundância do que a criatura daria a si mesma — desde, porém, que se verifique da parte do homem uma condição indispensável: não oponha resistência à graça, seja dócil à ação divina em sua alma. Seja lícito repetir: por depender da Liberalidade divina, a salvação do homem está muito mais garantida do que se dependesse direta e exclusivamente da sabedoria da criatura.

Escrevendo a uma pessoa assaltada por preocupações concernentes à salvação eterna, o famoso bispo e pregador Bossuet (+1704) recomendava:

«Essas preocupações, quando vêm ao espírito, provocando da nossa parte vãos esforços para as dissipar, devem induzir-nos finalmente a um abandono total de nós mesmos a Deus, abandono tranquilo porque nossa salvação está infinitamente melhor nas mãos de Deus do que em nossas próprias mãos; é nesta atitude, e nesta só, que encontramos a paz. É a tal abandono que nos devem provocar toda a doutrina da predestinação, assim como os desígnios misteriosos do Soberano Senhor, desígnios que é preciso adorar sem os pretender perscrutar. É mister que nos percamos nesse abismo e nessa profundidade impenetráveis da Sabedoria de Deus; é necessário que nos lancemos irrestritamente dentro da sua imensa Bondade, esperando tudo de Deus, sem, porém, nos dispensarmos dos esforços para nos salvar que o Senhor exige de nós… O desfecho de vossas preocupações deve ser o abandono a Deus, que destarte está obrigado, por sua bondade e suas promessas, a vigiar por vós» (Cartas de direção, nas Obras completas de Bossuet. Paris 1846 XI 444).

O mesmo autor, em suas «Meditações sobre o Evangelho» II parte, 72 dia, pondera o seguinte:

«O homem soberbo teme que a sua salvação se torne demasiado incerta, caso não a possua em suas mãos; engana-se, porém. Poderia eu ter segurança em mim mesmo? Meu Deus, sinto que minha vontade me escapa a todo momento; se me quisésseis constituir único senhor da minha sorte, eu recusaria faculdade tão perigosa para a minha fraqueza. Não me digam, portanto, que a doutrina da graça e da livre escolha divina leva as almas boas ao desespero. Julgam os homens que mais me tranquilizarão se me fizerem apoiar-me em mim mesmo e se me entregarem à minha inconstância? Não, meu Deus; não consinto nisso. Não posso encontrar segurança senão abandonando-me a Vós. E tanto maior é a minha paz quanto mais vejo que aqueles a quem dais a confiança de se abandonarem totalmente a vós, recebem … os melhores sinais de vossa Bondade que se possam ter sobre a terra».

Por conseguinte, entrega confiante a Deus; eis a única atitude que o cristão possa e deva tomar após verificar que a sua salvação depende primariamente da benevolência do Pai Celeste.

2) O segundo motivo de confiança frente ao mistério da salvação é a eficácia mesma da oração, de que tratávamos atrás. O Senhor insistentemente exortou os discípulos a pedir «em nome de Cristo», ou seja, a pedir os bens necessários à vida eterna, prometendo atender benevolamente (cf. Jo 16,23s).

Está claro que a oração sincera é geralmente acompanhada de conduta de vida virtuosa, e, vice-versa, a vida virtuosa está intimamente associada à prática da oração. É o que leva os teólogos a afirmar que de modo geral o exercício assíduo das boas obras é sinal de perseverança final na graça (não em vão se costuma dizer que «cada pessoa morre como viveu»).

Em particular, os autores indicam os seguintes característicos como sinais de perseverança final no bem:

  • A delicadeza de consciência, que leva o cristão a não condescender com pecado algum, ainda que pareça leve. Cf. 1 Jo 3,21: «Caríssimos, se nosso coração não nos condena, temos plena segurança diante de Deus»;
  • O espírito de oração e meditação. Cf. Eclo 7.40: «Em tudo que fizeres, recorda-te do teu fim, e jamais pecarás»;
  • Verdadeira humildade, a qual é o melhor penhor da obtenção da graça e da conservação das virtudes. Cf. Tg 4,6: «Deus resiste aos soberbos, e dá a graça aos humildes»;
  • Paciência serena nas adversidades. Cf. Rom 8,17: «Sofremos com Cristo para ser glorificados com Ele»; 2 Tim 2,12: «Se sustentarmos com Cristo, com Ele reinaremos»;
  • Caridade operosa em favor do próximo e frequente exercício das obras de misericórdia espirituais e corporais. Cf. Tg 5,20: «Aquele que do erro converte um pecador, salvará da morte a sua própria alma. e cobrirá uma multidão de pecados» (cf. também Tob 4,11);
  • Devoção sincera a Cristo Redentor, à S. Eucaristia, à Paixão do Senhor, à Ssma. Virgem, refúgio dos pecadores, à Santa Igreja, dispensadora da graça e da verdade.

3) Referem-se revelações, de caráter particular, que prometem a graça da perseverança final a quem pratique tais ou tais obras boas; seriam, por exemplo, a promessa do S. Coração de Jesus em favor de quem receba a S. Comunhão na primeira sexta-feira de nove meses consecutivos, a promessa da Virgem Santíssima em favor dos devotos do escapulário do Carmo, a promessa de Fátima (1).

(1) Aqui se segue, conforme o depoimento de Lúcia, o teor da mensagem que Maria Santíssima terá dirigido a esta vidente em Fátima:

“Tu, ao menos, procura consolar-mc, e dize que prometo assistir na hora da morte, com todas as graças necessárias à salvação, a todos os que, no primeiro sábado de cinco meses seguidos, se confessarem, receberem a Sagrada Comunhão, rezarem um terço e me fizerem companhia durante quinze minutos, meditando os mistérios do rosário, com o fim de me desagravarem».

Note-se, porém, que estas e outras promessas (as quais não constituem matéria de fé obrigatória) não devem ser tidas como «passaportes» para a eternidade. A eficácia de tais promessas está condicionada ao cumprimento das demais condições impostas a todos os homens para que alcancem a vida eterna (observância dos preceitos de Deus e da Igreja, esforço em prol das virtudes…); as promessas mencionadas desempenham primariamente o papel de fomentar as práticas de virtude ou de devoção para com a S. Eucaristia ou para com a Ssma. Virgem, … práticas que, como se dizia atrás, são geralmente consideradas penhores de perseverança final no bem.

São Roberto Belarmino (+1621) propõe no texto abaixo os princípios que servem para se interpretar qualquer promessa de salvação anexa a alguma obra particular:

«Muitas vezes a S. Escritura atribui a alguma prática de piedade o poder de justificar as almas ou mesmo de lhes assegurar a salvação. Isto não quer dizer que tais práticas por si mesmas possam justificar e salvar, mas apenas que possuema eficácia de contribuir para a justificação e a vida eterna, contanto que sejam associadas a outros meios de salvação, como a , o estado de graça, a observância dos mandamentos» (De paenitentia 1. II c. VII);

Entendidas dentro deste quadro doutrinário, pode-se reconhecer verdadeiro valor às práticas de devoção recomendadas por revelações particulares feitas a tais e tais santos no decorrer da história.

Em se tratando de motivos de confiança cristã, pode-se por fim mencionar, a titulo de ilustração, uma sentença propalada principalmente por teólogos modernos: julgam, sim, que na hora da morte o Senhor ilumina a mente de toda e qualquer criatura humana, a fim de que conceba clara idéia de Deus e consequentemente opte, com pleno conhecimento de causa, por ou contra o Senhor Deus; a clarividência assim outorgada, acrescentam, poderia mesmo ser tal que provoque necessariamente a conversão do pecador para Deus.

O primeiro esboço de tal hipótese parece ter sido proposto no século XIV:

«Todo ser humano, adulto ou não, Sarraceno, Judeu ou pagão, mesmo que morra no seio materno, recebe, antes da morte, a clara visão de Deus; sob esta visão conserva a liberdade de se converter ao Senhor ou de se afastar d’Ele; caso se volte para Deus, salva-se; na hipótese contrária, condena-se».

A proposição assim concebida foi condenada em 1368 por Simão Langham, arcebispo de Cantuária (este pronunciamento porém, não significava condenação da tese por parte do magistério infalível da S. Igreja).

No séc. XIX o teólogo alemão Klee formulou semelhante hipótese para o caso das crianças que morram sem batismo: Deus as iluminaria na hora da morte, de modo a poderem conceber ao menos o desejo do batismo (Katholische Dogmatik III. Mogúncia 1835, 119). A sentença foi repetida com ligeiras inovações por Karl-Maria Mayrhofer em 1851 e por Laurent em 1879. Dom Démaret incluiu na sentença o caso mesmo dos adultos (cf. «Les morts peu rassurantes, motifs d’espérance et de prière». Montligeon 1923).

Sob qualquer das suas modalidades, tal sentença se apresenta pouco verossímil. Não somente não se lhe pode apontar fundamento na Escritura Sagrada ou na tradição oral, mas ao contrário parece pouco condizente com as palavras de Cristo e dos Apóstolos que exortam os discípulos à vigilância continua a fim de não incorrerem em ruína eterna; cf. Mt 24,42.44 ; 25,13; Lc 12,39s; 21,34; 1 Tes 5,2.6; 2 Pdr 3,14; Apc 3,3; 16,15.

De resto, a confiança do cristão na Providência Divina é suficientemente firme para que se possa dispensar de pedir apoio a doutrinas novas e pouco seguras.

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