Em primeiro lugar, recordaremos os princípios da Moral cristã referentes à limitação da natalidade e ao aborto em geral. A seguir, examinaremos o caso particular suscitado pelo sangue Rh, a fim de averiguar como pode ser enquadrado na observância desses princípios.
1. Os princípios gerais
1.1. Limitação da natalidade. O Criador anexou a cada função do organismo humano uma determinada finalidade que regula o uso de tal função. Ora a finalidade do ato sexual ou conjugal é a propagação da espécie humana. Em consequência, toma-se inconcebível qualquer modalidade do ato sexual ou do intercâmbio matrimonial que, por meios artificiais, exclua a prole; em verdade, não é lícito ao homem intervir nas funções da natureza de modo a só gozar do prazer anexo a essas funções, ficando excluído o fim primário em vista do qual esse prazer é dado pelo Criador à criatura.
À luz destas proposições, só se pode admitir limitação da natalidade, caso esta não implique em interferência do homem nas leis da natureza. É o que se dá desde que se observem os períodos de fecundidade e esterilidade da própria natureza : calculando (de acordo com a conhecida tabela de Ogino-Knaus) os dias em que a mulher é naturalmente infecunda, os cônjuges usam livremente das relações conjugais em tais épocas; abstêm-se, porém, das mesmas desde que prevejam fecundidade da natureza. Destarte não cometem violação às leis do Criador. — Para que aos cônjuges se torne lícito o recurso à tabela, bastam as dificuldades que costumam pesar sobre a vida conjugal em nossos dias (razões de economia, saúde, educação da prole, etc.); não se admitem, porém; motivos de comodismo e egoísmo.
Na execução de tais normas, que por vezes se torna árdua, os esposos cristãos não se deixam abater; confiam, antes, na graça de Deus, conscientes de que o Pai do Céu nunca põe seus filhos em situações perplexas, nas quais seja impossível evitar o pecado.
1.2. O aborto dito terapêutico. Por «aborto terapêutico» entende-se aqui a intervenção medica que tenha por objeto extrair do seio materno um feto vivo, ainda não viável, a titulo de salvar a vida materna. Trata-se, portanto, de uma ação que atinge diretamente a vida da criança, extinguindo-a; pouco importa, no caso, que não se vise, como finalidade suprema da intervenção, a morte do feto como tal, mas a preservação da vida da gestante.
a) Do ponto de vista moral, uma tal operação é condenada como assassínio direto, pois o embrião humano, desde o primeiro instante de sua existência no seio materno, é, conforme a maioria dos autores, portador de alma verdadeiramente humana, ou, se não é tal (conforme outros autores), o feto ao menos significa um processo vital destinado a terminar num ser verdadeiramente humano, exigindo, por conseguinte, para si todo o respeito devido à personalidade humana. Cf. «PeR.» 3/1957, qu. 3.
O fato de se intencionar uma finalidade boa (isto é, a conservação da vida materna) mediante o morticínio da criança não justifica o homicídio ou o aborto ; o fim não santifica os meios ; não é permitido cometer o mal para daí tirar algum bem.
No caso em que, durante a gestação, sobrevenha conflito entre a vida materna e a vida da criança, a ninguém será lícito escolher uma das duas vidas, e matar uma (a da mãe ou a da criança) para salvar a outra (é, sim, assaz comum dizer-se que a Moral católica dá preferência à vida da criança, ao passo que a ética não-católica tende a salvar antes a vida materna); matar diretamente, seja a mãe, seja a criança, em caso nenhum é lícito. Por conseguinte, o médico católico não dá preferência nem à vida do feto nem à da mãe, mas procura positivamente salvar uma e outra, sem se permitir ação alguma que de per si seja ordenada a produzir a morte de uma das duas.
Pode acontecer, porém, o seguinte: a mãe, no período de gestação ou na hora do parto, sofre de moléstia ou infecção tal que a sua vida possa ser salva mediante um tratamento ou uma intervenção cirúrgica que de per si vise realmente curar o estado patológico da gestante, mas que indiretamente, como. efeito secundário, provoque a morte da criança. O recurso a tal tratamento (ingestão de remédio, aplicação de injeções, operação…) não pode ser tido como ilícito, pois se trata de uma ação que por si não é mortífera e cuja finalidade direta é boa. Sim, é um tratamento que se aplica a um estado doentio, como tal, da mulher, e que se lhe aplicaria independentemente da gravidez anexa.
A título de exemplo, seja citado o caso clássico de uma mulher grávida cujo útero é canceroso … Sabe-se que a extração dos tecidos cancerosos é o tratamento comum para os casos de câncer, independentemente das circunstâncias de gravidez anexa. Será lícito, por conseguinte, tratar de tal mulher mediante a extração do útero canceroso, ainda que este se ache grávido; como consequência da extração, dar-se-á naturalmente a morte do feto não viável. Este, porém, não terá sido o efeito diretamente decorrente da operação, mas apenas a consequência secundária e contingente de uma intervenção que, por si, não é de modo algum ocisiva. Veja-se também o caso da gravidez ectópica estudado em «P. R.» 8/1957 qu. 12.
O médico que proceda segundo as normas acima, estará realizando uma ação com duplo efeito — um bom (diretamente visado em si), outro mau (secundário, não visado, mas apenas tolerado pelo agente). Para que as ações deste tipo sejam realmente lícitas, os moralistas costumam indicar algumas condições a serem rigorosamente observadas:
1) a intervenção cirúrgica ou o tratamento infligido à gestante devem ser tais que, por sua natureza mesma, visam salvar, e não matar; dado que a morte da criança dai decorra, será sempre um “efeito secundário, mediato, não diretamente incluído na finalidade da intervenção como tal;
2) haja realmente necessidade de recorrer a tal expediente (ação com duplo efeito), por não ser possível de outro modo prover à salvação da vida materna;
3) a intenção do médico seja honesta;
4) procurem os interessados, na medida do possível, proporcionar à criança o Batismo antes que pereça.
Eis os princípios incutidos pela Moral cristã no tocante ao chamado aborto terapêutico. A própria Medicina, diante dos progressos que ultimamente tem feito, já não abonaria o predicado «terapêutico» no caso, pois está comprovado que o aborto pode ser evitado mediante o emprego de tratamentos modernos e até mesmo nas situações que antigamente eram tidas como perplexas e só solúveis pelo recurso ao morticínio. Sabe-se, além do mais, que todo aborto tende a produzir na mulher efeitos daninhos de ordem tanto somática como ; psíquica.
b) Eis, porém, que ainda merecem atenção algumas objeções tendentes a justificar, apesar de tudo, a prática do aborto:
aa) «O feto, dizem, nos seus primeiros tempos (durante 40 dias, se é masculino; durante 80 dias, se é feminino), não está animado por alma humana intelectiva; por isto, nessas circunstâncias será lícito eliminá-lo sem se cometer homicídio».
– Tal dificuldade já foi considerada em «P. R.» 3/1957, qu. 3. Sumariamente lembraremos que a maioria dos fisiólogos e filósofos modernos tende a admitir a existência de alma intelectiva no embrião desde o início da gestação. Em qualquer caso, porém, o aborto não deixaria de ser homicídio, porque, como foi dito atrás, extinguiria um processo vital destinado por si a terminar em um ser humano.
bb) «A criança é parte ou apêndice da mãe. Ora, assim como a esta é lícito cortar uma de suas mãos para salvar a própria vida, assim também será permitido eliminar o embrião que a ponha em perigo de vida».
– É errôneo supor que a criança seja parte de sua mãe; desde o princípio da gestação, o feto se manifesta como organismo autônomo, dotado de circulação de sangue e de pulsações próprias; é verdade que recebe de sua mãe o alimento, mas elabora-o e assimila-o por um princípio vital próprio.
cc) «O embrião se equipara a um injusto agressor a atentar – contra a vida materna!»
– Tal afirmação é gratuita. Poder-se-ia igualmente dizer que a mãe é que faz as vêzes de agressora, pois, padecendo de alguma moléstia, como insuficiência hepática, mau funcionamento de glândulas, etc., vem a ser causa pela qual o filho carece dos elementos necessários ao seu desenvolvimento normal. De resto, a criança não tem culpa alguma de ter vindo a este mundo.
dd) «Mas então perder-se-ão duas vidas — a da mãe e a da criança — em vez de salvar ao menos a vida da mãe!»
– O lema do médico católico, num caso de gestação difícil, nunca poderá ser: perder uma das duas vidas para salvar a outra, mas será sempre: salvar as duas vidas. O médico, por conseguinte, não formulará o problema nos termos: «ou a mãe ou o filho», mas antes propor-se-á salvar tanto a mãe. como o filho». Sim; mãe e filho são duas pessoas humanas, dotadas ambas do direito de viver, de sorte que não se pode diretamente sacrificar uma para salvar a outra, como num caso de naufrágio não é licito arrancar o salva- vidas de um náufrago para entregá-lo a outro.
ee) «É hediondo deixar morrer uma mãe de família, amparo insubstituível do marido e dos filhos, só para não matar uma criancinha cuja personalidade ninguém conhece!»
– Não há dúvida, é sempre dolorosa a morte de uma mãe de família. Por isto o médico há de empregar todos os recursos da ciência a fim de evitar tal desenlace. Caso, porém, não se possa salvar a vida materna, o médico e os familiares cristãos aceitarão com fé e confiança o desígnio da Providência; o Pai do Céu não abandona seus filhos, mesmo quando lhes subtrai o esteio (no caso…. a esposa e mãe) aparentemente indispensável. — Algo de semelhante, aliás, se dá em um incêndio ou em um naufrágio: às vezes é preciso em tais ocasiões contemplar simplesmente a ação da morte sem que haja algum expediente para que se possa intervir. «Deixar morrer» não significa, de per si, «matar».
ff) «Em” casos de gravidez contraída fora do matrimônio, se não se tolera o aborto, compromete-se a honra de uma jovem ou quiçá a de uma família inteira».
– Ninguém pretenderá sanear um defeito acrescentando-lhe outro; um erro cometido por cópula sexual ilícita não será corrigido por um homicídio. O autêntico remédio em tais casos consistirá em reeducar ou em excitar e corroborar a resistência moral e o vigor de ânimo das pessoas envolvidas no pecado para que não recaiam no mesmo.
Dito isto, passemos a considerar as situações particulares criadas pelo fator Rh, que só recentemente foi descoberto pela medicina, parecendo exigir atenção especial da parte dos moralistas.
2. O fator Rh e suas consequências à luz da Moral médica
2.1. Em que consiste propriamente o fator Rh. O fator Rh deve sua designação ao nome do macaco «Rhesus». Em 1937 os Drs. ” Karl Landsteiner e Alexander Wiener do Rochefeller Institute (U.S.A.) identificaram nos glóbulos vermelhos do sangue deste animal um elemento, aglutinogênio, o qual injetado em sangue de cobaia, aí provocou e provoca a formação de aglutinina ou de anticorpos tendentes a destruir o elemento oriundo do macaco Rhesus.
Ora este mesmo aglutinogênio se encontrou também no homem, de acordo com as seguintes proporções: 85% dos indivíduos humanos brancos possuem o fator Rh (pelo que são ditos Rh positivos), ao passo que 15%, carecendo dele, são chamados Rh negativos. Na raça negra, a proporção é de 90% de indivíduos de Rh positivo, chegando entre os chineses a 99%. O cientista Philip Levine tornou-se particularmente benemérito no estudo do fator Rh, investigando o fenômeno da eritroblastose (destruição dos globos vermelhos do sangue).
A princípio julgava-se que o novo aglutinogênio não tinha importância prática na clínica; os médicos, porém, tiveram que mudar de parecer, quando em 1939 Levine e Wiener demonstraram que os indivíduos de Rh negativo podem, em certas circunstâncias, produzir anticorpos contra o fator Rh positivo, anticorpos que têm consequências sérias no próprio estado de saúde de quem os produz.
Os estudiosos ainda não chegaram à plena clareza sobre a estrutura e os corpúsculos constituintes do fator Rh. Asseguram, porém, que se trata de um aglutinogênio comparável aos fatores A, B, AB e O, que determinam os quatro grupos sanguíneos mais conhecidos, de modo que hoje se admitem mais do que quatro classes de sangue humano.
Os pormenores da questão não interessam diretamente o assunto de que vimos tratando neste artigo. O que importa reter, é que a infusão de sangue Rh positivo em sangue Rh negativo provoca geralmente reação por parte deste e, em consequência, perigo de aglutinação e destruição do composto sanguíneo resultante.
2.2. Nos casos de gestação. O problema de Rh que interessa a moral do obstetra pode-se assim formular: um embrião é concebido de pai Rh positivo e mãe de sangue Rh negativo. O feto geralmente herda o fator paterno, isto é, fica sendo Rh positivo. Em consequência, dentro do organismo materno (Rh negativo) o novo ser provoca a formação de aglutinina ou de anticorpos que reagem contra o fator Rh positivo da criança. A produção deste reagente pode verificar-se em quantidade maior ou menor; pode verificar-se, porém, em quantidade tal que afete o sangue do embrião (esta hipótese não costuma verificar-se na primeira gestação, mas, sim, na segunda ou na terceira…). O feto então passa a sofrer de eritroblastose fetal, moléstia que frequentemente ataca o fígado, o cérebro e outros tecidos, podendo chegar a provocar a morte no seio materno. Caso estas perturbações se deem, não há dúvida de que a situação se torna melindrosa para a gestante ; não é, porém, fatal: submetendo-se a mãe grávida a controle médico periódico, pode-se averiguar em que condições se acha o feto e, caso se verifique ter morrido no seio materno, procede-se à extração imediata do mesmo, salvando-se a vida da paciente. Os bons médicos não julgam necessário nem oportuno, para evitar uma eventual situação dessas (aborto infectado), recorrer ao aborto artificial e voluntário, eliminando sistematicamente o feto de pai Rh positivo e mãe Rh negativo. Admitir-se-á, porém, o seguinte: desde que haja indicações favoráveis a tanto, proceder-se-á à extração do feto com vida e perfeitamente viável após o sexto ou o sétimo mês, evitando-se destarte alguma complicação prevista para o fim do período de gestação.
Dado que a gravidez chegue naturalmente a termo, os médicos terão o cuidado de examinar particularmente a criança: a eritroblastose manifesta-se por vezes no intervalo de 72 hs após o nascimento, provocando uma crise hemolítica e a morte da criança; caso não induza a morte, pode acarretar anemia e estados patológicos crônicos. Em outros termos, dir-se-ia: o organismo do recém-nascido tende a produzir sangue Rh positivo (herança paterna), mas é portador de uma dose mais ou menos grande de anticorpos herdados do organismo materno. Se a quantidade destes últimos for avultada, haverá perigo de autodestruição do sangue da criança. A fim de evitar os males assim previstos, os médicos procedem a uma transfusão de sangue: tendo extraído todo o sangue com que a criança nasce, infundem-lhe sangue novo, do tipo daquele que o recém-nascido tende a produzir dentro do seu organismo. Fica assim removido o perigo de conflito no sangue da criança, conflito que provocaria a morte da mesma ou uma grave anomalia (psíquica ou somática). Como se vê, também na hipótese de chegar a gravidez a termo, contornam-se com os recursos da medicina moderna os possíveis desastres (morte ou doença) na criança.
Está claro que, repetindo-se as gestações numa mulher de sangue Rh negativo portadora de feto Rh positivo, o sangue materno vai ficando cada vez mais sensibilizado; torna-se mais e mais saturado de anticorpos, que tendem a destruir o sangue do embrião e a provocar o aborto infectado. Este inconveniente, porém, também é superável: conhecem-se mães que, mesmo em tais condições, deram à luz seis ou oito filhos sadios, salvando-se devidamente a saúde materna. Nem o anticoncepcionismo nem o aborto voluntário seriam necessários para evitar as desgraças possíveis em tais repetidas gestações.
Em conclusão, verifica-se que, por aplicação dos recursos da ciência moderna, os perigos de infelicidade nos diversos casos de prole oriunda de Rh positivo com Rh negativo (durante e após a gestação) são cada vez menos consideráveis; conseguem-se hoje em dia superar os inconvenientes que há poucos anos atrás ainda eram tidos como fatais.
Mesmo, porém, que não se chegue a evitar todo e qualquer infortúnio nos mencionados casos, não será lícito em eventualidade alguma recorrer ao aborto voluntário ou ao anticoncepcionismo (tenham-se em vista os princípios enunciados na primeira parte desta explanação). — A posição clara da Moral católica neste assunto não depende nem de rigorismo nem de condescendência, não é questão de preferências dos homens de uma época, mas está baseada em princípios muito mais profundos (de ordem ontológica, e não meramente psicológica), a saber: a vida é dom de Deus outorgado aos homens para que estes o administrem segundo as leis do Criador manifestadas pela natureza. Embora custe ao homem desempenhar o papel de mero administrador, e não de senhor da vida, tal sacrifício de modo nenhum significa detrimento para o cristão: servindo a Deus, e unicamente servindo a Deus, é que o homem reina. O discípulo de Cristo não identifica «ser feliz» com «condescender com os caprichos e os comodismos de uma natureza desregrada».
Quanto à influência do fator Rh no período pré-nupcial, julgam os moralistas que não é necessário atribuir importância decisiva a tal fator na escolha de um esposo ou de uma esposa. Nem devem os cônjuges deixar-se invadir pelo temor e a perplexidade, caso venham a verificar, após o casamento, que o marido é Rh positivo e a consorte Rh negativo: além de se entregarem totalmente à vontade de Deus (motivo máximo de tranquilidade), os cônjuges cristãos têm consciência de que a medicina contemporânea dispõe de recursos suficientes para salvaguardar a vida da mãe e a do filho, desde que o casal conceba e queira respeitar a lei do Senhor.
Além do mais, os autores, atendendo às estatísticas respectivas, observam que o problema de cópula de Rh positivo com Rh negativo é relativamente raro: entre indivíduos de raça negra e amarela (99% dos chineses têm Rh positivo) quase não ocorre; toma-se um pouco mais frequente na raça branca (onde se contam 85% de indivíduos Rh positivo para 15% de negativo): aproximadamente (12% dos casamentos, na raça branca, se realizam entre varão Rh positivo e mulher Rh negativo; nem todos estes matrimônios, porém, chegam a ocasionar problemas de gestação; sòmente um caso entre 250 produz eritroblastose fetal. ou seja. as graves perturbações no organismo da criança devidas à incompatibilidade de sangue paterno e sangue materno.
As diversas considerações acima habilitam os autores hoje em dia a não atribuir ao fator Rh preponderância dirimente no estudo dos problemas atinentes à vida conjugal.
Veja-se a propósito o criterioso estudo de Charles J. McFadden: Medical Ethics. 2d. ed. Philadelphia 1951 (F. A. Davis Company Publishers). Outrossim T. Bosio, II fattore Rhesus nelle recenti scoperte e studi sul sangue, em «Civiltà Cattolica» 1950 IV 326-337.
Em apêndice, vão aqui citadas duas passagens de S. S. o Papa Pio XII atinentes ao assunto.
O primeiro texto deve-se a um discurso proferido em francês por Pio XII aos 5 de setembro de 1958, quando recebeu mais de 500 professores, médicos e estudantes, provenientes de 40 nações diversas, a fim de participarem do VII Congresso da Sociedade Internacional de Transfusão do Sangue:
A gravidade das questões em causa chama particularmente a Nossa atenção: a Igreja, como sabeis, não fica indiferente desde que estejam em jogo problemas que envolvem o destino humano individual e social, temporal e eterno, desde que ela possa, pela sua presença ou por uma intervenção oportuna, fazer muito bem ou evitar muito mal.
…Sabe-se assaz geralmente na hora atual que os glóbulos vermelhos do sangue possuem caracteres próprios e que a humanidade se divide em quatro grupos sanguíneos (A, B, O e AB). Se se chama ‘antígena’ a capacidade de provocar num organismo a formação de substâncias chamadas ‘anticorpos’, suscetíveis de se unirem ao antígeno e de determinar primeiro a aglutinação e depois a destruição dos glóbulos vermelhos, pode-se explicar a existência dos quatro grupos da maneira seguinte: os grupos A e B possuem, cada um, um antígeno próprio, mas não o anticorpo que a ele corresponde, ao passo que possuem o anticorpo do antígeno que não têm; o grupo AB possui os dois antígenos, mas nenhum anticorpo do sistema; o grupo O não possui nenhum antígeno, mas, sim, os dois anticorpos. Durante estas últimas décadas, o descobrimento de outros sistemas introduziu uma complexidade considerável na determinação exata dos tipos de sangue humano. Mas o que mais nos interessa é o descobrimento do fator ‘Rhesus’, que permite esclarecer a patogênese da doença hemolítica do recém-nascido, a qual até então ficara sendo de origem desconhecida. Uma mãe possuidora do Rh negativo produzirá anticorpos para os glóbulos ‘Rh positivos’, e, se o filho que ela traz em si é ‘Rh positivo’, ela lhe causará dano. Visto que os grupos sanguíneos se herdam segundo o mecanismo da hereditariedade, mecanismo conforme no essencial às leis de Mendel, é evidente que. para ter um filho ‘Rh positivo’, a mãe deverá ter um esposo ‘Rh positivo’; se este for filho de pais dos quais um seja ‘Rh positivo’ e outro ‘Rh negativo’, terá uma probabilidade de 50% de gerar filhos ‘Rh positivo’ mas, se os pais forem ambos ‘Rh positivo’, todos os filhos também o serão. Quando uma mulher ‘Rh negativo’ esposa um homem ‘Rh positivo’, acha-se naquilo que é denominado a ‘situação Rh’, em perigo potencial de ter filhos doentes.
Tendo exposto os dados do problema no trecho acima, S. S. Pio XII voltava ao assunto uma semana mais tarde (12/IX/1958) em outra alocução, dessa vez dirigida ao VII Congresso Internacional de Hematologia, que reunia perto de 2000 médicos e peritos pertencentes a um total de 53 países. Foi então que Sua Santidade formulou o ponto de vista da Moral católica frente à situação Rh:
Na sétima questão perguntais se se pode considerar a situação Rh como motivo de nulidade do matrimônio, quando ela acarreta a morte dos filhos desde a primeira gravidez. Supondes que os esposos não se quiseram comprometer a ter filhos que fossem vitimas de morte prematura por causa de tara hereditária. Mas o simples fato de que as taras acarretam a morte dos filhos não prova que não tenha havido vontade de contrair o matrimônio. Essa situação evidentemente é trágica, mas o raciocínio estriba-se numa consideração que não conclui. O objeto do contrato matrimonial não é o filho e sim o cumprimento do ato matrimonial natural ou,..mais precisamente, o direito de cumprir esse ato: tal direito permanece independente do patrimônio hereditário do filho gerado e, do mesmo modo, da sua capacidade de viver.
No caso de um casal em situação Rh perguntais também se é permitido desaconselhar sempre a procriação ou se se deve esperar o primeiro incidente. Os especialistas da genética e da eugenia são mais competentes do que Nós nesse terreno. Trata-se, com efeito, de uma questão de fato, que depende de fatores numerosos, dos quais sois os juízes competentes. Do ponto de vista moral, basta aplicar os princípios que mais acima expusemos, com as distinções necessárias».
Os princípios a que alude o Santo Padre neste final de discurso, são os que recordamos na primeira parte desta resposta, às págs. 25-27 deste fascículo: condenam o anticoncepcionismo praticado por métodos artificiais, assim como toda espécie de aborto direto.