Como se há de apreciar, do ponto de vista cristão, a coeducação de meninos e meninas?
Por «coeducação» entende-se propriamente a formação intelectual, moral e cívica ministrada em comum a adolescentes de ambos os sexos. Apresenta diversas modalidades: há, sim,
1) A coeducação em família, que até certo ponto é normal e natural;
2) A coeducação na escola (externato ou semi-internato), que reúne meninos e meninas para satisfazerem a um programa de estudos. Tal é a chamada «escola mista», o tipo mais comum de coeducação, o qual, em seu aspecto mais brando, se reduz a mera «coinstrução» (mera formação intelectual, excluída a formação moral e cívica em comum).
Nos EE. UU. da América do Norte, Institutos que proporcionam a instrução ou erudição intelectual a rapazes e moças na mesma sala de aula, estipulam a separação dos mesmos em saguões por ocasião dos recreios e demais atos extraescolares.
3) A coeducação em internatos, que estabelece um regime de convivência continua entre pupilos de ambos os sexos.
A questão da oportunidade e liceidade da coeducação é assaz complexa, pois envolve fatores de ordem moral, psicológica, sociológica, econômica, etc. Aqui consideraremos a coeducação não na família (entre irmãos e irmãs), mas na escola (escola mista), principalmente em Ginásios e Colégios (os problemas são menos graves e, por isto, as soluções mais claras, em se tratando de escolas primárias e de Universidades).
Propor-se-á primeiramente um pouco do histórico do problema; a seguir, procuraremos formular um juízo sobre o assunto e sobre os argumentos geralmente debatidos nesse setor.
Um pouco de história
Ignorada durante toda a Idade Média, assim como nos tempos modernos até o séc. XVIII, foi por obra da Revolução Francesa de 1789 que a coeducação ganhou voga entre os filósofos e legisladores, os quais em parte se inspiravam de princípios da educação espartana (séc. IV a. C.) e da obra «República» de Platão (+347 a. C.).
Portanto, em 1791, J. M. Condorcet tornou-se propugnador entusiasta da coeducação, afirmando que a instrução em geral deve ser a mesma para ambos os sexos. Na Alemanha, Fichte (+1814) abraçou essa tese. Contudo os pensadores europeus na primeira metade do século XIX não lhe deram grande apoio.
Foi nos Estados Unidos da América do Norte que a educação mista começou a se propagar vultuosamente, fomentada, antes do mais, por motivos econômicos e por falta de pessoal para servir nas escolas. Horácio Mann, fundando o Colégio de Antioquia em 1853, tornou-se pioneiro de tal sistema.
Em fins do século passado, as nações européias dispensaram acolhimento simpático ao sistema. A dianteira foi tomada pela Suécia, onde K.E. Palmgreen fundou a «Samskolan» (Escola conjunta de rapazes e moças) de Estocolmo em 1876, visando, pela convivência de meninos e meninas, assemelhar a escola ao lar. No princípio do século XX pode-se dizer que o sistema da escola mista (escola «tipo lar», «tipo cidade») figurava entre os postulados solenes dos projetos de reforma educacional, como eram propugnados, por exemplo, na «Ligue internationale pour l’éducation nouvelle» e no «Bund entschie- dener Schulreformer». O regime marxista, na Rússia, organizou toda a instrução pública dentro dos moldes da coeducação; parece, porém, que em data recente os lideres soviéticos resolveram separar rapazes e moças, principalmente nos institutos secundários, a fim de melhor os preparar para o trabalho socializado.
O fato é que os adeptos da escola mista nos últimos decênios procuraram justificá-la com novos e novos argumentos, penetrando cada vez mais em questões de consciência e moral. Foi o que provocou claro pronunciamento da Santa Igreja sobre o assunto em 1929, quando o Santo Padre Pio XI escreveu a encíclica «Divini illius magistri»; neste documento, corroborado e explicitado por declarações de Pio XI, se
acham compendiados os pontos de vista, até hoje válidos, da consciência cristã a respeito da coeducação.
Passemos, pois, a considerar como se relacionam entre si.
Escola mista e Moral cristã
A Moral cristã, embora não se oponha a toda e qualquer modalidade de coeducação, não pode deixar de reprovar, por seus princípios, tal sistema escolar. E vários são os motivos que a levam a tal, como se poderá ver abaixo:
1) A razão de ordem moral é preponderante.
Como lembrava Pio XI, a coeducação funda-se sobre um naturalismo mais ou menos paganizante ou sobre uma apreciação da natureza humana que não leva em conta o pecado original e as chagas (principalmente a desordem da concupiscência) por ele acarretadas para a natureza humana. Ora o convívio assíduo dos dois sexos e a camaradagem daí decorrente facilmente provocam irritação da natureza em qualquer idade ; muito mais, porém, a provocam na adolescência que é um período de vida particularmente vibrátil e fogoso.— Além disto, a promiscuidade sexual possibilita com largueza o «flerte»: ora este, praticado levianamente, como costuma ser entre colegiais, produz indolência ou torpor no estudo e no trabalho, assim como devaneios efervescentes da imaginação.
Eis as palavras textuais de S. S. o Papa Pio XI:
«Errôneo e pernicioso à educação cristã deve ser considerado o método chamado de ‘coeducação’ dos adolescentes, tanto porque muitos dos que o defendem ignoram ou negam que o homem nasça viciado pelo pecado original, como porque outros, dominados pela reinante confusão de idéias, consideram legítima convivência a desordenada promiscuidade niveladora absoluta de homens e mulheres» (Acta Apostolicae Sedis 1930, pág. 72).
Transcrevemos abaixo outrossim uma passagem de Ruy Barbosa que bem mostra como a Moral natural já por si repudia tal promiscuidade escolar:
«A coeducação ampliada a todas as idades tem inconvenientes morais perfeitamente manifestos… Um pedagogo de alta fama no seu pais e na Europa, E. Laporte, inspetor do ensino primário em Melun, que… teve ocasião de tocar pessoalmente e aprofundar… a situação do problema nos Estados Unidos manifestou-se ante o Congresso Internacional do Ensino em 1880 por este modo:
‘Em certas regiões, nomeadamente nos Estados Unidos, preconizam este sistema; e, contudo, a crermos certos escritores, ali mesmo o coração principia a falar tão cedo quanto noutras latitudes. Não obstante o extremo respeito de que por lá é objeto a mulher, será certo que nos bancos da escola essa disposição dos alunos maiores de dez anos não encerre perigo ? Podem asseverar que não se produza, num e noutro sexo, uma excitação moral de onde venham a proceder secretas desordens ? As informações confidenciais que colhemos em nossa missão à América, autorizam-nos a afirmar que o perigo é mais sério do que fingem supor; e, se durante as aulas a calma paira na fisionomia dos alunos, em muitos deles é apenas o véu de uma violenta agitação moral e física» (Parecer e Projeto de Reforma do Ensino Primário, 1882, pág. 232s).
Cecil Reddie, criador da Escola Nova da Europa em Abbotsholme (Inglaterra), considerava a coeducação «loucura em teoria e imoralidade na prática».
A coeducação se apresenta assim como um perigo moral, do qual os pedagogos têm a obrigação de preservar a juventude, para o bem tanto dos jovens como da sociedade.
2) Com o motivo moral, acima apontado, relaciona-se intimamente um motivo biológico. Com efeito, o intercâmbio demasiado frequente de rapazes e moças pode suscitar perturbações fisiológicas prematuras, com detrimento para a saúde dos jovens.
3) Considere-se também o motivo fisiológico. São notórias as diferenças de índole e tendências vigentes entre o tipo humano viril e o feminino: o varão é mais inclinado à aplicação do raciocínio, aos feitos de energia e à atividade conquistadora, ao passo que a mulher é mais movida pelos afetos e mais apta às funções delicadas da maternidade.
Ora tal diversidade de temperamentos requer respeito por parte do educador, ao qual, por conseguinte, não seria lícito submeter ambos os sexos ao mesmo regime educacional. O nivelamento equivaleria a forçar de certo modo um dos dois tipos a se equiparar ao outro; ter-se-ia então fàcilmente o efeminamento dos meninos ou a masculinização das jovens.
4) Razões de ordem pedagógica também se impõem. Inegavelmente a capacidade de trabalho e a resistência à fadiga são desiguais no rapaz e na moça. Por conseguinte, submeter meninos e meninas às exigências dos mesmos programas desenvolvidos pelos mesmos professores nas mesmas aulas significa de certo modo cometer um atentado contra o desenvolvimento normal de uns e outros. Produz-se concorrência ou emulação entre alunos e alunas ; ora estas parecem mais sensíveis a tais certames; mais fàcilmente do que os rapazes, realizam prodígios de trabalho intelectual, vencendo assim seus contendentes masculinos. Isto, porém, não se dá sem detrimento para a vitalidade das jovens, que muitas vezes passam a sofrer durante o resto da vida as consequências físicas e psíquicas desse desequilíbrio pedagógico.
«Justamente na idade em que nossos alunos costumam frequentar o ginásio, a diferenciação é tão patente que os grandes educadores, como Vives, Comênio, Fénelon, Pestalozzi, Overberg e outros exigem programas que respeitem a natureza e as condições de vida do educando, e particularmente da mulher. É então que mais se desenvolverão os traços, valores e dons da personalidade feminina, como a generosidade materna, a nobreza de sentimentos e a entrega total» (E. Arns, A Coeducação nas Escolas Secundárias, em «Revista Eclesiástica Brasileira» XVIII [1958] 729).
Será preciso, portanto, levar em conta as capacidades didáticas de cada qual dos dois sexos e tratar a cada um segundo a maneira própria que lhe convenha.
5) Falem, por último, razões de ordem sociológica. Na verdade, sendo a função social da mulher especificamente diversa da do varão, entende-se que as modalidades de sua educação também devam ser diversas. Ensinam, aliás, os pedagogos que a coeducação dissolve a admiração que um sexo tem naturalmente pelo outro ; donde decorre detrimento não exíguo para a vida conjugal.
Tais são as razões pelas quais a consciência cristã se mostra alheia ao sistema da coeducação.
À guisa de complemento, citamos aqui parte do último documento da Santa Sé sobre o assunto; trata-se de uma Instrução da Sagrada Congregação dos Religiosos, que, datada de 8/XII/1957, se apresenta bastante enérgica, sem contudo deixar de ser muito compreensiva perante as circunstâncias da época presente:
1. A Coeducação propriamente dita nunca pode ser, como tal, aprovada de modo geral.
2. Ainda que possa resultar algum proveito da coeducação entendida como o prolongamento de uma vida familiar correta na qual os jovens de ambos os sexos, habituados ao recato do trato, e a uma nobre emulação, mutuamente se complementam e se instigam na procura de elevados ideais, é contudo verdadeiro que, considerando-se o problema na realidade, isto é, segundo costuma efetuar-se esse sistema educativo, os perigos morais que lhe são inerentes — máxime quando aplicado a crianças na idade da puberdade — são sem dúvida alguma muito maiores do que a utilidade ou o proveito que dele talvez fosse possível tirar.
3. Por isto, na encíclica ‘Divini illius Magistri’, que sempre terá de ser considerada como a Carta Magna da educação e também desse modo de instrução mista, está claramente prescrito que errôneo e pernicioso… (segue-se o texto da encíclica já atrás transcrito).
4. Todavia não se pode negar que, em certos casos, é impossível elidir a necessidade prática de educar conjuntamente jovens de sexos diferentes; então acontece que circunstâncias particulares obrigam a considerar a coeducação como um mal menor.
5. Não se pode negar que, em certas regiões, os jovens que frequentam as escolas públicas se acham em grave perigo para a sua Fé. Os católicos, no entanto, — em pequeno número nesses lugares — nem sempre têm dinheiro para construir e sustentar escolas separadas para meninos e meninas; deste modo veem-se obrigados a manter uma escola só para todas as suas crianças.
6. Em tais escolas católicas mistas, tomadas as precauções necessárias, a coeducação poder-se-á tolerar, mesmo à vista da encíclica Divini illius Magistri, pois aos mestres que as regem não se podem aplicar aquelas suas palavras que acima transcrevemos (no 3).
(O texto integral do documento se acha na «Revista Eclesiástica Brasileira» XVIII [1958] 534-537).
Dúvidas finais
Não se poderia dar por encerrada a presente explanação sem se dedicar ainda um pouco de atenção aos argumentos mediante os quais os autores costumam propugnar o sistema coeducacional. Ei-los em análise serena:
1) Na família, pratica-se a coeducação. Logo não há razão para que o mesmo não se faça na escola; esta deve prolongar o clima da vida familiar.
— Em resposta, observar-se-á que as circunstâncias da coeducação na família são muito diversas das que se verificam na escola. Sim ; entre irmãos e irmãs geralmente não se dá o perigo de atrativo sexual desregrado; ademais a amizade familiar e a vigilância dos genitores colaboram para dissipar os inconvenientes ; além do que, não se poderá negar que mesmo na família se observam reservas e normas de pudor entre irmãos e irmãs. Por fim, o fato de que a coeducação em família não provoca objeção por parte dos autores, quando a maioria destes se mostra infensa à escola mista, bem revela a diferença vigente entre uma e outra.
2) A escola prepara para a vida. Ora, havendo na vida social convivência dos sexos, é necessário que a haja também na escola.
— Responder-se-á que a convivência escolar é bem diferente da que se verifica na sociedade. Na escola encontram-se seres humanos ainda em período de formação, não amadurecidos ; ao contrário, a sociedade reúne pessoas que se supõem já devidamente esclarecidas e preparadas para cumprir seus deveres. De resto, é óbvio que, justamente por causa da idade dos jovens que frequentam a escola, esta não pode reproduzir tudo que há na sociedade (vida econômica, vida política, vida militar…). Ademais observe-se que pela coeducação se instauraria nas escolas um regime de convivência ainda mais íntima do que a que se costuma registrar nos casos comuns da vida social.
3) O sistema de escola mista torna a educação menos cara, portanto acessível a maior número de famílias. Essa teoria, aplicada sem restrições, sacrificaria a Moral em proveito da economia, o que é absurdo, pois os bens do espírito prevalecem sobre os da matéria. Verifica-se, porém, que, justamente para atender aos interesses econômicos, a sã consciência tolera, dentro de certos limites, a coeducação (haja vista o documento eclesiástico transcrito no parágrafo anterior). Aliás, advertem alguns autores que numa escola mista sadia a vigilância necessária exige não módicas despesas.
4) Verificam-se casos de hedionda perversão moral nos educandários reservados para um sexo apenas. Ora este mal seria removido pela coeducação.
— Replica-se que a solução do mal apontado não consistiria em «legalizar» a paixão sexual, dando-lhe desafogo junto a indivíduos de outro sexo; é somente dentro do matrimônio que a consciência permite o exercício do consórcio sexual, pois este tem por finalidade imprescindível a procriação. O remédio, no caso, estaria em se proporcionar à juventude uma sólida formação moral, apta a excitar a forca de vontade e dominar os afetos ; recomendar-se-ia também uma sábia educação sexual, fornecida separadamente a rapazes e moças.
«A experiência cotidiana continua a provar que o autodomínio, na esfera sexual, é conquistado pela renúncia generosa — que não deixa de ser renúncia dolorosa — porque as consequências do pecado original persistem. Entre o sexo transformado em ‘tabu* e a liberdade naturalista, existe uma posição sadia, que deve ser defendida pelo educador católico» (E. Arns, art. cit. 728).
5) No escola mista um sexo pode influir benèficamente sobre o outro, tornando-se os rapazes mais delicados e as jovens mais fortes de ânimo.
— Essa influência recíproca seria assaz precária, pois na idade escolar os temperamentos não estão plenamente definidos e amadurecidos. É preciso, antes, que a própria disciplina da educação, de um lado, corrija os desvirtuamentos aos quais, por sua índole natural, estão sujeitos os pupilos, e, de outro lado, excite todas as boas qualidades latentes nos indivíduos.
Destarte se vê que o sistema da coeducação integral não se justifica em absoluto. No Brasil pratica-se o regime da escola mista (coinstrução), geralmente sugerido por motivos econômicos. Apraz, aliás, referir que bom número de educadores brasileiros é contrário à coeducação, a começar por Ruy Barbosa, que, como Relator da Comissão de Instrução Pública da Câmara dos Deputados, expressou seu pensamento no célebre «Parecer e Projeto de Reforma do Ensino Primário» (1882) citado atrás.