A palavra graça possui muitas acepções, pode ser usada sinônimo de benevolência, encanto, agradecimento etc., contudo na ciência teológica ela possui um significado bem definido e delimitado. Em primeiro lugar, chamamos de graça tudo aquilo que é um dom de Deus. A vida, a habilidade falar, ouvir e ver, os talentos que possuímos são todos dons de Deus, são dons naturais. São graças não em sentido próprio, pois são qualidades que acompanham todos os seres humanos.
Mas a graça em sentido teológico próprio são todos aqueles dons aos quais o homem não tem direito. São dons que estão sobre a natureza humana; ou seja, são dons sobrenaturais. Contudo, precisamos aprofundar esta definição um pouco mais. Há dons sobrenaturais que são concedidos por Deus aos quais não podemos chamar, stricto sensu, de graça. Exemplo disso é a cura de uma enfermidade: quando uma pessoa é curada de algum mal que ataca a sua saúde, essa (a saúde) passa a ser um dom sobrenatural de Deus, porém a cura dessa pessoa não pode ser chamada propriamente de graça (cf. TRESE, 1999, p. 91).
Dito tudo isso, podemos definir a graça de maneira apropriada como um dom interior, sobrenatural, que nos é dado sem merecimento algum de nossa parte, mas pelos merecimentos de Jesus Cristo, em ordem à vida eterna (cf. Catecismo Maior, 524). Quando dizemos que a graça é um dom que nos é dado em ordem à vida eterna, queremos dizer que a graça é um dom concedido à pessoa para benefício dela mesma; o que a difere de outros dons como aquele que um Sacerdote tem de oferecer a Missa, que é um dom concedido a ele para o benefício de toda a Igreja.
A graça perdida e recuperada
Dissemos que a graça é um dom gratuito de Deus, ao qual não temos direito algum. Deus primeiro concedeu a graça aos anjos e aos nossos primeiros pais, que também não possuíam direito de recebê-la, mas não erma totalmente indignos dela. Contudo, após o pecado de Adão e Eva, eles e toda a sua descendência passaram a ser totalmente indignos dela.
Como então podemos nós, hoje, sermos capazes de receber a graça? A resposta a essa pergunta leva ao pleno entendimento da definição de graça. Foi por meio do sacrífico redentor de Jesus Cristo que a graça perdida por Adão foi-nos reestabelecida, por isso: a graça é um dom de Deus, sobrenatural e interior, que nos é concedido pelos méritos de Jesus Cristo para nossa salvação (CIC, 2000).
Batismo, fonte da graça
A nossa alma, no momento de nosso nascimento, está sobrenaturalmente morta, presa à escuridão. Se uma pessoa alcançasse o uso da razão e morresse sem cometer um pecado pessoal (situação impossível), ela não poderia ir ao céu. Simplesmente entraria em um estado de felicidade natural – ao qual chamamos de limbo – , mas não veria Deus face a face. Contudo, o Catecismo da Igreja Católica nos lembra:
Todo o homem que, na ignorância do Evangelho de Cristo e da sua Igreja, procura a verdade e faz a vontade de Deus conforme o conhecimento que dela tem, pode salvar-se. Podemos supor que tais pessoas teriam desejado explicitamente o Batismo se dele tivessem conhecido a necessidade.
(CIC, 1260)
Reforçamos aqui: o homem não tem direito algum de participar da Glória de Deus. Nem mesmo os nossos primeiros pais tinham esse direito. Em seu estado natural, a alma humana não pode ver a Deus. Contudo, nos ensina o Padre Trese:
Mas Deus não deixou o homem em seu estado puramente natural. Quando criou Adão, dotou-o de tudo o que é próprio de um ser humano. Mas foi mais longe, e deu também à alma de Adão certa qualidade ou poder que lhe permitia viver em íntima (ainda que invisível) união com Ele nesta vida. Esta qualidade especial da alma — este poder de união e intercomunicação com Deus — está acima dos poderes naturais da alma, e por esta razão chamamos à graça uma qualidade sobrenatural da alma, um dom sobrenatural.
(TRESE, 1999, p.93)
O modo que Deus escolheu para comunicar essa qualidade à alma foi a sua própria inabitação nela. Deus fez da alma de Adão e faz de nossas almas suas moradas. Ademais, essa qualidade da nossa alma também nos prepara para algo que há de acontecer após nossas mortes: o dom da visão beatífica, o poder que Deus nos concede de O vermos face a face, como Ele realmente É.
As divisões da graça
A graça é dividida em graça santificante e graça atual. A graça santificante é um dom sobrenatural que nos faz justos, filhos adotivos de Deus e herdeiros do Paraíso. A graça santificante pode ser ainda primeira e segunda. A graça primeira é aquela pela qual o homem passa do estado de pecado mortal para o estado de justiça e amizade com Deus; já a graça segunda é um aumento da graça primeira.
Por fim, a graça atual é um dom sobrenatural que ilumina a nossa inteligência, move e fortalece a nossa vontade, a fim de que pratiquemos o bem e evitemos o mal (cf. Catecismo Maior, 524-530).
Referências
- Catecismo da Igreja Católica;
- Catecismo Maior de São Pio X;
- TRESE; Leo John. A fé explicada / Leo J. Trese; tradução de Isabel Perez. – 7ª ed. – São Paulo: Quadrante, 1999.