O texto donde se deriva a questão, encontra-se em Mt 12,31s; Mc 3,28; Lc 12,10, sendo a recensão de São Mateus a mais explícita:
«Portanto eu vos digo: todo pecado e blasfêmia será perdoado aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. E se alguém disser uma palavra contra o Filho do homem, isto lhe será perdoado; mas, se falar contra o Espírito Santo, isto não lhe será perdoado nem no presente século nem no futuro» (Mt 12,31s).
Como se vê, o Senhor distingue claramente entre palavra (ou pecado) contra o Filho do homem e palavra (ou pecado) contra o Espírito Santo. Vejamos sucessivamente o que significa cada uma destas duas expressões.
O contexto em Mateus e Marcos
O sentido do pecado contra o Espírito Santo é elucidado pelo contexto das palavras de Jesus em Mt e Mc. O Divino Mestre acabara de expulsar demônios, provocando surpresa na multidão que o acompanhava (cf. Mt 12,23). Os fariseus, em vez de reconhecer nisso uma intervenção da Onipotência Divina, interpretaram esses feitos gloriosos contra a lógica e o bom senso, como sendo obra de um espírito impuro, do qual Jesus estaria possesso. Assim atribuíam ao espírito do mal feitos de bondade e salvação; confundiam o principio do Bem com o principio do mal,… Jesus, o Enviado do Pai, com um agente de Satanás. Em uma palavra: fechavam os olhos a manifestações evidentes do poder de Deus.
Uma tal atitude supõe da parte do homem recusa obstinada, que só se explica pelo fato de que Deus, tendo dotado o homem de liberdade de arbítrio, respeita a dignidade de sua criatura. Esse endurecimento de coração é, no texto do Evangelho, chamado «pecado contra o Espírito Santo», não por implicar malícia especial contra a terceira Pessoa da SSma. Trindade, mas porque se opõe diretamente à ação santificadora de Deus nas almas, ação que é atribuída ao Espírito Santo. A Escritura, com efeito, costuma apropriar ao Espírito, Amor Subsistente em Deus, essa obra de amor que é solicitar (por sinais visíveis e apelos invisíveis) os homens para a vida perfeita; é também, segundo as páginas sagradas, por obra do Espírito Santo que se realizam as grandes manifestações de Deus no mundo (cf. Jz 3,10; 6,34; 11,29; 13,25; Ez 36,27; Jl 3,1s).
Donde se vê que «pecar contra o Espírito Santo» é resistir obstinadamente às solicitações evidentes que Deus dirige às suas criaturas.
No mesmo contexto toma sentido claro a expressão «pecado contra o Filho do homem». O «Filho do homem» designa a Divindade encoberta pelos véus da carne; é Deus que se assemelha aos homens em tudo, exceto no pecado tornando-se mesmo capaz de desconsertar as expectativas da sabedoria humana (cf. Mt 11,6). O pecado contra o Filho do homem vem a ser então a queda atenuada pela fraqueza mais ou menos involuntária das criaturas que, embora aspirem ao bem, não sabem entrever a ação de Deus nos desígnios da Providência; tal terá sido, por exemplo, o pecado de Pedro, que na hora da Paixão renegou o Divino Mestre.
Jesus adverte que o pecado contra o Espírito Santo não encontra perdão. Isto se entende bem à luz das noções acima. Não há perdão, ao menos se se observa o procedimento habitual da Providência Divina, onde o pecador não o deseje, mas ao contrário se fecha à graça. Ora tal é, sem dúvida, a atitude do homem que luta conscientemente contra a ação de Deus em sua alma; um tal rejeita o princípio de toda ressurreição espiritual, tomando-se vítima da sentença que ele mesmo profere sobre si.
A Misericórdia de Deus
Convém frisar que jamais falta, da parte de Deus, a misericórdia necessária para indulgenciar qualquer culpa do homem; a bondade do Onipotente será sempre maior do que a mesquinhez da criatura (cf. 1Jo 3,20); mas, se o réu não quer receber o dom do Alto, o Senhor não o costuma impor. A rigor, Deus pode forçar o pecador a se arrepender; isto, porém, não se faria sem derrogação ao livre arbítrio, atributo característico do ser humano, que o Senhor habitualmente não retoca. Contudo nota S. Tomás que, mesmo em casos de obstinação, «a via do perdão e da cura não está obstruída para a Onipotência e a Misericórdia de Deus, O Qual algumas vezes realiza curas espirituais como que por milagre»” (S. Teol. II/II 14,3c).
“Nem no presente século nem no futuro” (Mt 12,32). Eis uma expressão semítica que, no caso, significa a absoluta irremissibilidade do pecado contra o Espírito Santo; em tempo algum, o pecador que recuse o perdão será forçado a aceitá-lo.
Conclusão
Em conclusão, verifica-se que o pecado contra o Espírito Santo não versa sobre determinado objeto, nem consiste em uma falta tão vultuosa que vença o Amor Divino para com a criatura, mas é simplesmente a resistência aberta e consciente à graça de Deus. Não há pecado por si irremissível, nem situação de pecador tão desesperada que não possa ser recoberta pela Misericórdia do Salvador, a qual sempre se obterá através do sacramento da Penitência ou, caso este não esteja ao alcance do homem, através de sincero ato de contrição.