A Sagrada Escritura, tanto no Antigo como no Novo Testamento, promete a efusão do Espírito Santo nos tempos messiânicos.
Advertência preliminar: o Espírito ou Sopro (ruach, em hebraico) de Javé, no Antigo Testamento, significa geralmente a força de Deus a suscitar vida e obras dignas do Altíssimo através da história sagrada. Como se entende, os israelitas, não tendo conhecimento do dogma da Ssma. Trindade, ainda não concebiam o Espírito como Pessoa Divina.
Assim já nos primórdios da criação o Espírito aparece sobre o caos do mundo como que para acalentá-lo e nele fomentar a vida; cf. Gên 1,1. No decorrer dos tempos, o Espírito se comunicava aos homens chamados para realizar grandes feitos: os Juízes (cf. Jz 3,10; 6,34; 11,29), Saul (cf. 1 Sam 11,6), Moisés (cf. Núm 11,17), Davi (cf. 2 Sam 23,2), Elias (cf. 4 Rs 2,9), os profetas em geral. Por excelência, como se dirá mais abaixo, dever-se-ia derramar sobre a natureza humana do Messias, chamado a ser Rei, Sacerdote e Profeta em grau eminente (cf. Is 11,2).
Na plenitude dos tempos, a plenitude do Espírito Santo devia ser outorgada não somente a indivíduos privilegiados, mas a todos os justos. É o que prediz muito claramente o profeta Joel: num quadro dramático, Javé promete «derramar seu Espírito sobre toda carne», de modo a renovar o mundo (3,1). Ezequiel, por sua vez, anunciava a renovação interior dos fiéis mediante o Espírito de Deus como característica da era messiânica; dando o seu Espírito ou um novo princípio de vida aos homens, Javé os tornaria observantes da Lei Divina, portadores de frutos de justiça e santidade, que o Espírito faria germinar à semelhança da água que toma fecunda a terra (cf. Ez 36,26s ; 37,14 ; 39,24.29 ; Is 32,15-19; Zac 12,10).
A efusão do Espírito devia efetuar-se por intermédio do Messias. Este em sua natureza humana seria cumulado dos dons do Espírito Santo, a fim de realizar a sua obra de salvação (cf. Is 11,1-3 ; 42,1 ; 61,1).
No Novo Testamento, Cristo aparece realmente como o depositário do Espírito Santo: sobre a sua santíssima humanidade desceu o Espírito no dia do batismo (cf. Mt 3,16), penetrando-a à semelhança do óleo com que se pratica uma unção; dai o nome de Ungido (= Christós, em grego; Mashiah, em hebraico) que toca a Jesus: «O Espírito do Senhor está sobre mim, pois que me consagrou por uma unção», diz o Salvador no inicio da sua vida pública, citando Is 61,1 (cf. Lc 4,17-22).
E note-se como em torno de Jesus, justamente no limiar da era messiânica, como que para assinalar a presença do Ungido, surge um grupo de figuras ricamente agraciadas pelo Espírito Santo: Elisabete (cf. Lc 1,41-43), Zacarias (cf. Lc 1,67), João Batista (cf. Lc 1,15), Maria Santíssima (cf. Lc 1,35), Simeão (cf. Lc 2,25-32), a viúva Ana (cf. 2,36-38)…
Antes de sua volta ao Pai, Jesus, confirmando as predições do Antigo Testamento, prometeu enviar a todos os fiéis o Espírito Santo, o qual se tornaria o Advogado ou Consolador (= Paráclito) e o Mestre interior de cada um (cf. Jo 7, 37-39; 14,16s. 26 ; Lc 24,49 ; At 1,4). Pelo Espírito e no Espírito de Deus é que haviam de viver os discípulos de Cristo (cf. 1 Cor 12,3).
O dom do Espírito foi realmente outorgado na plenitude dos tempos por obra do Messias.
Enquanto Jesus não estava glorificado, o Espírito ainda não era dado, diz o Evangelista S. João (cf. 7,37), pois na verdade o Espírito Santo devia ser enviado aos fiéis não somente como dom do Pai Eterno, mas também como fruto da obra da Redenção (o Espírito devia como que jorrar da Ssma. humanidade de Cristo batida ou ferida contra o madeiro da cruz, à semelhança da água que no deserto emanou da rocha batida pela vara de Moisés a fim de dessedentar o povo ; cf. Núm 20,7-11; 1 Cor 10,4). Consequentemente, logo depois da Ascensão os dons do Espírito Santo começaram a se derramar sobre os fiéis.
Já no dia de Pentecostes, após a descida do Paráclito sobre os Apóstolos, São Pedro podia declarar que a predição de Joel se tinha cumprido sob a forma de primícias (cf. At 2,17-21). A realização plena do oráculo devia abranger a cada um dos cristãos em particular, como acrescentava o Apóstolo à multidão que, impressionada pelo portento de Pentecostes, lhe perguntava o que devia fazer:
“Arrependei-vos; que cada um de vós se faça batizar em nome de Jesus Cristo para a remissão dos pecados; recebereis então o dom do Espírito Santo, pois em favor de vós, de vossos filhos e de todos os que estão longe é que foi feita a promessa” (At 2,38s).
Por conseguinte, após o dia de Pentecostes, através dos tempos, o Espírito Santo havia de ser comunicado aos fiéis… Ora a Escritura mostra como realmente no decorrer de sua obra missionária os Apóstolos, mediante preces e imposição das mãos, comunicavam o Espírito Santo a todos os que abraçavam a fé (a imposição das mãos é rito já usado no Antigo Testamento para simbolizar a aplicação ou a transferência de um dom espiritual ; cf. Num 11,16s.24; 27, 18-20).
Três são os textos mais importantes que a este propósito ocorrem:
a) At 8,4-25. Os Apóstolos em Jerusalém ouviram que na Samaria o diácono Filipe anunciara o Evangelho e batizara muitos recém-convertidos, os quais, porém, não haviam recebido o Espírito Santo (donde se poderia deduzir que o diácono não tinha a faculdade de O conferir). Enviaram então àquela região Pedro e João, os quais, orando e impondo as mãos, comunicaram o Espírito Santo aos fiéis. Aconteceu, porém, que Simão Mago, tendo presenciado o acontecimento, quis comprar do Apóstolo Pedro o poder de dar o Espírito; ora São Pedro não lhe respondeu que não se efetuava comunicação do Espírito, nem que esta era independente de algum rito, mas simplesmente que o poder solicitado não podia ser adquirido a dinheiro.
b) At 19,1-7. Em Éfeso São Paulo encontrou um grupo de doze discípulos, aos quais perguntou se já haviam recebido o Espírito Santo. Ao saber, porém, que só tinham sido batizados no batismo de João, completou-lhes a catequese e mandou-os batizar em nome de Cristo; a seguir, por imposição das mãos, comunicou-lhes o Espírito Santo.
Estes dois episódios sugerem algumas conclusões: 1) a comunicação do Espírito por meio de preces e imposição das mãos é rito diferente do batismo, podendo este ser administrado sem aquela; 2) o ministro do batismo nem sempre está habilitado a proceder à imposição das mãos; esta parece reservada aos chefes da comunidade; 3) muito pouco plausível seria admitir que a comunicação do Espírito Santo tenha sido, por instituição dos homens, associada à imposição das mãos (criatura alguma poderia fazer que tal efeito sobrenatural dependesse de uma cerimônia natural); é de supor, portanto, que Cristo mesmo haja instituído o rito comunicador do Espírito Santo, rito verdadeiramente sacramental.
c) Hebr 6,1-6. O autor sagrado propõe-se recordar aos leitores os artigos fundamentais referentes a Cristo, ou seja, as verdades que eram ensinadas aos catecúmenos logo que entravam no seu currículo cristão (cf. 5,11-14). Seis são esses artigos, que o Apóstolo agrupa em três pares:
- o abandono das obras mortas e a fé em Deus;
- a doutrina sobre os batismos e a imposição das mãos;
- a ressurreição dos mortos e o juízo eterno (6,1s).
Que será a imposição de mãos aqui mencionada ? É, sem dúvida, um rito intimamente associado ao batismo, sem, porém, se confundir com este (como a ressurreição e o juízo final, a penitência e a fé estão intimamente unidas entre si, mas não se identificam mutuamente). Tem por efeito (delicadamente insinuado em 6,4) dar participação no Espírito Santo. Trata-se, como bem se crê, de rito idêntico ao que é referido no livro dos Atos (cc. 8 e 19), de mais a mais que em Hebr 6 é enumerado dentro da mesma série que ocorre em At 2,38s: penitência, fé, batismo, imposição das mãos (cf. pág. 103 deste fascículo).
A alusão aos «batismos» (no plural) significa que todo catecúmeno conhecia o valor próprio do sacramento cristão, distinguindo-o bem do batismo de João e dos demais ritos de ablução e purificação que estavam em uso entre os judeus.
Ora note-se que em Hebr 6 a imposição das mãos subsequente ao batismo e comunicadora do Espírito faz parte do fundamento (themélion) da religião cristã. O fundamento, porém, não pode provir senão do Fundador… Donde se segue que o mencionado rito se deve à instituição de Cristo mesmo; de resto, os Apóstolos confessavam que não eram senão «os ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus» (1 Cor 4,1).
Eis, porém, que uma dificuldade se põe: não se poderia dizer que a imposição das mãos na antiga Igreja era destinada apenas a produzir dons extraordinários (glossolalia, profecia, etc.), como se lê em At 19? As subsequentes gerações cristãs não a terão indevidamente transformado em instituição ordinária? — A dúvida se elucida se consideramos, de um lado, que Cristo prometeu o Espírito a todos os fiéis, sem restrição de época; de outro lado, a imposição de mãos, enumerada em Hebr 6 juntamente com a penitência, a fé, o batismo…, aparece como instituição fundamental e, por isto, permanente do Cristianismo; ao contrário, os carismas ou dons extraordinários são graças esporádicas que, na antiga Igreja, eram dadas com frequência em vista de rápida difusão do Cristianismo; por isto, independentemente de dons milagrosos, a comunicação do Espírito por imposição das mãos é necessária na Igreja, destinando-se sempre a produzir o carisma ou o dom máximo, cujos efeitos são, muitas vezes, invisíveis, a saber; o dom da caridade (cf. 1 Cor 12,31).
E quando terá Cristo instituído o rito de comunicação do Espírito?
Os teólogos propõem mais de uma sentença sobre o assunto. A resposta mais provável, porém, parece depreender-se das seguintes considerações.
O episódio da descida de Cristo nas águas do Jordão (Mt 3,13-17; Mc 1, 9-11; Lc 3,21s) foi em todos os tempos considerado como uma das cenas mais importantes da vida de Jesus. Muitos Padres e escritores antigos afirmaram ter sido então instituído o sacramento do batismo (pois Cristo por seu contato santificou as águas), sentença que exegetas não-católicos hoje em dia igualmente professam.
Tenha-se em vista o texto:
“Naqueles dias Jesus de Nazaré veio da Galiléia e foi batizado por João no Jordão. E, logo que saiu da água, viu os céus abertos e o Espírito que, como pomba, descia sobre Ele, e dos céus fez-se ouvir uma voz: ‘Tu és meu Filho bem-amado, em Ti me comprazo’ ” (Mc 1,9-11).
Como se vê, no episódio acima o Evangelista distingue dois atos sucessivos: a ablução ou o contato de Jesus com as águas, e a descida (poder-se-ia dizer: a unção) do Espírito que se deu quando o Senhor emergiu e que sagrou aos olhos do mundo Jesus como Rei, Sacerdote e Profeta dos tempos messiânicos (cf. Lc 4,18 ; At 10,18). Ora a cena que inaugurou a vida pública de Cristo é certamente tipo do que se dá em toda iniciação cristã (o cristão é, sim, um outro Cristo); na base desta observação distinguir-se-ão também dois atos no processo da iniciação cristã: a ablução do catecúmeno e a descida do Espírito Santo, ou seja, o sacramento do batismo e o da confirmação (embora estes dois ritos tenham sido frequentemente administrados durante a mesma função litúrgica na antiguidade, o livro dos Atos dá testemunho de que também podiam ser separados por certo intervalo de tempo). — Em conclusão, pergunta-se : Cristo, na cena inaugural de sua vida messiânica deixando entrever o batismo e a unção dos fiéis por comunicação do Espírito Santo, não terá ao mesmo tempo instituído esses dois ritos sagrados? Enquanto Jesus não estava glorificado (cf. Jo 7, 37-39), o sacramento da crisma não podia ser apresentado de maneira mais concreta; era preciso que viesse a solenidade de Pentecostes para que se pudesse explicitar todo o conteúdo da cena do Jordão.
Resta, porém, ainda uma questão atinente à matéria do sacramento.
Se a Sagrada Escritura refere que a comunicação do Espírito se fazia por imposição das mãos, como se justifica a unção hoje praticada juntamente com aquela?
Não há dúvida, é sentença comum entre os teólogos que a matéria próxima do sacramento da confirmação consta de imposição das mãos, impressão do sinal da cruz sobre a fronte do cristão e unção com óleo sagrado.
Há autores que querem justificar tal sentença dizendo que os Apóstolos efetuavam a unção juntamente com a imposição das mãos, mas que S. Lucas, cioso de brevidade nos Atos dos Apóstolos, quis mencionar apenas um dos dois ritos. Tal explicação não deixa de parecer um tanto artificiosa. Reconheça-se o silêncio da Escritura, sem formular alguma interpretação a respeito. O fato é que do séc. III em diante os escritores (Tertuliano, em 200 aproximadamente; Hipólito Romano, em 220…) atestam a prática da unção. Pois bem, tenha estado em vigor entre os Apóstolos ou não, esta era sugerida por textos da S. Escritura mesma que apresentam o Espírito Santo como o Bálsamo, e a comunicação do Espírito como a unção com que são agraciados o Redentor e os remidos (daí os nomes de Cristo = Ungido, e cristãos…).
Assim notem-se, além do trecho de Lc 4,18 (citado à pág. 102 deste fascículo), os dizeres de S. Pedro em At 10,38: “Deus ungiu (Jesus de Nazaré)] com o Espírito Santo e poder»; o que quer dizer: o Pai derramou sobre a santíssima humanidade de Jesus a plenitude dos dons do Espírito Santo, de sorte que o Redentor, como homem, vivia continuamente sob o impulso do Espírito de Deus. A ideia, aliás, de que o Salvador seria o Ungido por excelência se deriva da noção de que Ele se tornaria eminentemente Rei, Sacerdote e Profeta e, por conseguinte, deveria receber uma unção, como os reis e sacerdotes a recebiam no Antigo Testamento (cf. 1 Sam 10,ls; Ex 29,30). No que diz respeito aos cristãos, observe-se que os Apóstolos apresentam a comunicação do Espírito como sendo «a unção que provém do Santo» (1Jo 2,20.27; cf. 2 Cor 1,21).
Foram essas concepções que sugeriram aos antigos chefes das comunidades cristãs simbolizassem a comunicação do Espírito Santo não somente mediante a imposição das mãos, mas também mediante uma unção com bálsamo sagrado; o cristão reproduz, sim, a vida do Cristo; é, espiritualmente, um «ungido». — A praxe da unção, desde que promulgada pela voz oficial da Igreja, goza de indiscutível autoridade para o católico, pois não é necessário que todos os ritos do culto estejam explicitamente delineados nas páginas da Sagrada Escritura (a respeito da Tradição como fonte da Revelação, veja-se «P. R.» 7/1958,qu. 2).