Quando se dá a infusão das respectivas almas humanas a gêmeos (dois ou mais) que se desenvolvam de um só óvulo?
1. Sobre a época em que é infundida a alma humana (intelectiva) a um embrião (gêmeo ou não gêmeo), duas são as teorias debatidas por biólogos e filósofos (cf. P. R. 3/1957, qu, 3) :
a) a mais antiga é a da «animação mediata»; afirma que o feto vai sendo vivificado sucessivamente por alma vegetativa e alma sensitiva, até que atinja o desenvolvimento necessário para ser sede da alma racional ou humana propriamente dita (o que se daria quarenta ou oitenta dias após a conceição, respectivamente no embrião masculino e no feminino, segundo a teoria de Aristóteles, +322 a.C.);
b) a mais recente teoria, propugnada tanto por fisiólogos como por filósofos, ensina dar-se a infusão da alma intelectiva no instante mesmo em que o óvulo é fecundado; julgam os autores modernos que, desde esse momento, há no feto a organização pressuposta para que nele exista uma alma racional.
Qualquer das duas teorias é aceitável à luz da fé católica (ainda recentemente o bispo Mons. A. Lanza defendia a tese da «animação por etapas», embora não seja a mais comum entre os autores católicos contemporâneos; cf. o artigo «La questione dei momento in cui l’anima razionale è infusa nel corpo», em «Bollettino Filosofico» 4 e 5 [1938 e 1939]). O Papa Inocêncio XI, aos 2 de março de 1679, apenas rejeitou a proposição dos que julgavam provável que o embrião, antes de nascer, ou seja, no período de gestação no seio materno, não possuía alma racional; tais autores queriam justificar o aborto como se não fosse homicídio (cf. Denzinger, Enchiridion 1052). Independentemente, porém, da teoria que se professe sobre a época da infusão da alma racional (questão que a Santa Igreja em absoluto não quer definir), a Moral Católica tem o aborto direto na conta de ato gravemente ilícito, qualquer que seja a fase da gestação em que se cometa; já que praticamente permanecem dúvidas sobre a existência ou não, de alma humana no feto, quem pratica o aborto direto, aceita o risco de cometer um homicídio, atitude que já por si é condenável ; o aborto é, em qualquer caso, a destruição da vida iniciada de um homem.
2. À luz destas premissas, passemos agora à questão da formação dos gêmeos no seio materno.
Duas são as vias pelas quais se podem originar os gêmeos:
a) Dois ou mais óvulos são fecundados por dois ou mais espermatozoides; tem-se então gêmeos «fraternos, biovulares ou pluriovulares» (também ditos «bicoriais ou pluricoriais»; o cório vem a ser a membrana que nos mamíferos envolve o ovo fecundado). Em tal caso, a questão da infusão da alma humana põe-se nos mesmos termos da fecundação simples considerada no princípio deste artigo: o problema filosófico e religioso não oferece modalidades novas.
b) Mais estranho ê o caso em que de um só óvulo se formam dois ou mais (até o máximo de cinco, na espécie humana) fetos (gêmeos «idênticos, monovulares ou monocoriais»). É o fenômeno da poliembrionia, que dá origem a prole toda pertencente ao mesmo sexo e dotada de notas comuns de fisiologia e psicologia (até de impressões digitais) que surpreendem o observador. Esses gêmeos se devem ao fato de que o ovo já fecundado se subdivide, por motivos ainda não plenamente elucidados pelos biólogos, em dois ou mais embriões; cada uma das células então resultantes é portadora de todo o potencial necessário para produzir um indivíduo humano; em consequência, cada uma das células que, se não fosse a divisão do ovo, teria contribuído com 50 % ou 25 % ou menos ainda para a obtenção de um único vivente, contribui por si só (100%) para a formação de um ser humano completo. Isto se explica pelo fato de que o embrião nas suas fases iniciais é assaz simples, de modo que sua estrutura específica se salvaguarda em cada célula que então dele se separe.
Que dizer agora sobre a questão filosófica da infusão da alma nos gêmeos monocoriais?
O espermatozóide e o óvulo antes da fecundação se comportam como instrumentos portadores da vida dos respectivos genitores; não têm principio vital próprio, mas são vivificados pelos dos genitores; caso se separem do organismo destes, a vida continua a existir neles a título de entidade transitória (em todo instrumento as virtualidades da causa principal se encontram a título transitório). Somente depois que o esperma e o óvulo se fundiram num embrião caracterizado por suas notas individuais é que se pode admitir o surto de um princípio vital novo (diferente do dos respectivos genitores). No caso, pois, dos gêmeos monocoriais somente após a última e definitiva subdivisão do ovo em embriões independentes é que se pode falar da origem de princípios vitais próprios. Antes desta subdivisão o processo de fecundação ainda está em via ; por conseguinte, o ovo vive da entidade fluente que anima os elementos no processo de via.
Uma vez feita a partição definitiva do ovo em embriões independentes, aplica-se a cada um dos novos fetos a tese da animação mediata ou imediata anteriormente exposta; o problema então recai nos termos dos casos simples.
A titulo de ilustração, segue-se uma estatística publicada pelo médico italiano Chiarugi, concernente à frequência do nascimento de gêmeos:
os partos de dois gêmeos ocorrem na proporção de um caso para 84,6 casos de parto simples (no Japão a porcentagem ainda é mais exígua);
os de três gêmeos, na proporção de um caso para 6.731 partos simples;
os de quatro gêmeos, na proporção de um caso para 963.612 partos simples;
os de cinco gêmeos, na proporção de um caso para 23.608.502 partos simples (fenômeno que talvez não se tenha verificado mais de 60 vezes nos últimos 500 anos; tenham-se em vista as quinquegêmeas Dionne, U.S.A.