O renascimento da intelectualidade católica brasileira já é uma realidade. Veja-se nos últimos anos o surgimento de diversas editoras que fazem um brilhante trabalho de resgate de obras outrora esquecidas, bem como a criação de centros culturais católicos, que visam a restauração da cultura católica de nosso país, que parece ter sido esquecida até por parte do clero.
Tais acontecimentos são, sem sombra de dúvida, obra do Espírito Santo, que norteia a Igreja na sua busca pela santificação. Contudo, não se pode somente buscar a compreensão intelectual da fé, pois a mensagem evangélica é muito mais profunda do que qualquer obra possa nos passar: é o doar-se ao outro, sacrificando-se a si mesmo em suas paixões, desejos e egoísmos. É buscar mais o bem do outro que o próprio. É um imolar-se em nome do amor maior: o Cristo. Daí há a necessidade de não se prender somente ao saber, mas também ao ser: “Sede simples como as pombas” (Mt 10, 16).
Assim, em toda a história da Igreja houve exemplos de grandes santos que não precisaram ser grandes intelectuais para alcançar um alto grau de intimidade com Deus, pois as virtudes intelectuais só fazem sentido se acompanhadas pelo profundo amor a Deus. Como exemplo, podem ser citados Santa Catarina de Sena, terciária dominicana semianalfabeta que é Doutora da Igreja; São José Cupertino, padroeiro dos estudantes com dificuldades; Santa Teresinha do Menino Jesus, que em sua autobiografia se dá conta de que “não precisa saber muito para ser santa”, entre muitos outros que provaram que o chamado à santidade é universal.
No caso do Brasil, não é diferente, mesmo que ainda não haja a cultura de reconhecer oficialmente os santos pátrios por meio a abertura de processos de beatificação (isso está mudando aos poucos). O fato é que no sertão baiano, mais especificamente num município chamado Itaberaba, no povoado de Alagoas, em 15 de Agosto de 1923, festa da Assunção de Nossa Senhora, nascia uma menina que passaria despercebida por muitos, que nada deixou registrado, que nada produziu intelectualmente, mas que, nas palavras de uma de suas devotas, “escreveu para sempre nos corações” daqueles que tiveram a oportunidade de conhecê-la.
Seu nome: Maria Milza Santos Fonseca, chamada carinhosamente de “Mãezinha”. Conta-se que na noite de seu nascimento, a lua tinha um brilho maior que o normal, fato que foi comentado pelos seus pais. Talvez isso já denotasse uma eleição da parte de Deus para a missão que a ela foi confiada…
Desde a infância, Milza manifestava um amor incondicional aos pobres e necessitados. Não era fácil para ela ver alguém que estivesse sofrendo. Mesmo sendo muito simples e humildes, seus familiares contam que ela retirava coisas da despensa da sua casa para dar aos famintos, e também fazia de tudo para conseguir medicamentos para os doentes. Essa foi a primeira manifestação de seu carisma: amar aqueles que ninguém ama.
Contudo, por volta de seus 32 anos, iniciaram-se os fenômenos místicos. Ela teve uma “locução interior”, na qual ouvia uma voz que dizia que a partir daquele dia ela curaria cegos, aleijados, e que saberia a vida das pessoas. Mesmo sendo católica praticante, Maria Milza não compreendia aquilo que estava acontecendo consigo, chegando a crer que enlouquecera. Mas Deus por vezes age assim: escolhe os humildes para confundir os sábios e soberbos (1 Cor 1, 27-29).
Assim, começaram os milagres na região. Paralíticos andavam, cegos enxergavam depois de Milza tocá-los, o que fez com que sua fama de “santa” se espalhasse na região. Muitos poderiam crer que ela se envaidecia com tudo isso, ocorria, porém, justamente o contrário: quanto mais as pessoas queriam lhe atribuir as curas, mais ela dizia que tudo era obra de Nossa Senhora das Graças, o que era constatado por meio de seu famoso bordão: “Viva a felicidade! Viva Nossa Senhora das Graças!”. Ela sempre evitava entrevistas e dispensava jornalistas curiosos que iam ao povoado para realizar matérias sobre ela, mas as curas chegaram a tal ponto que ela não conseguia evitar que falassem dela em alguns meios de comunicação.
Um dos prodígios mais notáveis ocorridos na região foi a cura de “Tó”, o Sr. Clóvis, que ficou paralítico aos cinco anos de idade, por conta de uma injeção, o que o levou a andar se arrastando com mãos e pernas no chão até os seus quinze anos de idade. Sabendo dos milagres ocorridos no povoado de Alagoas, os amigos de Tó o levaram até lá. Ao chegar, Maria Milza caminhou até ele, que no mesmo instante começou a se tremer e, inesperadamente, começou a caminhar normalmente no meio da multidão, que louvada e bendizia a Deus pela cura daquele irmão.
Quando as curas aconteciam, as pessoas queriam lhe presentear como forma de agradecimento. Ela sempre recusava as ofertas, e, se recebia, dava aos pobres. Costumavam também lhe dar roupas, e, para que isso não acontecesse, mesmo não pertencendo a nenhuma congregação religiosa, Milza escolheu padronizar sua vestimenta: sempre de vestido branco do mesmo modelo, sem tirar o véu branco da cabeça, usando também singelos sapatinhos brancos. A medalha milagrosa de Nossa Senhora das Graças sempre ao pescoço, a qual ela insistia para que todos usassem, e o seu terço sempre à mão.
Além das já referidas locuções interiores, Maria Milza tinha visões de Nossa Senhora, e também recebia mensagens da Virgem, que passava ao povo posteriormente. As mensagens eram sempre de fé, de amor e de consolo, comprovando o amparo maternal que Maria Santíssima nos dá mesmo em meio às maiores turbulências da vida. As palavras de Milza eram simples, e levavam àquele povo mais sofrido os ensinamentos básicos da fé. A obediência, a oração do santo Terço, o amar Nossa Senhora, o adorar Jesus no Santíssimo Sacramento, tudo isso era ensinado por ela, que, para falar para a multidão aglomerada em torno de sua casa, subia num simples palanque de madeira até hoje conservado, o que facilitava sua comunicação para com todos. Quando algo na sua pregação simples precisava de melhora, ela humildemente acolhia a exortação dos membros do clero que iam até lá.
E, acerca do clero, Maria Milza tinha um dom muito interessante: o reconhecimento de Padres e freiras em meio à multidão, mesmo que esses estivessem sem seus hábitos religiosos, e quando se tratava de um sacerdote, ela se ajoelhava e pedia para se confessar. Este é outro ponto da espiritualidade de Mãezinha: ela sempre dizia que o cristão deveria obedecer a Deus e à Igreja. Em tempos em que muitos caem no infeliz erro de realizar ataques pessoais aos sacerdotes, Milza tinha inserido no seu coração que um padre é alguém “in persona Christi”. Ela tinha consciência que por mais vil e pecador que fosse um sacerdote, este tem suas mãos ungidas para nos trazer Jesus, à semelhança da Virgem Maria. Aqui não se discute a questão da santificação do clero, pois sim, é mais que necessário ter sacerdotes santos, e se não se tem, ao menos a dignidade deles deve ser reconhecida, que era o que ensinava Milza.
A Mãezinha de Alagoas também sabia o que se passava nas consciências das pessoas. São inúmeros relatos em que ela manifestou esse carisma. Cite-se o fato de que certa vez um Ministro Extraordinário da Eucaristia não se confessava há um certo tempo. Ele não contou isso a ninguém, mas Milza, com seu carisma, percebeu essa situação preocupante, e o exortou para que se confessasse, ao que ele respondeu com vaidade: “Eu sou ministro da Eucaristia!”. Mãezinha, com sua humildade o desmontou: “Por isso mesmo que deve se confessar”, respondeu ela.
Outra manifestação desse carisma se deu quando um famoso professor universitário disse que iria ao povoado de Alagoas para desmascará-la. Ao chegar lá, Milza caminhou até ele, olhou-lhe nos olhos e disse:“Não é o senhor que veio aqui me desmascarar?”, e apontou ainda uma doença que o homem tinha e que por vergonha não contava para a esposa. Ele saiu de lá crendo que os dons daquela mulher vinham do alto, bem como também foi curado da enfermidade.
Em vida, ela também teve um encontro com a hoje Santa Dulce dos Pobres, a primeira Santa brasileira, durante uma viagem a Salvador. Conta-se que Dulce já estava mal de saúde, e que estava preocupada com quem assumiria as suas obras sociais. Maria Milza disse para Dulce que não se preocupasse, pois alguém próximo a ela assumiria o comando das obras. E a profecia se cumpriu: depois do falecimento de Santa Dulce, a sua sobrinha Rita assumiu a administração das Obras Sociais.
São inúmeros os fatos milagrosos narrados sobre essa mulher, que com sua humildade, socorria sempre os fracos e pequenos e lhes ensinava o amor a Jesus e a Maria. Muito querida por todos, chegou o momento em que ela sabia que partiria. Antes da festa de Nossa Senhora das Graças de 27 de Novembro de 1993 (esta festa continua a ser celebrada até os dias de hoje no povoado), ela estava triste naquele dia, mas disse às pessoas que no próximo ano seriam eles que realizaram a festa, depois chorou muito e ninguém sabia o motivo da tristeza. Muitos nem queriam pensar na possibilidade de sua partida, mas ao que parece, Deus mesmo havia lhe revelado, pois ela comentou que se vira numa cama de hospital com fios coloridos presos ao pescoço. Ela inclusive disse que Nossa Senhora pedia que todos rezassem pelos infiéis, aqueles que estão nas falsas doutrinas (protestantismo, umbanda, etc). Dias depois, sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral), e foi internada em estado de coma. Uma enfermeira narra que ela, mesmo nesse estado, sentou-se na cama de mãos postas, como que rezando, deitando-se segundos depois.
Sua partida para Aquele a quem amou e serviu se deu no dia 17 de Dezembro de 1993. Seu velório foi acompanhado por familiares e por aquele povo simples que ela tanto amou. Seu corpo está enterrado dentro da Igreja do povoado de Alagoas, em Itaberaba, e o local continua sendo de peregrinação para aqueles que acreditam na intercessão dessa boa senhora que só viveu para amar e servir.
Estas linhas são poucas para falar de Maria Milza. Em sua simplicidade, ela foi extraordinária. Em seu despojamento de si, ela foi completa para os outros. Em sua humildade, ela foi uma gigante diante de Deus. Sua vida, se imitada, renderá grandes frutos de santidade para aqueles que ousarem se aventurar em seu carisma: o amor pelos mais fracos e necessitados, a intensa vida de oração, a simplicidade e a humildade de coração.
Para quem quiser se aprofundar mais na vida dessa santinha sertaneja, recomenda-se a leitura de sua biografia, escrita pelo Padre Gabriel Vila Verde, de onde foi extraída a maioria dos acontecimentos aqui registrados. Clique aqui para adquirir.
Retomando o início do texto, ressalte-se que o intuito do texto não é o de criticar o resgate do pensamento intelectual católico, mas apenas de recordar que não se deve esquecer do mais importante: o amor ao próximo por amor a Cristo deve fundamentar tudo, pois a fé sem obras é morta. Milza não foi uma grande intelectual, muito provavelmente sequer sabia da existência de tratados de teologia moral, por exemplo, mas a graça de Deus agiu de tal forma nela, que a sua própria vida compilava todas essas obras junto aos preceitos evangélicos.
Também não é o objetivo do texto sobrepor-se a qualquer decisão tomada pela Igreja em relação à provável beatificação de Mãezinha. Tal como ela, tudo está submetido à autoridade da Santa Igreja, para que decida qual o melhor caminho. Mas uma coisa é fato: a canonização de Maria Milza já aconteceu no coração de cada um de seus devotos, e daqueles que por sua intercessão, receberam as mais belas graças do céu.
Oração pela Beatificação de Maria Milza (com aprovação eclesiástica)
Deus da Vida, nossa terra foi visitada e abençoada por um sinal da Tua misericórdia e ternura: Maria Milza, Mãezinha de Alagoas – BA. Partindo dos mais pobres, doentes e abandonados, ela foi para todos um testemunho de fé, uma mão acolhedora, uma prova de total doação. Pudemos experimentar, através dela, o vosso amor de Pai. Que seu exemplo e memória continuem no meio de nós, como uma bênção e um compromisso de viver as bem-aventuranças, como ela as viveu. Conforme for de Vossa vontade, pedimos que a humildade de Mãezinha, assim como a tantos sustentou na terra, a exemplo de Maria no caminho de Cristo, possa ser glorificada como vossa serva e nossa intercessora. Amém.
Mãezinha, interceda junto ao Coração de Jesus, para que… (pedir a graça).
Coração Divino de Jesus, providenciai.
Que ela no Céu peça a Jesus por nós