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“Socialização” na Encíclica Mater et Magistra

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Que quer dizer a socialização da qual fala o Papa João XXIII na sua encíclica ‘Mater et Magistra’? Não equivale a um passo da Igreja em direção do socialismo? Como a encíclica concebe as relações entre indivíduo e sociedade? Entre propriedade particular e propriedade pública? Entre patrões e operários?

A encíclica «Mater et Magistra» (Mãe e Mestra), comemorativa do 70o aniversário da «Rerum Novarum» (as encíclicas papais costumam ser designadas pelas suas duas palavras iniciais), exprime o pensamento da Igreja a respeito da questão social tal como ela hoje se põe. É um documento extraordinàriamente amplo e significativo (com as suas 25.000 palavras, constitui a mais longa encíclica papal da história); a sua publicação foi precedida de vários meses de trabalho (durante os quais colaboraram especialistas no assunto) e viu-se mais de uma vez protelada por causa de retoques de última hora. Tem despertado a atenção do mundo inteiro, que às vezes se equivoca sobre o sentido de certos dizeres pontifícios; dentre estes, o mais controvertido é a «socialização» afirmada por Sua Santidade.

A este tema. portanto, voltaremos a nossa atenção, considerando-o em si mesmo e em seus aspectos correlativos.

Socialização e Socialismo

Tem-se dito que o Papa João XXIII, na segunda parte da encíclica (n. 56-64), falando de «socialização», ensina o socialismo, de acordo com tendências esquerdistas contemporâneas…

O mal-entendido se desfaz imediatamente, desde que se levem em conta as correspondentes expressões do texto original : «rationes sociales, rationum socialium progressio». Estas locuções, ao pé da letra, querem significar o «modo comunitário ou social» de viver e de trabalhar; opõem-se a «modo individualista, particularista» e designam «a grande variedade de grupos, movimentos, associações e instituições, com finalidades econômicas, culturais, sociais, esportivas, recreativas, profissionais e políticas», que a vida moderna tem suscitado entre os homens (cf. no 57).

Em outras palavras : «socialização» consiste «na multiplicação progressiva das relações dentro da convivência social, com diversas formas de vida e de atividade associadas entre si» (n9 56).

Ora não resta dúvida de que tal conceito de socialização fica bem longe do que apregoa o socialismo esquerdista. Este deseja a supressão da propriedade particular, especialmente dos meios de produção, a fim de transferir tudo ao Estado (representante da sociedade), o qual se torna então o único e grande proprietário; a pessoa humana no Estado socialista perde seus direitos de afirmação livre e individual, ficando totalmente a serviço dos programas do governo. Ademais o socialismo é essencialmente materialista, desconhecendo os objetivos transcendentes do homem, só levando em conta o aspecto material e terrestre da vida (este ponto de vista é essencial no socialismo, de modo que, apesar de tentativas feitas por correntes modernas, é impossível a aliança de socialismo e Cristianismo; cf. «P.R.» 31/1960, qu.l).

É mesmo óbvia a oposição da encíclica a qualquer tendência que vise transferir os direitos próprios e característicos da personalidade humana para o Estado; a este compete apenas suprir e completar, nunca, porém, extinguir as livres iniciativas dos cidadãos:

«A ação dos poderes públicos, que deve ter caráter de orientação, de estimulo, de coordenação, de suplência e de integração, há de se inspirar no princípio de subsidiariedade formulado por Pio XI na encíclica ‘Quadragésimo anno’: ‘Deve contudo manter-se firme o princípio importantíssimo em filosofia social: do mesmo modo que não é licito tirar aos indivíduos, a fim de o transferir para a comunidade, aquilo que eles podem realizar com as forças e a indústria que possuem, é também injusto entregar a uma sociedade maior e mais alta o que pode ser feito por comunidades menores e inferiores. Isto seria ao mesmo tempo, grave dano e perturbação da justa ordem da sociedade, porque o objeto natural de qualquer intervenção da mesma sociedade é ajudar de maneira supletiva os membros do corpo social, e não destruí-los e absorvê-los’» (ene. «Mater et Magistra» no 50).

O antagonismo radical que separa Cristianismo e socialismo, é proclamado não somente pela Igreja Católica, mas também pelos próprios mentores do socialismo. Eis, por exemplo, como se exprimia Engels, mestre de Karl Marx, em 1843:

«Chama-nos a atenção o fato de que, no momento em que os socialistas ingleses são geralmente opostos ao Cristianismo,… os comunistas franceses… se dizem cristãos. Uma de suas máximas prediletas soa: ‘O Cristianismo é o comunismo’; e com o auxilio da Bíblia esforçam-se por prová-lo, referindo-se ao regime de comunismo em que teriam vivido os primeiros cristãos, etc. Isso, porém, só prova uma coisa: essa boa gente não pertence ao rol dos melhores cristãos, se bem que pretendam ser tais; se fossem dos melhores cristãos, conheceriam melhor a Bíblia e saberiam que, ao lado de algumas passagens favoráveis ao comunismo, o espírito geral da doutrina que ela propõe, é totalmente oposto ao comunismo» (Progress of social Reform).

Diria, porém, alguém : «Sejamos aliados dos comunistas na ação social, embora não compartilhemos as suas teorias». — A isto revidaria Lenine mesmo: «Sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário» (Que faire? 89). — Nesta frase, «revolucionário» equivale a «marxista».

Desenvolvendo o conceito de socialização, o Sumo Pontífice, explica ainda mais claramente como a entende:

«A socialização… torna sempre mais minuciosa a regulamentação jurídica das relações entre os homens em todos os domínios. Deste modo restringe o campo da liberdade de ação dos indivíduos… Segue métodos… que tornam difícil a cada um pensar independentemente dos influxos externos e agir por iniciativa própria… Sendo assim, dever-se-á concluir que a socialização… chegará a reduzir necessariamente os homens a autômatos?»

A esta pergunta o Santo Padre responde negativamente: «Não se deve considerar a socialização como resultado de forças naturais impelidas pelo determinismo; ao contrário, como já observamos, é obra dos homens, seres conscientes e livres, levados por natureza a agir como responsáveis, ainda que em suas ações sejam obrigados a reconhecer e respeitar as leis do progresso econômico e social e não se possam subtrair de todo à pressão do ambiente.

Por isso concluímos que a socialização se pode e deve realizar de maneira que se obtenham as vantagens que ela traz consigo e se evitem ou reprimam consequências negativas» (no 59-61).

Em uma palavra : o Santo Padre preconiza a união dos homens em sociedades tais que, de um lado, não sufoquem a livre iniciativa dos membros, obrigando-os a pensar e agir segundo padrões comuns e impessoais, mas que, de outío lado, não deixem de prestar aos indivíduos o necessário apoio ou complemento a fim de que consigam realizar sua personalidade e as’ sim contribuir para o bem comum.

Em particular, este princípio se aplica à determinação das

Relações entre individuo e Estado

As correntes sociológicas modernas (sejam as da extrema direita, sejam as da extrema esquerda) tendem a atribuir poderes cada vez mais amplos ao Estado, com detrimento para a livre iniciativa dos cidadãos; estes se veem mais e mais envolvidos ou sufocados por programas de ação governamentais…

Distanciando-se de tais correntes, a visão social cristã assinala à personalidade humana direitos que não é lícito ao Estado devassar ou subordinar. O Estado se origina por livre iniciativa dos indivíduos, para suprir ao que estes não podem obter por si, para supervisionar os empreendimentos de cada qual e assim encaminhar a todos para o verdadeiro bem comum. É o que a encíclica afirma, tendo em vista de maneira especial o setor da economia:

«O mundo da economia é criação da iniciativa pessoal dos cidadãos … Mas nele devem intervir também os poderes públicos com o fim de promover devidamente o acréscimo de produção… em beneficio de todos os cidadãos… Os poderes públicos… não podem deixar de se sentir obrigados a exercer no campo econômico uma ação multiforme, mais vasta e mais orgânica…

Contudo será preciso insistir sempre no principio de que a presença do Estado no setor da economia, por mais ampla e penetrante que seja, não pode ter como meta reduzir cada vez mais a esfera da liberdade na iniciativa pessoal dos cidadãos, mas deve, pelo . contrário, garantir a essa esfera a sua amplidão possível, protegendo efetivamente, em favor de todos e de cada um, os direitos essenciais da pessoa humana. Entre estes, é preciso enumerar o direito que todos têm, de ser e permanecer normalmente os primeiros responsáveis pela. manutenção própria e da família; ora isso implica que, nos sistemas econômicos, se permita e facilite o livre exercício das atividades produtivas …

A experiência ensina que, onde falta a iniciativa pessoal dos Indivíduos, domina a tirania política; há ao mesmo tempo estagnação nos setores econômicos, destinados a produzir sobretudo a gama indefinida dos bens de consumo; há, finalmente, estagnação nos serviços de utilidade geral que proveem não só às necessidades materiais, mas também às exigências do espírito : bens e serviços que exigem, de modo especial, o gênio criador dos indivíduos.

Onde, por outro lado. falta ou é defeituosa a necessária atuação do Estado, há desordem insanável; e os fracos são explorados pelos fortes menos escrupulosos, que medram por toda a parte e em todo tempo, como o joio no meio do trigo» (n° 48. 52. 54s).

À luz de tais princípios, percebe-se que não é licito ao Estado despersonalizar o cidadão e constituir-se em fim absoluto da atividade deste. Ao contrário, toda e qualquer intervenção do Estado deve tender a conservar e incrementar as atividades pessoais.

Assim se verifica quão acertada é a afirmativa de alguns sociólogos contemporâneos, segundo os quais «a idéia mestra e o princípio fundamental da doutrina social católica… é o respeito da pessoa humana. A pessoa, porém, só se pode realizar plenamente supera.ido-se a si própria, saindo do próprio egoísmo para devotar-se à comunidade. Nossa concepção personalista não ê individualista. Proclamar a dignidade da pessoa humana, seu destino imortal e seus direitos imprescritíveis, não é individualismo. Este erro pernicioso (o individualismo) pretende que o caráter social do homem é puramente acidental, quando na realidade é essencial e penetra por inteiro a natureza humana» (C. van Gestel, A Igreja e a Questão Social. Rio de Janeiro 1956, 148s).

«Proclamando o valor transcendente da pessoa humana, não contestamos de forma alguma a primaza do bem comum. Admitimos que os maiores sacrifícios na ordem temporal, até mesmo o sacrifício da vida, possam ser exigidos em nome do bem comum. Mas esses sacrifícios, longe de destruir ou diminuir o valor da pessoa humana, a consagram e elevam à perfeição (ib. 148).

Estas idéias encontram aplicação outrossim no setor de

Propriedade particular e propriedade pública

O direito da natureza humana à propriedade particular já foi provado em «P.R.» 23/1959. qu. 5. Os Papas, desde Leão XIII, o têm afirmado insistentemente.

Eis, porém, que a vida contemporânea parece permitir ou mesmo exigir remodelação dessa tese. Com efeito, o Estado hoje em dia costuma estabelecer amplos sistemas de aposentadorias e pensões, encarregando-se assim de prover àquilo que o indivíduo visa mediante a propriedade particular ou o pecúlio; não haveria então motivo para se pleitear a abolição deste?

Eis como S. Santidade o Papa João XXIII expõe a questão:

«Em nossos dias há bom número de cidadãos que, confiando em entidades asseguradoras ou de previdência social, olham com serenidade para o futuro, serenidade que, noutros tempos, se fundava sobre a posse de patrimônios, fossem embora modestos.

Nos nossos dias, o homem aspira mais a conseguir habilitações profissionais do que a tornar-se proprietário de bens…

Tais aspectos do mundo da economia têm contribuído para se pôr em dúvida… o direito natural à propriedade particular, mesmo em se tratando de bens produtivos» (nos 102, 103, 105).

Não há motivo, porém, para tal, prossegue o Santo Padre :

«Tal dúvida não tem razão de ser. O direito de propriedade particular. .. possui valor permanente pela simples razão de ser um direito natural fundado sobre a primazia ontológica e final de cada ser humano em relação à sociedade … Além disto, a história e a experiência provam que, nos regimes políticos que não reconhecem o direito à propriedade particular…, são oprimidas ou sufocadas as expressões fundamentais da liberdade; é legitimo, portanto, concluir que estas encontram naquele direito garantia e incentivo» (no106).

Em outros termos: são dignas de todo encômio as iniciativas do Estado moderno que têm em mira garantir a cada cidadão os meios de vida necessários em casos de doença, acidente, desemprego ou velhice. Contudo daí não se segue, possa ou deva ser extinto o direito ao pecúlio, pois, sem este, o homem fica sendo em tudo dependente da sociedade e do Estado; verá limitadas ou mesmo tolhidas as suas livres iniciativas. Ao contrário, é indispensável que todo indivíduo humano possa subsistir em si mesmo…; o símbolo dessa subsistência será o seu aposento particular ou a sua mansão, aposento no qual ele se possa livremente encontrar consigo mesmo e com seu Criador, a fim de se restaurar para as tarefas da vida pública.

No dizer do Sto. Padre Pio XII, o domicilio, por mais simples e pobre que seja, deve ser. pelo motivo acima, algo de sagrado para todo homem e toda mulher, de modo que estes se sintam felizes todas as vezes que voltam para o lar:

«Essa morada, na qual cada um deseja encontrar-se à noitinha, após os trabalhos, as fadigas, as ocupações da vida cotidiana, os homens a amam e a guardam com cuidado, como se guarda um santuário; cada um, segundo as suas aptidões próprias e as suas capacidades pessoais, esmera-se por embelezá-la e aí fazer reinar a ordem e a alegria» («Directives de S.S. Pie XII» 2738).

Todavia, ao reafirmar em tais circunstâncias o inviolável direito à propriedade particular, a Santa Igreja não deixa de acrescentar que esta possui uma função social assaz imperiosa; o que quer dizer: não é licito ao proprietário acumular bens e rendimentos sem se preocupar com as indigências do próximo; tendo uma vez conseguido o equilíbrio financeiro necessário para viver conforme a dignidade humana, o proprietário está obrigado a aplicar seus rendimentos em benefício dos indigentes.

É o que o Sto. Padre Pio XI lembrava nos seguintes termos :

«Não ficam de todo ao arbítrio do homem suas rendas disponíveis, isto é. aquelas que não são indispensáveis para sustentar sua vida convenientemente e com decoro. Ao contrário, um preceito muito grave intima aos ricos que deem esmola e pratiquem a caridade e a liberalidade conforme o testemunho constante e explícito da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja» (ene. «Quadragésimo anno»).

Por sua vez, a encíclica «Mater et Magistra» inculca:

«O direito à propriedade particular… tem inerente a si uma função social… como ensina sabiamente o Nosso Predecessor na encíclica ‘Rerum Novarum’: ‘Quem recebeu da liberalidade divina maior abundância de bens, ou externos e corporais ou espirituais, recebeu-os para os fazer servir ao aperfeiçoamento próprio e, simultaneamente, como ministro da Divina Providência, à utilidade dos outros: quem tiver talento, trate de o não esconder; quem tiver abundância de riquezas, não seja avaro no exercício da misericórdia; quem souber um ofício para viver, faça participar o seu próximo da utilidade e do proveito do mesmo’ (Acta Leonis XIII, XI 114).

Hoje tanto o Estado como as entidades de direito público vão estendendo continuamente o campo da sua presença e iniciativa. Mas nem por isso desapareceu, como alguns erroneamente tendem a pensar, a função social da propriedade particular; esta se deriva da natureza mesma do direito de propriedade. Há sempre numerosas situações aflitivas e indigências delicadas e agudas, que a assistência pública não pode contemplar nem remediar. Por isso continua sempre aberto um vasto campo à sensibilidade humana e à caridade cristã dos indivíduos. Observe-sé por último que, para desenvolver os valores espirituais, São muitas vezes mais fecundas as múltiplas iniciativas dos particulares ou dos grupos do que a ação dos poderes públicos» (no 116s).

Para se desempenhar dessa sua função social, o proprietário poderá praticar a esmola individual e ocasional. A experiência, porém, ensina que esta não constitui a forma mais eficaz de beneficiar o próximo. A assistência aos indigentes está hoje organizada por instituições particulares e públicas que de maneira mais sistemática e sábia procuram combater a miséria. Auxiliar a tais instituições constitui por vezes o melhor meio de prover ao próximo realmente necessitado. •

O Papa Pio XI insinuava o seguinte : com os seus rendimentos supérfluos, estará beneficiando a sociedade, o proprietário que os utilizar para proporcionar ao próximo novas fontes de trabalho vantajoso. como seriam talvez o cultivo de terras não aproveitadas e a criação de novas empresas:

«Quem aplica largos recursos disponíveis ao desenvolvimento de uma indústria, fonte abundante de trabalho remunerador, contanto que este trabalho seja empregado na produção de bens realmente úteis, pratica, de modo notável, particularmente apropriado às necessidades do nosso tempo, o exercido da virtude de magnificência» (ene. «Quadragésimo anno»).

Contudo não se poderia deixar de relevar que, conforme a consciência cristã, em certos casos é lícito ao Estado atribuir exclusivamente a si a posse e a administração de bens mais raros e custosos, dos quais os particulares poderiam abusar para explorar os seus concidadãos (dá-se então o monopólio estatal do fumo, por exemplo, do sal, do petróleo, etc.); é o bem comum que impõe tal restrição à propriedade particular. Também em determinadas circunstâncias podem ser recomendáveis a nacionalização de uma ou outra indústria, a imposição de um estatuto jurídico especial a certas empresas…; ao governo pode outrossim incumbir o direito de promover reforma agrária, reforma bancária, desapropriação (mediante justa compensação) de certos bens, etc.

Por último, lancemos um olhar sobre as relações de «trabalho e salário» ou de «operários e patrões», tais como são explanadas pela encíclica.

Trabalho e remuneração

Neste setor, o Sumo Pontífice inculca, antes do mais, que «a retribuição do trabalho, assim como não pode ser inteiramente abandonada às leis do mercado (leis da oferta e da procura), também não pode ser estipulada arbitràriamente; há de estabelecer-se, antes, segundo a justiça e a equidade. Ê necessário que aos trabalhadores se dê um salário que lhes proporcione um nível de vida verdadeiramente humana e lhes permita enfrentar com dignidade as responsabilidades familiares» (ene. «Mater et Magistra» n? 68).

Afirmando a necessidade de salário justo familiar, a Igreja não é contrária às novas formas de compensação do trabalho que consistem em participação nos lucros e cogestão.

a) Participação nos lucros:

«Hoje… as médias e grandes empresas conseguem com frequência aumentar rápida e consideràvelmente a sua capacidade produtiva por meio do autofinanciamento. Nesses casos, cremos poder afirmar que aos trabalhadores se deve reconhecer um titulo de crédito nas empresas em que trabalham, especialmente se ainda lhes toca uma retribuição não superior ao salário mínimo.

A tal propósito convém recordar o princípio exposto pelo Nosso Predecessor Pio XI na encíclica ‘Quadragésimo anno’: ‘É completamente falso atribuir só ao capital ou só ao trabalho aquilo que se obtém com a ação conjunta de um e outro; é também de todo injusto que um deles, negando a eficácia da contribuição do outro, se arrogue somente a si tudo o que se realiza’.

A essa exigência de justiça pode-se satisfazer de diversas maneiras que a experiência sugere. Uma delas, e das mais desejáveis, consiste em fazer que os trabalhadores possam chegar a participar na propriedade das empresas, da forma e no grau mais convenientes. Pois nos nossos dias, mais ainda que nos tempos do Nosso Predecessor, é necessário procurar com todo o empenho que, para o futuro, os capitais ganhos não se acumulem nas mãos dos ricos senão na justa medida. e se distribuam com certa abundância entre os operários» fenc. «Mater et Magistra» n? 72-74).

À Igreja não compete pronunciar-se sobre fórmulas concretas de participação nos lucros, contanto que realizem adequadamente a justiça social.

b) Cogestão.

Consiste em que os trabalhadores sejam chamados a participar da orientação geral da empresa, ao lado dos representantes do capital e da direção. Este chamado equivale a reconhecer o valor e a dignidade do trabalho do operário, assim como a parte que a este toca na produção dos bens. Contudo a cogestão só será viável se o operário possuir a formação técnica e os dados de cultura geral que o habilitem a proferir voz ativa na orientação de uma firma; sem isto, o operário estaria desambientado e a sua voz se poderia tornar nociva em vez de beneficiar a empresa.

«Seguindo a direção indicada pelos Nossos Predecessores, também Nós consideramos que é legitima nos trabalhadores a aspiração a participarem ativamente na vida das empresas em que estão inscritos e trabalham. Não é possível determinar antecipadamente o modo e o grau dessa participação, dependendo eles do estado concreto que apresenta cada empresa. Esta situação pode variar de empresa para empresa e, dentro de cada empresa, está sujeita a alterações muitas vezes rápidas e fundamentais. Julgamos contudo útil chamar a atenção para a continuidade da presença ativa dos trabalhadores, tanto na empresa particular como na pública; deve-se tender sempre para que a empresa se torne uma comunidade de pessoas, nas relações, nas funções e ha situação de todo o seu pessoal.

Ora isto exige que as relações entre empresários e dirigentes, “por um lado, e trabalhadores, por outro, sejam caracterizadas pelo respeito, pela estima e compreensão, pela colaboração leal e ativa, e pelo amor da obra comum; e que o trabalho seja considerado e vivido por todos os membros da empresa, não só como fonte de lucros, mas também como cumprimento de um dever e prestação de um serviço» (no 88s).

É, sem dúvida, ideal a perspectiva que o Santo Padre assim aponta a todos aqueles que trabalham e que até época recente têm considerado o trabalho preponderantemente como algo de penoso ou punitivo a que a natureza humana se deve submeter. O trabalho, na perspectiva cristã, vem a ser, antes, dignificação do homem, colaboração da criatura com o Criador na construção deste mundo.

Eis, assim realçados, alguns dos principais tópicos da encíclica «Mater et Magistra» ou da doutrina social da Igreja na hora presente.

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