A Graça e as Virtudes
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Fontes primárias
1. Textos de títulos idênticos no site do Opus Dei;
2. §§1803 – 2051 do Catecismo da Igreja Católica.
Na aula passada iniciamos a terceira parte do Catecismo, que trata da Vida em Cristo, a vida moral (comportamental) do cristão. Foi apresentado qual o fundamento da liberdade humana – a existência da alma – e a capacidade humana única de conhecer aquilo que é bom e de viver de acordo com esse conhecimento.
Na aula de hoje veremos duas condições para que o homem possa obedecer a verdade conhecida. Sem elas, ele retornará inevitavelmente à condição de pecado que lhe é originária – depois da queda. Essas condições são as virtudes e a graça divina.
A participação do homem na natureza divina se revela de modo mais claro na ação da graça. Necessária para que o homem se converta – mude de caminho, abandone os próprios pecados –, persevere na nova vida e entre na vida eterna, permite que ele coopere com a obra redentora de Cristo por meio de suas ações.
Apesar de as virtudes serem conhecidas no mundo antigo, especialmente pelos filósofos gregos, apenas com a Encarnação do Verbo Divino receberam sua real posição na vida humana. Tão necessárias o quanto sejam, sem a graça elas facilmente perdem a força, pois o pecado cria vícios com mais eficácia do que a razão consegue direcionar a vontade para longe dos sentidos.
É nessa harmonia das virtudes com a graça que a vida cristã se estrutura.
O lugar das virtudes na vida humana
O homem pode conhecer a Verdade pelo seu intelecto. Mas como pode viver de acordo com ela? A passagem da Verdade intelectual para a realidade prática não é fácil. A variedade de circunstâncias da vida humana impede qualquer aplicação direta e não ponderada da verdade intelectual às ações humanas.
Além disso, para que o homem seja bom, não é preciso apenas que ele aja bem uma vez, mas que o faça repetidamente e com constância. A multiplicidade e a perene mutabilidade da vida exigem algo mais do que o conhecimento intelectual da verdade. Esse algo são as virtudes.
A Igreja entende a virtude como “[…] uma disposição habitual e firme para fazer o bem. Permite à pessoa não só praticar atos bons, mas dar o melhor de si. Com todas as suas forças sensíveis e espirituais, a pessoa virtuosa tende ao bem, o procura e o escolhe na prática. ‘O objetivo da vida virtuosa é tornar-se semelhante a Deus’.” (§ 1803).
Sendo disposições habituais que encaminham o homem para o bem, é certo que elas também são necessárias para que conhecer o bem. Por isso as virtudes se dividem, tradicionalmente, em intelectuais e morais. As intelectuais são aquelas que dizem respeito à ordenação da alma para fins de conhecimento. As morais, para fins de prática, sendo, assim, também a ordenação do corpo.
Alguns pontos merecem maior atenção.
1. As virtudes são disposições habituais e firmes que direcionam o homem ao bem. Por “disposições habituais e firmes” entendemos que não são apenas bons desejos, bons sentimentos, ou mesmo boas ações individuais. Para que se chame certa disposição de virtude, é preciso que ela esteja presente com constância na vida de uma pessoa.
“Habitual e firme” significa que, como uma segunda natureza que inclina com vigor o homem para certa direção, a virtude não é inconstante, mesmo que possa falhar pontualmente. Um exemplo pode ser útil.
Quando um jovem adulto aprende a dirigir, suas ações são, nos primeiros meses, fruto de algum esforço consciente de lembrar o que fazer e de calcular como fazer cada movimento. Depois de alguns anos, porém, dirige-se sem sequer pensar sobre como coordenar a ação do pé esquerdo, que regula a embreagem, e do pé direito, que freia ou acelera. Dirigir torna-se um hábito, uma prática tão consolidada que o corpo “naturalmente” realiza o que precisa ser feito.
Com as virtudes é do mesmo modo. Primeiro, é preciso muito estudo e meditação para se compreender o que é a justiça e como praticá-la em cada caso. Depois, porém, ser justo se torna um hábito. Claro, esse hábito não pode ser exercido com o mesmo grau de inconsciência do que o de dirigir. Mas torna-se mais fácil com o tempo.
O homem torna-se habitualmente inclinado para ser justo pelo esforço consciente e constante. Esse hábito dispõe com firmeza esse homem, a tal ponto que agir de outro modo lhe causará um mal-estar espiritual e físico. Isso é a virtude.
2. São as virtudes que permitem à pessoa praticar atos bons e dar o melhor de si, e que com todas as suas forças sensíveis e espirituais, a pessoa virtuosa tende ao bem, o procura e o escolhe na prática. Praticar atos bons é diferente de ser bom. Bom, conforme afirma o próprio Cristo, é apenas Deus. O homem pode, porém, agir bem, praticar atos bons. O problema é que sem as virtudes esses atos bons podem, na realidade, ser maus.
O problema da adequação das verdades conhecidas à ação concreta se manifesta aqui. Sem a prudência, que corrige o raciocínio prático, é possível que, querendo agir bem, o homem realize um mau, por falta de virtude. Ou que, por falta de justiça, pense que, por exemplo, é sempre justo dar causa aos mais pobres, como se eles sempre pleiteassem justamente.
Não apenas isso, mas é possível também que, por falta de fortaleza, uma pessoa nunca consiga verdadeiramente se esforçar para realizar suas obrigações o melhor que puder. E que, por falta de temperança, confunda sua vocação com aquilo que lhe dá mais prazer corporal.
Sem o estado de caráter que as virtudes permitem existir, as ações de um homem nunca poderão ser chamadas de qualitativamente boas.
3. Como último ponto, temos que o objetivo último da vida virtuosa é tornar- se semelhante a Deus.
Do ponto de vista clássico, não há uma relação clara entre a divinização do homem e as virtudes, pois não há uma visão clara da divinização do homem. O homem virtuoso é chamado de spoudaios, homem maduro, por Aristóteles, e não de Santo ou de Participante na Natureza Divina.
Só com a Revelação que trouxe Cristo a dimensão divina da vida humana se revelou na sua totalidade, e só com ele a possibilidade da participação na natureza divina se tornou real. As virtudes, agora, não apenas são condições para o homem agir bem, mas para ser santo, para amar a Deus e participar da sua obra.
Essa participação, porém, não é possível sem a graça. E, a bem da verdade, nem mesmo um grau elevado de virtude pode ser mantido sem ela:
Não é fácil para o homem ferido pelo pecado manter o equilíbrio moral. O dom da salvação, trazido por Cristo, nos concede a graça necessária para perseverar na conquista das virtudes. Cada um deve sempre pedir esta graça de luz e de fortaleza, recorrer aos sacramentos, cooperar com o Espírito Santo, seguir seus apelos de amar o bem e evitar o mal.
§1811
O papel da graça
O equilíbrio moral, como chama o Catecismo, é o meio termo da virtude. É a vida vivida virtuosamente, ao contrário da vida vivida nos extremos do excesso ou da falta de virtude. Ele só pode ser mantido plenamente com o auxílio da graça.
Se é verdade que as virtudes são adquiridas pela “educação, por atos deliberados e por uma perseverança sempre renovada com esforço”, é verdade também que, por si só, elas não elevam o homem ao plano divino. É a graça que as purifica e eleva.
Esse movimento de elevação tem como efeito a manutenção do equilíbrio moral. Mas não pára aí. A graça abre para o homem três outras virtudes que não existem naturalmente – não enquanto virtudes. O amor, a fé e a esperança. Essas, que são chamadas as virtudes teologais,
Por meio delas que as virtudes humanas podem ser elevadas e participam da natureza divina. O papel da graça, portanto, é o de aperfeiçoar a natureza, levando-a a seu fim natural e a seu fim sobrenatural.
De modo particular as virtudes teologais estruturam a vida humana. A fé é o fundamento da vida cristã, que permite ao homem crer naquilo que não vê com seus olhos e o orienta para uma relação pessoal com Deus. A esperança sustenta o homem no seu desejo de felicidade orientado pelo conhecimento que traz a fé. E o amor é o vínculo entre o homem e Deus, por meio do qual aquele pode participar da vida íntima da trindade, unida pelo Espírito Santo, que é o amor.
A estrutura da vida humana e a estrutura da sociedade.
Definição de bem comum: §1906 “Por bem comum é preciso entender ‘o conjunto daquelas condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem mais completa e diligentemente a própria perfeição’.”
Prof. Rafael Cronje Mateus
Dada no Centro Cultural Alvorada, no dia 27 de setembro de 2021.