A saúde do corpo é dom de Deus à criatura, dom que esta deve administrar de modo a dar glória ao Criador. Dai decorre, para todo individuo, a necessidade de conservar o seu corpo em condições de servir a Deus; não nos é licito, portanto, usar da saúde simplesmente para gozar ou para satisfazer a caprichos fúteis; toda criatura deverá um dia dar ao Criador contas do emprego de suas forças ou dos talentos (da saúde) que o Senhor tiver confiado ao seu zelo.
Aqui voltaremos a nossa atenção para um aspecto especial da questão, que é o dos regimes de emagrecimento, na medida em que afetam os deveres do homem para com o seu corpo e o seu Criador.
Antes do mais, exporemos alguns dos traços mais significativos do problema; após o que, consideraremos os princípios que encaminham a solução dos diversos casos ocorrentes na vida cotidiana.
1. Aspectos do problema
A tendência a engordar é fenômeno cujas causas até hoje não puderam ser plenamente elucidadas. Não é raro ouvir-se dizer tanto da parte de jovens como da parte de pessoas já plenamente desenvolvidas e equilibradas: «Quase não como; não obstante, continuo a engordar». Contudo, a fim de esclarecer o problema, podem-se registrar algumas observações já feitas neste setor.
1) A tendência a engordar, em alguns casos, parece decorrer de uma predisposição inata na respectiva pessoa ou de uma modalidade própria de constituição do organismo; deve-se então a um desregramento dos tecidos, que se tornam propensos a acumular gorduras por reação instintiva das células.
O Prof. Joros, de Hamburgo, fez a este propósito experiência muito significativa: a um paciente que havia sofrido profundas queimaduras, enxertou nas mãos tecidos retirados do abdômen. Verificou então que, mesmo nas mãos, esses tecidos eram invadidos por gordura, exatamente no ritmo em que isto se dava nas paredes abdominais!
2) Certos estudiosos admitem um «hormônio de mobilização das gorduras». A insuficiência desse elemento explicaria o acúmulo de tecidos adiposos. Em verdade, já se descobriu tal hormônio no soro do cavalo; supõe-se que seja segregado pelo lobo anterior da hipófise. Contudo ainda não foi possível isolá-lo a fim de o experimentar no organismo humano.
3) Outros autores julgam que certas pessoas sofrem de desequilíbrio do centro nervoso do apetite; em consequência, são levadas a consumir mais alimentos do que aquilo de que seu organismo precisaria normalmente.
Não há dúvida, os estudiosos conseguiram fazer que certos animais atingissem dimensões enormes, exercendo influência sobre o respectivo hipotálamo, zona inferior do cérebro que preside as funções da vida vegetativa. Não foi possível, porém, até hoje exercer semelhante influência sobre o cérebro humano a fim de comprovar a veracidade da hipótese.
4) Certo é que, no ser humano, os fenômenos de gordura excessiva e obesidade se acham de muito perto relacionados com a civilização. Os animais selvagens, por exemplo, não estão sujeitos a tais fenômenos; podem, porém, tornar-se vítimas disso desde que sejam domesticados. Um estudioso do «Collège de France», Jacques Le Magnen, explica o fato à luz da arte culinária dos povos civilizados, que sabem multiplicar as iguarias, usar temperos e variar os condimentos, a ponto de destruir o senso do equilíbrio no animal irracional e no próprio homem.Esse cientista averiguou, por exemplo, que o instinto de alimentação nos irracionais é dirigido polo sentido do olfato; ora, iludindo o olfato, ele conseguiu que um rato, em uma só refeição, consumisse uma ração alimentar três vezes maior do que a normal; para o obter, apresentou ao animal um cozido mais ou menos sem sabor, ao qual, por três vezes consecutivas, deu o gosto de um alimento diferente; o rato então comeu essas três vezes consecutivas, fazendo três refeições numa só.
Eis algumas observações que não deixam de ter sua importância para se avaliar a moralidade dos regimes de emagrecimento.
2. Os princípios da solução
Passemos das proposições mais gerais às mais especializadas.
1) A saúde é, como foi dito atrás, um dom de Deus, que o homem deve administrar de modo a glorificar o Criador.
O cristão tem consciência de que o corpo, embora seja material e mortal, é criatura boa de um Criador Bom, criatura que tem de ser utilizada para o serviço do seu Supremo Senhor. Dai se deriva, para todo homem, a necessidade deconservar e desenvolver as potencialidades do seu organismo, zelando equilibradamente pela sua saúde, a fim de dar ao mundo, da maneira mais eloquente possível, o testemunho da sabedoria e da santidade de Deus.
2) A conservação da saúde não depende propriamente de quantidade de alimentos. Ao contrário, sobriedade e reserva impõem-se a todo homem, em nome tanto da Medicina como da sabedoria cristã.
Com efeito, a Medicina recomenda, não seja sobrecarregado o organismo, nem se exija esforço demasiado das estruturas da vida, a fim de que não se desgastem prematuramente.
Verifica-se mesmo que há correlação entre o regime alimentar e a duração da vida do respectivo sujeito. Tenha-se em vista, por exemplo, a seguinte experiência: o Prof. Boulirre separou dois grupos de ratinhos recém-nascidos. Ao primeiro serviu alimentação abundante; esses animais viveram 700 dias em média. Ao outro grupo deu nutrição severamente racionada; ora seus componentes, longe de sofrer detrimento em consequência, viveram uma média de 1400 dias. isto é. o dobro da longevidade de seus semelhantes!
Provas deste tipo foram reproduzidas com outros animais e em grande número, levando sempre à mesma conclusão: os animais sobriamente alimentados no início da sua existência, vivem muito mais do que os que recebem nutrimento copioso. — Julga-se que o mesmo se pode dizer a respeito do ser humano.
Esta advertência tem especial importância para os pais de família, pois tendem muitas vezes a fazer que seus filhos comam demasiadamente.
A título de ilustração, transcrevemos aqui uma passagem do Dr. Varenne no seu livro “Fique sempre jovem e viva mais tempo”:
A maneira como a criança for nutrida, terá importância imensa, muitas vezes capital, para a sua longevidade e o prolongamento de sua juventude. Que as mamães não se esqueçam! Mas quantos preconceitos a derrubar nesse assunto! Se não consigo convencer as mães, pelo menos proclamo feliz a criança que tem pouco apetite; feliz aquele a quem os pais não conseguem impor o alimento! Feliz aquele que, às vezes, tiver fome! Tem todas as probabilidades de viver oitenta anos, e não conhecerá velhice precoce.
Citaria, se ousasse, meu caso pessoal: até os quatorze anos, praticamente não comia coisa alguma. Fui a causa do desespero de minha mãe, que me via recusar tudo quanto me oferecia. Quanto mais se esmerava em apresentar-me pratos variados, mais obstinado ficava eu em desprezá-los. Acredito piamente que essa falta de apetite e a subalimentação durante minha infância são as causas de minha saúde excelente e do prolongamento da minha juventude após os setenta anos.
Se, pois, mamães, vocês tiverem um filho sem apetite, que recusa os pratos gostosos que vocês lhe preparam, não se lamentem; alegrem-se, pelo contrário: ele tem todas as probabilidades de viver muito, sem os dissabores de uma velhice prematura» (ob. cit. 46).
A fé cristã, por sua vez, recomenda sobriedade na alimentação. Embora a Igreja não se empenhe por algum regime dietético (nem mesmo pelo vegetarianismo). Ela impõe a seus filhos o jejum e a abstinência em alguns dias do ano, a fim de lhes lembrar a reserva que durante o ano inteiro devem manter perante os alimentos.
Os homens religiosos, como também os sábios, de todas as partes do mundo sempre verificaram que a continência frente aos alimentos garante maior liberdade ou leveza à mente humana para que se aplique aos valores do espírito, ou seja. à oração, ao estudo e à contemplação. As funções vegetativas não podem deixar de dividir e diminuir as energias do homem, embotando de certo modo a agudez da mente.
A respeito do vinho em particular, dizia o Papa Pio XII:
-O vinho é em si coisa excelente… Contudo pode haver sérias razões para que alguém se abstenha de o tomar: razões de prudência pessoal, de amor ao próximo, de reparação religiosa pelos pecados da própria pessoa ou do próximo» (Directivos 2570).
Estas ideias já dão a ver que bem pode ser lícito empreender um regime de emagrecimento. A liceidade dependerá do motivo que inspire tal iniciativa. À luz deste princípio, formulam-se mais duas proposições:
3) Um regime de emagrecimento observado por pura vaidade será sempre moralmente ilícito.
Poder-se-ia repetir aqui o que já foi dito a respeito de «operações plásticas devidas a motivos de vaidade, à pág. 513 deste fascículo: a vaidade, desviando da sua verdadeira finalidade as aptidões e qualidades que o Criador deu à criatura, é, em si mesma, má, e, por isto, torna maus ou moralmente ilícitos os atos que ela inspira ou sustenta.
4) Genuínos motivos profissionais, sociais, terapêuticos e religiosos podem perfeitamente justificar um regime de emagrecimento.
Em outras palavras: é aceitável todo e qualquer motivo que não se oponha ao serviço de Deus, mas, ao contrário, concorra para que o Senhor seja direta ou indiretamente glorificado pelo corpo do paciente.
Os motivos profissionais e sociais já foram discriminados à pág. 514 deste volume. Seja apenas mencionado o fato de que a obesidade e, em geral, os excessos de gordura muitas vezes tornam a pessoa passível de comentários e palavras levianas; isto pode diminuir o prestígio e a autoridade de que todo homem precisa para exercer devidamente suas funções profissionais e técnicas ou um cargo de autoridade ou também… para encontrar um matrimônio. Daí decorre a possibilidade de se empreender licitamente um regime para emagrecer: na verdade, o cristão deve procurar ocupar a sua posição na sociedade com toda a eficácia possível, a fim de dar ao mundo o mais eloquente testemunho de Cristo.
Está claro outrossim que razões terapêuticas ou a explicita indicação do médico justificam (podem mesmo, em consciência, tornar obrigatório) um regime para emagrecer. Tal regime, viçando o equilíbrio de saúde do paciente, concorrerá para que esta venha a servir melhor a Deus.
Nos casos, porém, em que o regime é moralmente lícito, ulterior questão impõe-se à nossa consideração: que táticas adotar a fim de se conseguir emagrecer sem tropeçar no plano da consciência ou da Lei de Deus?
É o que vamos examinar.
a) O recurso a remédios e drogas que façam perder peso, não é recomendado nem pela Medicina nem pela Moral, pois não raro prejudica a saúde. Pode-se mesmo considerar esse recurso como um meio elegante de favorecer inconscientemente a covardia e o comodismo do paciente: os remédios dispensam de certos sacrifícios ou restrições alimentares, pois quem os toma julga assim neutralizar os efeitos da nutrição. Ora um regime empreendido dentro desta perspectiva diminui a personalidade.
A pouca eficácia dos tratamentos artificiais para emagrecer pode ser ilustrada pela estatística seguinte: calcula-se que, nos EE.UU. da América do Norte, diariamente mais de 16.000 pessoas frequentam institutos devidamente aparelhados, onde se submetem a banhos, suadouros exercícios físicos, etc., pagando elevada quantia por cada aplicação; vende-se também um alimento artificial em quantidade correspondente ao preço de 1 bilhão e 250 milhões de novos francos (franceses) por ano, alimento que dá a impressão de «estômago cheio», mas não nutre. Isto tudo impõe esforços e sacrifícios ao sistema nervoso, às glândulas e ao estômago do respectivo paciente, causando finalmente irremediáveis prejuízos à saúde. — Pois bem; dois médicos norte-americanos, os Srs. Stunkara e Mac Laren-Hume, resolveram submeter à observação um grupo de pessoas que haviam passado por tais regimes : verificaram então que, dois anos após haverem cessado o tratamento, apenas 2% dessas pessoas tinham conservado a sua estatura esbelta.
b) Recentemente (início de 1962) nos Estados Unidos o Dr. Herman Taller, chefe de serviço num hospital de Nova Iorque, publicou um livro («Calories don’t count») que causou grande alarde, atingindo a tiragem de dois milhões de exemplares em cinco meses.
Afirmava, ao invés de quanto se tem dito até nossos dias, que a gordura e a obesidade não dependem de calorias nem da quantidade de alimentos ingeridos, mas de metabolismo, ou seja, de química interna do organismo. Sustentava, por conseguinte, que não há coisa mais fácil do que emagrecer: não exige que a pessoa se prive de refeições nem que se levante da mesa ainda com fome. Bastaria apenas aplicar o seguinte principio: são os hidratos de carbono, istoé, os amidos e as sacaroses, que se convertem em gorduras no organismo; tornar-se-ia suficiente, portanto, evitar tais alimentos (pão, farináceos, frutas, álcool); quem assegurasse isto, poderia, à vontade, comer de qualquer outra iguaria do cardápio. Asseverava ainda o Dr. Taller que, para emagrecer, é mesmo necessário consumir muitas gorduras…, não, porém, quaisquer gorduras, mas aquelas que quimicamente são ditas «não saturadas» (pois são elas que nos possibilitam queimar as nossas reservas); e, dentre as gorduras menos saturadas, citava os óleos de peixe e certos óleos vegetais (como o do milho e o do cártamo, planta oleaginosa tropical).
As receitas do Dr. Taller encontraram extraordinária aceitação no público «leigo em medicina» (não se sabe com que resultados, pois não foram feitas estatísticas a propósito). Os médicos, porém, tanto na Europa como na América, têm rejeitado tais ideias; insistem em asseverar que todos os alimentos, e em primeiro lugar as gorduras, se podem transformar em gorduras no organismo. Assim, por exemplo, se exprimiu o Dr. Ahrens, do Instituto Rockfeller:
«Taller afirma que é inútil contar as calorias, mas ele mesmo as conta muito cuidadosamente. Examinei as receitas que ele publicou a título de exemplo, e verifiquei que importam em uma ração diária do 1 600 calorias, quantidade esta que corresponde à de um tratamento normal para emagrecer. O Doutor Stare, professor de Dietética na Universidade de Harvard, acrescenta: a única vantagem de um regime rico em gorduras está talvez em cortar o apetite (transcrito de «Science et Vie» n° 540, setembro de 1962, pág. 55).
Para elucidar o debate, a revista «Science et Vie» instituiu um inquérito junto a diversos especialistas dos hospitais de Paris. Em consequência, pôde apurar um depoimento unânime, que se resume nos seguintes termos:
«Queira-o ou não o Dr. Taller, enquanto não se tiver descoberto a causa primordial da obesidade, só haverá um recurso a lhe opor, recurso provisório, mas eficiente: a dura lei das calorias. Para emagrecer, é necessário e suficiente comer menos. Seria errôneo, porém, querer aplicar esta regra de maneira mecânica. Torna-se indispensável adaptá-la a cada temperamento,… encontrar a fórmula que permita a cada paciente, dentro dos seus hábitos e das suas circunstâncias de vida pessoais, dobrar-se a essa lei sem sofrer demais nem recalcitrar. Por falta desta cautela é que tantos regimes, iniciados com entusiasmo, terminam em baque» (no 540, pág. 55).
Com outras palavras: nos casos em que se torna necessário emagrecer, não há outro expediente se não o da abstinência, isto é, o da disciplina e do domínio da pessoa sobre si mesma. Fugir a isto em nome de outra «bela» receita vem a ser o mesmo que enganar a si e quiçá ceder inconscientemente à covardia, ao comodismo, com detrimento para a personalidade humana. Acrescenta o articulista no citado periódico:
“Não é função de um livro ou de uma revista substituir o médico; o tratamento da obesidade… ficará sempre dependendo da consideração de cada caso em particular” (pág. 55).
Sim; a fim de evitar uma abstinência inadequada para o paciente, e nociva mais do que útil, torna-se recomendável a consulta a um médico, que ditará as normas precisas tio regime.
De maneira geral, valerão sempre os seguintes princípios:
1) É oportuno começar a abstinência desde que se tome consciência da sua necessidade.
Uma tal abstinência, iniciada desde que necessário, será mais suave e tolerável do que se for empreendida após indevido adiamento. O adiamento, no caso, só concorrerá para agravar os males físicos (engorda e obesidade) e amolecer o ânimo dos pacientes ou o domínio sobre si mesmo. Logo, portanto, que alguém note indevido aumento de peso, procure suprimir manteiga e queijo, comer carne sem gordura, renunciar ao tempero da salada, não se servir mais do uma vez do mesmo prato…
Contudo, será mister ter paciência e certa força de vontade para que a pessoa permaneça vigilante e resista à sedução das refeições tomadas em mesa da sociedade.» («Science et Vie» no citado, pág. 56). — Oportuna advertência, que toca de perto a consciência cristã!
2) Será preciso usar de discernimento a fim de se escolherem alimentos tais que, de um lado, não deixem na pessoa a impressão de fome, mas, de outro lado, não engordem.
Assim carne sem gordura e legumes verdes (que contêm relativamente poucas calorias) serão sempre recomendados, ficando ao contrário, severamente excluídos os hidratos de carbono e as gorduras. Cem gramas de manteiga equivalem a 761 calorias, ao passo que cem gramas de carne perfazem apenas 164 calorias.
3) O exercício de andar será muito útil. Verifica-se que os exercícios violentos pouco adiantam, pois excitam o apetite, de modo tal que o peso perdido é rapidamente recuperado. Os exercícios moderados, porém, evitam tal inconveniente; e, dentre estes, o melhor é o caminhar, que movimenta os maiores músculos do organismo.
Admita-se o caso de uma pessoa sedentária que pese 75 quilos e consuma um excesso de 80 calorias por dia; no fim de um ano terá engordado seis quilos; ora, se essa pessoa caminhasse todos os dias um quilômetro e meio (indo, por exemplo, de casa à repartição de trabalho ou à escola ou à feira, ao armazém de gêneros…), gastaria essas 80 calorias excessivas e conservaria o seu porte esguio.
Acontece, porém, que a prática de andar contraria as tendências do comodismo e da moleza de temperamento, máxime em nossos dias… Haja, pois, mais disciplina ou autodomínio também neste ponto!
Tais são as principais indicações que a consciência cristã pode fornecer a respeito dos regimes de emagrecimento, tão frequentes, mas tão mal aplicados na vida moderna.