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Segunda Tábua dos Mandamentos

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Fontes primárias

1. Textos de títulos idênticos no site do Opus Dei;
2. §§2196-2557 do Catecismo da Igreja Católica.

Na última aula falei da mudança que sofreram os mandamentos no Novo Testamento e, também, dos três primeiros mandamentos, que ordenam a relação do homem com Deus. Como disse, eles são a base dos outros sete mandamentos que veremos hoje, que tratam da relação entre os homens.

O fato de a relação humana não ter fundamento moral próprio é consequência da natureza humana, cujo fim último é amar e conhecer a Deus. Nossa vida em comunidade também participa desse fim, e o faz a tal ponto que ignorando-o se degenera. Sem os três primeiros, os outros sete mandamentos facilmente perdem sua justa medida e não se revelam completamente.

Fica claro também que, por tal papel constitutivo e mantenedor, os sete mandamentos não são apenas conselhos dados por Deus aos homens. São condições necessárias para que a vida humana subsista e floresça. Condições que foram reveladas, mas que poderiam ter sido conhecidas unicamente pela investigação humana da estrutura da realidade, especialmente da alma humana e do seu papel duplo de conhecedora da Verdade da existência e de criadora (ou co-criadora ou sub-criadora) da ordem social à luz da Verdade conhecida.

São, portanto, mandamentos de Lei e de direito natural, mas que também são de Lei Divina pelo fato da Revelação Mosaica. Desse modo, sua fundamentação é racional, mesmo que sua retidão seja garantida divinamente.

Hoje veremos como os sete mandamentos da segunda tábua estruturam a vida em comunidade à luz dos da primeira tábua. Ao final, ficará clara qual visão moral a Igreja tem da sociedade: qual o seu fundamento, quais os limites para a ação humana e qual o fim da sociedade.

Honrar pai e mãe

O mandamento de honrar pai e mãe não tem o sentido restrito que a princípio pode parecer. Sua forma detalhada poderia ser algo como “preservar a estrutura hierárquica social na medida exigida pela justiça”.

Sua forma reduzida, porém, revela o primeiro âmbito no qual a preservação da sociedade em estado de justiça se dá: na família, unidade mínima da sociedade. A sociedade começa, e só pode começar, na união frutífera de um homem com uma mulher, união que é a medida do que se chama, do que não se chama e do que se chama por analogia de família.

Ela é unidade mínima da sociedade, em primeiro lugar, pela própria natureza do corpo social, que exige a união do homem e da mulher para o nascimento, o crescimento e o aperfeiçoamento dos seres humanos. Não há outra instituição que supra essas necessidades completamente.

Para que exista a sociedade, portanto, é preciso que pelo menos uma família exista, a partir da qual as gerações humanas surgirão e organização para si governos. Não há outro meio natural – e os meios artificiais perversos, mesmo que possam realizar parte desse processo, não dão conta de tudo que é necessário para o florescimento da vida humana.

O que quer que se pense sobre a aceitação de outros arranjos sociais humanos, um fato não pode ser negado: o que define a forma e o elevado estatuto da família é a natureza. Sem ela não há sociedade humana. Não há sociedade que surja apenas de um indivíduo – motivo pelo qual ele não é a unidade mínima da sociedade como os individualistas pensam.

E é por isso que o primeiro dever de qualquer homem é honrar aqueles que causaram materialmente a sua própria existência. A revolta contra pai e mãe é a rejeição do princípio da sociedade. Por isso o mandamento se estende à honra de todas as autoridades familiares e governamentais naquilo que lhes é devido.

Como limite da honra – ou não propriamente da honra, mas da obediência que decorre dela – estão os deveres de justiça, que se aplicam todas as vezes que a obediência exigida pela autoridade ferirem a consciência da justiça do subordinado. Nesses casos, não há obrigação de obediência, dada a honra superior que se deve a Deus.

Esse mandamento estabelece, em suma, a ordem e a natureza das obrigações que mantêm o corpo social vivo e sadio.

Não assassinar

Tradicionalmente traduzido como não matarás, uma forma mais adequada seria dizer “não assassinarás”, pelo fato de que o problema central de que ele trata é desejar e realizar o assassinato de outra pessoa tendo a morte como fim.

Essa distinção é importante, pois existem hipóteses nas quais a morte não se configura como assassinato: os casos de legítima defesa pessoal e de terceiro ou do corpo social contra algum de seus membros ou contra outros povos. A primeira hipótese é o que se chama, em sentido estrito, de legítima defesa, a segunda de pena de morte e a terceira de guerra justa.

Estando intimamente ligadas, as três hipóteses partilham o mesmo fundamento: é justo defender a própria vida, a de outra pessoa ou a de uma nação, mesmo quando isso implica a morte do agressor. Para que isso se dê, certas condições precisam se manifestar no caso concreto, sob pena de que o ato de defesa seja tão iníquo e injusto quanto o de ataque.

As condições são as seguintes: I. para a legitima defesa pessoal ou de terceiro, que o risco seja iminente, que a defesa se dê com moderação, havendo proporcionalidade no uso da força e que a intenção pessoal seja a de defender, não a de matar, mesmo que esse resultado possa decorrer da defesa; II. para a pena de morte, segundo o entendimento milenar da Igreja, é preciso que a identidade e a responsabilidade do culpado sejam comprovadas cabalmente e que a pena de morte seja a “única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto.”; III. para a guerra justa,

2309. Devem ser ponderadas com rigor as estritas condições duma legítima defesa pela força das armas. A gravidade duma tal decisão submete-a a condições rigorosas de legitimidade moral. É necessário, ao mesmo tempo:

– que o prejuízo causado pelo agressor à nação ou comunidade de nações seja duradouro, grave e certo; – que todos os outros meios de lhe pôr fim se tenham revelado impraticáveis ou ineficazes; – que estejam reunidas condições sérias de êxito; – que o emprego das armas não traga consigo males e desordens mais graves do que o mal a eliminar. O poder dos meios modernos de destruição tem um peso gravíssimo na apreciação desta condição.

Estes são os elementos tradicionalmente apontados na doutrina da chamada «guerra justa».

A submissão da defesa a um princípio de justiça ecoa a percepção platônica, e que é compartilhada pela ética cristã, de que é melhor sofrer um mal do que cometê-lo, pois quem sofre tem o corpo maculado, mas quem comete macula a própria alma. Até para agir em defesa de inocentes é preciso justiça, sob pena de que a defesa cause um mal pior do que o ataque.

2264. O amor para consigo mesmo permanece um princípio fundamental de moralidade. E, portanto, legítimo fazer respeitar o seu próprio direito à vida. Quem defende a sua vida não é réu de homicídio, mesmo que se veja constrangido a desferir sobre o agressor um golpe mortal:

«Se, para nos defendermos, usarmos duma violência maior do que a necessária, isso será ilícito. Mas se repelirmos a violência com moderação, isso será lícito […]. E não é necessário à salvação que se deixe de praticar tal acto de defesa moderada para evitar a morte do outro: porque se está mais obrigado a velar pela própria vida do que pela alheia» (41).

2265. A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas até um grave dever para aquele que é responsável pela vida de outrem. Defender o bem comum implica colocar o agressor injusto na impossibilidade de fazer mal. É por esta razão que os detentores legítimos da autoridade têm o direito de recorrer mesmo às armas para repelir os agressores da comunidade civil confiada à sua responsabilidade.

O pecado de não assassinar se estende aos atos que, não matando o corpo, maculam a alma do outro, como o escândalo, que é levar o outro a pecar pelos próprios atos pecaminosos.

Guardar a castidade nas palavras e nas obras, nos pensamentos e nos desejos e Não cobiçar as coisas alheias nem as furtar

A castidade sexual, que se manifesta na continência visível e invisível é um aspecto da castidade enquanto genuína ordenação das paixões ao amor, entendido primariamente não como um sentimento, mas como uma dedicação intencional de viver para o bem do amado.

Essa castidade da alma é fonte de ordem da sociedade na medida em que impede que as paixões se manifestem excessivamente na comunidade. E as paixões humanas são, quase sempre, a fonte dos conflitos, das disputas, das contendas, das injurias, das guerras e de toda sorte de pecados que agridem com força a estrutura da sociedade.

Os tipos de disputa podem ser reduzidos, basicamente, a dois: disputas por pessoas e por coisas. Se fossemos girardianos, na verdade existiria apenas as disputas por pessoas. E dessas disputas, as amorosas são as mais perigosas. Se lembrarmos que a família é a unidade mínima da sociedade, entenderemos o perigo que a destruição familiar causada pelas paixões sexuais põe para o corpo social.

O mandamento de não cobiçar a mulher do próximo, portanto, não é fruto de qualquer puritanismo. A vida e a ordem das sociedades dependem dele. E da preservação dos patrimônios, como quer que sejam originariamente distribuídos na sociedade.

Não levantar falso testemunho

A proibição de levantar falso testemunho também pode ser compreendida de dois modos. Externamente, também visa preservar a ordem social. Internamente, porém, é uma condição para a vida sincera e, em último grau, para a vida verdadeira.

Não mentir é o primeiro grau do conhecer e professar a Verdade, do reconhecer a própria situação e de ser sincero consigo mesmo sobre os próprios pecados. Quem não tem a virtude da sinceridade, vive no autoengano e é incapaz de começar a vida cristã.


Prof. Rafael Cronje Mateus
Dada no Centro Cultural Alvorada, no dia 10 de novembro de 2021.

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