Por: Santo Afonso Maria de Ligório. Livro II Tratado III: Sobre o Preceito da Caridade; Capítulo II: Sobre os Preceitos da Caridade para com o Próximo; Dúvida II: Sobre o ódio e o amor aos inimigos.
Se todos são obrigados a perdoar a injúria.
Ainda que todos sejam obrigados não somente a perdoar interiormente ao inimigo que legitimamente pede perdão, como também a mostrar sinais exteriores de perdão, todavia Trullench, seguindo a Azor e a Filliucio, nega que exista esta obrigação imediatamente após a ofensa ter sido feita, pelo fato de que [esta obrigação] seria algo violente e acima da fragilidade humana. Assim também o sustentam com probabilidade Sporer com Tamburínio a partir da sentença comumente aceita, porque parece estar acima da fragilidade humana obrigar o lesado a fazer uma reconciliação imediatamente enquanto a perturbação ainda não se tenha sedado. De onde que deve-se esperar o tempo oportuno e, enquanto isto, será suficiente que o ofendido deponha o ódio.
Não há porém a obrigação de perdoar a satisfação pelo dano, se houve uma lesão por parte do inimigo, nem também de aceitá-la se esta é oferecida. Pode-se também pedir juridicamente uma compensação, desde que em ambos os casos se deponha o ódio, conforme o ensinam Valencia, Navarro e Laymann. Todavia, se a pena é muitíssimo grave, como por exemplo, a pena capital ou de mutilação, e nem tampouco dela provenha alguma comodidade ao que foi lesado, não parece que a mesma possa ser pedida pelo outro sem pecado de vingança. Semelhantemente é pecado contra a caridade obrigar a satisfazer o que não se pode se já se satisfêz o que se podia, conforme ensinam Silvestre e Filliucio.
Embora todos tenham que perdoar a injúria ao inimigo, dizem todavia os Salmanticenses que ninguém é obrigado a perdoar a punição pública, já que a pena é dada para o bem da sociedade. Mas Bañez, juntamente com Busembaum, conforme já mencionado, reconhece que neste caso é muito difícil não existir a nódoa da vingança, se se trata de uma pena capital ou de mutilação, o que deve ser estendido na realidade a qualquer outra pena grave, porque é difícil que o ofendido ame a punição pública por causa do amor do bem comum separadamente do amor da punição por motivos pessoais, como bem o advertem Laymann, Sporer, Viva e Roncaglia. Por isto junto-me a Antoine sustentando que, praticamente falando, nunca é lícito pedir a punição do inimigo, mesmo que justa e mesmo entendendo-se que será executada por uma legítima autoridade. Quanto ao mais, afirma Continuator Tournely, junto com Habert, que corretamente alguém poderá pedir diante de um juiz a satisfação das injúrias se, de outro modo, toda a sua família tenha que passar por infame. Santo Tomás de Aquino também sustenta que a punição pode ser lícita em alguns casos, isto é, quando é tomada “para a emenda do pecador ou pelo menos para a sua coibição e a tranquilidade dos demais”. E acrescenta: “e para a conservação da justiça”, embora este último, conforme já explicamos, seja verdade mais especulativamente do que praticamente, ou pelo menos rarissimamente.