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A Filosofia Antiga e a Fé Cristã

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Existem muitos modos de lecionar um curso de catecismo. Se para crianças, o foco é a memorização dos pontos doutrinais; se para adolescentes – como, hoje, é o caso da maioria dos crismandos –, o foco é a explicação ordenada do conteúdo da fé; se, porém, para adultos, o foco deve ser a comunicação entre a doutrina cristã e a vida humana – não apenas a nossa vida hoje, mas também a vida humana considerada a partir da sua natureza e das suas experiências fundamentais com a realidade.

Essa é a abordagem do próprio Catecismo da Igreja Católica. Ele está dividido em quatro grandes partes: i. A Profissão de Fé, ii. A Celebração do Mistério Cristão, iii. A Vida em Cristo e iv. A Oração Cristã. Essa ordem de exposição da doutrina da Igreja é muito antiga. Já estava, por exemplo, no Catecismo do Concílio de Trento, de 1566.

Essas partes estão assim dispostas pela compreensão de que há um caminho a ser seguido por aqueles que querem chegar a Deus, há uma preparação necessária, que tem como primeiro passo o conhecimento da natureza humana, de como ela anseia por Deus e de como Deus se apresenta à ela; daí se passa ao conhecimento do conteúdo da revelação divina, que diz ao homem quem é Deus e qual sua obra; segue-se pelo modo adequado de celebrar essa obra em nossas vidas, e de como Deus age em nós para realizá- la; apresenta-se o resultado dessa obra na vida individual de cada um, bem como tudo que é exigido de nós; e, ao fim, chega-se no ato que, mais propriamente, demonstra e confirma o efeito da obra divina em nós, que é também a antecipação do nosso destino eterno já nessa vida.

Partindo, portanto, da vida humana comum, o Catecismo nos guia até à vida humana divinizada. Ou melhor, guia nossa inteligência, mas com o fim último de guiar todo nosso ser.

Esse é o caminho intelectual que percorreremos nesse ano, com a graça e benção divina.

Tendo explicado isso, quero, nessa primeira aula, preparar o terreno no qual serão cravadas as colunas fundamentais da fé. Preparar o terreno, no nosso caso, é compreender que, embora o Catecismo seja a exposição da fé, ele não nega nem despreza a razão.

Ao contrário, que existem bases racionais para a compreensão da fé, e que essas bases se encontram, sobretudo, na filosofia clássica e medieval. Não que a filosofia moderna seja desnecessária. São John Henry Newman, São João Paulo II, e os teólogos do século passado, envolvidos no Concílio Vaticano II – dentre os quais está o Papa Bento XVI – são prova o suficiente de como ela pode ser bem utilizada em prol da fé.

Mas é fato inegável que, de modo geral, a filosofia moderna é contrária à fé da Igreja. E existem motivos concretos para isso: i. ela surge, já com Maquiavel, em oposição declarada à Igreja e à filosofia clássica e medieval; ii. ela é muito tributária da Reforma Protestante (um breve estudo da ideia luterana de igreja e da ideia hegeliana de manifestação do Espírito comprovam isso); e, iii. quando as ideologias políticas começam a se articular, foi contra a própria ideia de filosofia – de busca da Verdade – que se insurgiram.

Portanto, o uso da filosofia moderna em prol da fé é muito mais difícil do que o uso da filosofia clássica, pois um grande trabalho de depuração é necessário – e esse, talvez, é o trabalho mais urgente dos filósofos e teólogos católicos contemporâneos.

Para aplainar os caminhos do Senhor[1], importa uma breve – pois é tudo que o tempo nos permite – introdução à filosofia clássica, posteriormente “batizada” pela Patrística e pela Escolástica.

I. Introdução à Filosofia Clássica

Segundo a tradição, quem cunhou o termo filosofia (φιλοσοφία) foi Pitágoras (séc. VI e V a.C.). O termo foi formado pela aglutinação de duas palavras: filos ou philos (φίλος), que é um dos tipos de amor, e sofia ou sophia (σοφία), que é sabedoria[2]. O sentido do novo termo é amor à sabedoria, e isso nos diz muito sobre a postura do filósofo.

Afinal, porque não dizer que se é sábio, e sim mero amante da sabedoria? Pitágoras era um homem muito sensível à experiência humana com a Verdade, e via com clareza em si que todo conhecimento, toda sabedoria, era precária, provisória e incompleta. Do mesmo modo, todos podemos observar isso em nós mesmos.

Por outro lado, se considerarmos a existência divina – e mesmo a existência de um dos deuses gregos – perceberemos que há nela maior ou total permanência; não há diluição, não há esquecimento. O Deus, especialmente se for aquele que É, não muda, não se perde, não se engana. Portanto, só o Deus tem, realmente, a posse da sabedoria. Nós apenas podemos participar dessa posse por meio do amor à sabedoria[3].

Do mesmo modo que, numa relação de amizade, apenas pelo amor ao outro podemos permanecer juntos, na relação de amizade com a sabedoria é o amor que nos une, pois é essa a natureza de toda relação humana amorosa. Essa é a experiência fundamental da filosofia, consolidada no símbolo que é o termo “filosofia”.

Como coloca o filósofo alemão Eric Voegelin, lidando com um problema nas interpretações dos fragmentos de Heráclito (filósofo pré-socrático influenciado por Pitágoras):

[…] o predicado ‘o Único sábio’ está reservado para deus. A sabedoria humana consistiria então na compreensão de que ele não possui sabedoria própria; a natureza humana (ethos) é sábia quando compreende a gnome que governa o cosmos como exclusivamente divina.

[4]

Ou, como diz Santo Agostinho: “nosso conhecimento, comparado com o teu, é ignorância.”[5].

Quem tem algum conhecimento da doutrina Cristã percebe de pronto que está em terreno conhecido. A relação que o filósofo tem com Deus é muito semelhante à relação que tem o Cristão. Veremos as dessemelhanças à medida que nosso curso progredir. Por hora, podemos afirmar que o ponto de partida fundamental é o mesmo: tanto o filósofo quanto o cristão se colocam, ajoelhados, na soleira da porta que dá para o templo sagrado da Verdade.

Essa semelhança não é nenhuma novidade. Ao contrário, ela era muito mais viva na Patrística. Além dos usos que São Paulo faz da filosofia grega[6], dois casos são muito emblemáticos: São Justino de Roma, Mártir, que considera a possibilidade de salvação dos chamados Pagãos Virtuosos[7] e que afirma a identidade entre o Verbo divino e o Logos dos filósofos[8], e Clemente de Alexandria, que coloca a filosofia grega como um segundo Velho Testamento[9].

O “batismo” de Platão, por Santo Agostinho e pela Patrística, e, depois, o de Aristóteles pela Escolástica, comprovam essa relação íntima entre a filosofia clássica grega e a religião cristã. Olhando tudo à luz da Providência Divina, sem dúvidas ela fez parte da preparação do mundo para a vinda do Verbo.

A experiência fundamental da busca da Verdade é indispensável para o estudo da Doutrina Cristã. Vejam que o Dogma, o Credo e toda formulação doutrinal é o ponto de chegada de um longo processo de intelecção (com auxílio do Espírito Santo) da Verdade revelada. Processo que foi levado a cabo por genuínos amantes da Verdade.

A recepção da doutrina, portanto, é semente de bons frutos quando a alma está aberta à Verdade e quando a busca todos os dias. Doutro modo, ela ficará apenas gravada na memória e não multiplicará a 30, a 60 e a 100 por um, como disse Nosso Senhor. Preparar o caminho do Senhor: esse é o trabalho do Profeta e do Filósofo.

II. A descoberta da alma

Além de abrir a alma para a Verdade, a filosofia grega apresenta, nos seus desenvolvimentos teóricos, alguns fundamentos para a fé cristã. Um desses fundamentos é a descoberta da alma. Esse é o princípio da filosofia, sem qual nenhuma das ciências se desenvolve.

Isso porque, sem a consciência da alma, o homem reduz suas capacidades ao corpo e à razão meramente instrumental. Descobrir a alma é desvelar a existência de uma realidade imaterial dentro do próprio homem, que o direciona no sentido oposto dos desejos e sensações.

Surge na consciência um outro princípio da ação, diferente da realização do bem do corpo: é a realização do bem daquilo que é imaterial no homem. Mas como se descobre (no sentido de tirar a cobertura que esconde) essa parte da natureza humana?

O processo não é místico. É, ao contrário, puramente intelectual. Tendo em mente que, antes da descoberta, a alma já está lá e já é utilizada – mesmo que de modo inferior –, tudo que é necessário é a percepção da existência. Essa percepção vem pela observação da natureza e pela categorização hierárquica dos seres.

Observando-se o animal, percebemos que nele existe um princípio de ação puramente corporal. Veja-se o cachorro. Tudo que busca é a realização de seus prazeres

corporais, que conhece unicamente por meio dos sentidos e dos sentimentos “decodificados” no cérebro. Aliados à uma memória corporal, eles permitem que o animal retorne às fontes de prazer e se desvie das fontes de dor. É com base nesses elementos que um animal pode ser domesticado. De nada adiantará dialogar e explicar os porquês de tal ação sua ser errada. Ele não entenderá. No máximo ficará acuado pelo tom de voz utilizado.

Mas no homem existe outra fonte de ação, que não está necessariamente ligada à busca do prazer e à fuga da dor corporal. Olhando para dentro de nós, percebemos esse primeiro princípio, sim. Nós também buscamos o prazer corporal e fugimos da dor. Porém, em alguns momentos, o segundo princípio se revela: quando hesitamos ou temos dúvidas sobre como agir.

Um exemplo muito básico é conhecido por todos que já fizeram alguma dieta. Em dada altura, surge a possibilidade de sair do plano e comer algum doce ou qualquer comida pouco saudável. Nesse momento, entram em jogo o prazer que a comida pode trazer com a decisão tomada previamente de não comer aquele tipo de comida. Nesse momento de hesitação, se torna visível que, em nós, existe um outro princípio de ação.

Pensemos novamente no cachorro. A menos que a comida fosse causar-lhe – ou que ele lembrasse dessa possibilidade por já ter passado pela experiência – alguma dor ou mal estar, ele não pensaria duas vezes antes de abocanhar o que quer que fosse. Ele não hesitaria, não duvidaria. De modo algum deliberaria tendo em vista certos fins estabelecidos voluntariamente. Por quê?

Pois nele existe apenas um princípio de ação: buscar o prazer e evitar a dor. Em nós existe outro, mesmo que não saibamos nomeá-lo com precisão. Por onde começar essa investigação?

Primeiro, sabemos que ele é um princípio racional – o que quer que isso signifique. Segundo, sabemos que ele se sobrepõe aos desejos carnais – e, acima de tudo, que pode se opor, mesmo que nem sempre o faça. Terceiro, sabemos que ele não tem como medida o prazer e a dor, pois não tem como medida nada que seja material. Quarto, percebemos que ele pode ser obedecido em detrimento dos desejos, e que isso nos traria certo tipo de satisfação imaterial. Quinto, sabemos que esse segundo princípio se manifesta discursivamente, pela linguagem humana. E, sexto, que normalmente aparece sob a forma do que chamamos de norma moral ou de uma decisão tomada tendo em vista um certo fim, um certo benefício que queremos obter.

Racional, opositivo, imaterial, satisfativo, discursivo e finalístico. Essas são seis características desse segundo princípio de ação. Mesmo sem dar um nome a ele, podemos nos perguntar: aonde ele nos levará se o seguirmos todas as vezes?

Se observarmos com cuidado, perceberemos que nele há uma unidade que não se encontra nos desejos. As paixões são sempre múltiplas, e dividem nossa vontade em muitos e diversos caminhos. Tente escolher qual paixão seguir levando em conta apenas o prazer que pode ser obtido por elas, e verá que é impossível tomar qualquer caminho. Além disso, a busca pelos prazeres sempre termina na dor, pelo que percebemos que, mesmo quem escolhe um dos caminhos do desejo, sempre acaba no exato oposto do que escolheu[10].

Por outro lado, por esse segundo princípio de ação, nossos atos podem ser ordenados de acordo com os fins que estabelecemos para nós mesmos. E esses fins sempre estão relacionados à alguma ideia que temos sobre o que é melhor ou pior para nós. Esse segundo princípio de ação, portanto, se guia pelo bem que conhecemos e medimos com nossa razão.

É a partir desse ponto que a busca da Verdade com a razão começa a fazer sentido. Não apenas conhecer a Verdade por conhecer – embora isso já seja um motivo suficiente para buscá-la. É, antes de tudo, conhecer a Verdade para saber como viver corretamente e como chegar à perfeição humana.

A busca do conhecimento da Verdade, ou seja, do conhecimento do que é Bom, permite que o intelecto ganhe um objeto bem definido, que seja utilizado pela vontade para combater os desejos dispersivos da carne. Nesse processo de conversão ao Bem, a vida humana ganha unidade e sentido, e passa a ser vista como inteiramente dependente da própria realidade e, à medida que o raciocínio avança, do próprio Criador.

Essa é a via que permite compreender o que o Catecismo quer dizer ao afirmar que o homem tem um desejo de Deus inscrito na sua natureza[11] e o que Santo Agostinho quer dizer ao afirmar que Deus nos fez para Ele, e inquieto está nosso coração enquanto não repousa Nele[12].

A busca filosófica permite que cada pessoa veja em si a necessidade de Deus, necessidade não apenas afetiva, como muitas vezes se pensa. Ao contrário, antes de tudo uma necessidade existencial. A vida humana não tem verdadeiro sentido se não estiver unida à vida divina, e todos os atos humanos são em vão. Esse é o princípio da fé, quase completamente abandonado pela filosofia e pela educação modernas.

III. A Teologia da História e o Desenvolvimento da Doutrina

Até aqui falamos unicamente dos aspectos humanos da vida cristã, do modo de viver que permite chegar até à percepção da necessidade de Deus – em raros casos, até a algum conhecimento de Deus por meio da natureza, se a investigação for levada a cabo até o fim.

Para terminar essa aula, importa falar brevemente do aspecto divino da vida cristã, que é o ponto de partida do Catecismo: Deus chama o homem, ajuda-o a procurá-lo, a conhecê-lo e a amá-lo com todas as suas força[13].

A história da humanidade, ou melhor, a parte sagrada dessa história – estudada pela Teologia da História – é o relato dos diversos modos pelos quais Deus chamou os homens para Si. Do pecado original, passando pelo dilúvio, pela história de Abraão, de Isaque e de Jacó, pelo Êxodo do Egito, pelas realezas israelitas, até os exílios e os profetas, os homens foram chamados, sempre de maneira adequada ao seu estágio de desenvolvimento, à conversão.

Todas essas etapas antigas foram preparatórias para a grande obra redentora, que aconteceu, como diz São Paulo, na plenitude dos tempos[14], ou seja, no momento em que toda a humanidade estava madura e pronta para receber o chamado final à conversão. Isso se relaciona com o que foi dito no começo, de que a filosofia grega foi uma preparação para a vinda de Cristo.

Era necessário que os homens estivessem prontos, em todos os aspectos, para receber o salvador, assim como é que cada um de nós esteja individualmente pronto para receber o ensino da Doutrina, que não é nada mais que o desenvolvimento e o aprofundamento das verdades reveladas por Cristo – parte das quais está escrita nos Evangelhos e parte na Tradição da Igreja.

Esses dois tópicos, a Teologia da História e o Desenvolvimento da Doutrina da Igreja, são fundamentais para compreender como Deus age na história e como chama os homens à conversão de acordo com as necessidades do tempo. Essa última parte da aula fará uma breve introdução do segundo, e o primeiro será tratado com mais detalhe na penúltima aula.

O tema do desenvolvimento da doutrina da Igreja talvez não seja tão moderno quanto normalmente se diz. Parece haver alguns indícios de que Santo Tomás de Aquino tratou dele[15], mas não sei ainda se o desenvolveu e em que grau. De todo modo, o campo só foi amplamente desbravado por um Santo recentemente canonizado: São John Henry Newman, no seu Ensaio Sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã (1870).

Newman define o que seria uma Teoria do Desenvolvimento da Doutrina nos seguintes termos:

[…] que o acréscimo e a expansão do Credo e do Rito Cristãos, e as variações que participaram do processo por meio dos escritores individuais e das Igrejas, são as consequências que necessariamente acompanham qualquer filosofia ou política que tomou posse do coração e do intelecto, e teve qualquer domínio amplo ou prolongado; que, por causa da natureza da mente humana, o tempo é necessário para a completa compreensão e aperfeiçoamento das grandes ideias; e que as mais elevadas e maravilhosas verdades, embora comunicadas ao mundo de uma vez por todas por professores inspirados, não puderam ser compreendidas todas de uma só vez pelos recipientes, mas, tendo sido recebidas e transmitidas por mentes não inspiradas e por meios humanos, requereram unicamente um longo tempo e uma profunda reflexão para sua perfeita elucidação.

[16]

Percebam que essa teoria não diz respeito unicamente às verdades reveladas. O mesmo pode ser dito de qualquer filosofia, e há até aqueles que veem na história do pensamento um progresso ao longo da história. Essa visão progressista está errada, mas apenas por aplicar a uma investigação humana uma característica própria da investigação sobre as verdades divinas – investigação que é auxiliada e garantida contra erros pelo Espírito Santo.

A teoria é a seguinte: a Verdade é Cristo, e o todo da Doutrina da Igreja foi revelado nas Escrituras e na Tradição da Igreja. Porém, essa Doutrina foi dada com a promessa de que, pelo auxílio do Espírito Santo, ela seria desenvolvida, isso é, suas reais consequências e suas conclusões finais desabrochariam ao longo dos séculos. Nada seria acrescentado a ela, mas a mesma Verdade seria percebida com graus de detalhamento diferente.

A veracidade da tese de São Newman é comprovada quando observamos o longo e árduo processo de definição de um Dogma. As discussões que levam à definição são sempre demoradas e complexas, e que apenas quando é necessário deixar claro para os membros da Igreja qual é o conteúdo inequívoco da fé, é que o Papa, com os bispos ou não, define um Dogma, ou seja, diz o que todos devem crer sob pena de caírem no erro.

Se todos os cristãos, desde sempre, se submetessem à Igreja humildemente, e não buscassem com ela combater ou dela discordar, talvez nossos Dogmas ainda estivessem reduzidos aos que estão no Credo tal qual lá estão. Mas, por necessidade, ao longo dos séculos o Credo precisou ser reafirmado e clarificado. E é assim que as Verdades Eternas se relacionam com as situações concretas da história.

À luz dessa teoria, o Catecismo que nós começamos a estudar é o fruto – talvez o mais completo até hoje – desse desenvolvimento da doutrina. As verdades nele contidas, embora sejam eternas, estão expostas de um modo mais completo e mais adequado a nós do que os outros catecismos, documentos da Igreja, escritos teológicos e mesmo do que as Sagradas Escrituras.

Por isso, ao invés de começarmos por um estudo bíblico ou por um de história dos dogmas, começamos pelo Catecismo.


Prof. Rafael Cronje Mateus
Dada no Centro Cultural Alvorada, no dia 24 de fevereiro de 2021.


Referências

  1. Evangelho segundo São Lucas 3,4.
  2. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. Filosofia: Antiguidade e Idade Média, vol. 1. São Paulo: Paulus, 2017, p. 19.
  3. “As naturezas humana e divina, portanto, são distinguidas pelos ‘tipos’ de sabedoria, e relacionadas uma à outra, na medida em que a sabedoria humana consiste na consciência de uma limitação em comparação com a divina. Sabemos da sabedoria divina, mas não a temos; participamos nela o suficiente para tocá-la com nosso entendimento, mas não podemos possuí-la como nossa.” VOEGELIN, Eric. Ordem e História, vol. II: O Mundo da Pólis. 3a ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015, p. 302.
  4. Ibidem.
  5. SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Paulus, 2016, p. 334 (L. IX, Cap. 4).
  6. “De pé, então, no meio do Areópago, Paulo falou: ‘Cidadãos atenienses! Vejo que, sob todos os aspectos, sois os mais religiosos dos homens. Pois, percorrendo a vossa cidade e observando os vossos monumentos sagrados, encontrei até um altar com a inscrição: ‘Ao Deus desconhecido [Agnostos Theos]’. Ora bem, o que adorais sem conhecer, isto venho eu anunciar-vos. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, o Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos humanas. Também não é servido por mão humanas, como se precisasse de alguma coisa, ele que a todos dá vida, respiração e tudo mais. De um só ele fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, fixando os tempos anteriormente determinados e os limites do seu hábitat. Tudo isto para que procurassem a divindade e, mesmo se às apalpadelas, se esforçassem por encontrá-la, embora não esteja longe de cada um de nós. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dos vossos, aliás, já disseram.” Atos do Apóstolos 17, 22-28.
  7. 46. 1. Alguns, sem motivo, para rejeitar o nosso ensinamento, poderiam nos objetar que, ao dizermos que Cristo nasceu somente há cento e cinqüenta anos sob Quirino e ensinou sua doutrina mais tarde, no tempo de Pôncio Pilatos, os homens que o precederam não têm nenhuma responsabilidade. Tratemos de resolver essa dificuldade. 2. Nós recebemos o ensinamento de que Cristo é o primogênito de Deus e indicamos antes que ele é o Verbo, do qual todo o gênero humano participou. 3. Portanto, aqueles que viveram conforme o Verbo são cristãos, quando foram considerados ateus, como sucedeu entre os gregos com Sócrates, Heráclito e outros semelhantes; e entre os bárbaros com Abraão, Ananias, Azarias e Misael, e muitos outros, cujos fatos e nomes omitimos agora, pois seria longo enumerar. 4. De modo que também os que antes viveram sem razão, se tornaram inúteis e inimigos de Cristo e assassinos daqueles que vivem com razão; mas os que viveram e continuam vivendo de acordo com ela, são cristãos e não experimentam medo ou perturbação. 5. O motivo pelo qual ele nasceu homem de uma virgem, pela virtude do Verbo conforme o desígnio de Deus, Pai e soberano do universo, e foi chamado Jesus e, depois de crucificado e morto, ressuscitou e subiu ao céu, o leitor inteligente poderá perfeitamente compreendê-lo pelas longas explicações que foram dadas até aqui. 6. De nossa parte, como não é necessário demonstrar esse ponto agora, passaremos às demonstrações mais urgentes.” SÃO JUSTINO DE ROMA. I Apologia. In.: I e II Apologias. Diálogo com Trifão. São Paulo: Paulus, 1995, p. 61-62 (§46).
  8. 10. 1. Portanto, a nossa religião mostra-se mais sublime do que todo o ensinamento humano, pela simples razão de que possuímos o Verbo inteiro, que é Cristo, manifestado por nós, tornando-se corpo, razão e alma. 2. Com efeito, tudo o que os filósofos e legisladores disseram e encontraram de bom, foi elaborado por eles pela investigação e intuição, conforme a parte do Verbo que lhes coube. 3. Todavia, como eles não conheceram o Verbo inteiro, que é Cristo, eles freqüentemente se contradisseram uns aos outros. 4. Aqueles que antes de Cristo tentaram investigar e demonstrar as coisas pela razão, conforme as forças humanas, foram levados aos tribunais como ímpios e amigos de novidades. 5. Sócrates, que mais se empenhou nisso, foi acusado dos mesmos crimes que nós, pois diziam que ele introduzia novos demônios e que não reconhecia aqueles que a cidade considerava como deuses. 6. O fato é que, expulsando da república Homero e outros poetas, ele ensinou os homens a rejeitar os maus demônios, que cometeram as abominações de que falam os poetas, e ao mesmo tempo os exortava ao conhecimento de Deus, para eles desconhecido, por meio de investigação racional, dizendo: “Não é fácil encontrar o Pai e artífice do universo, nem, quando o tivermos encontrado, é seguro dizê-lo a todos.” 7. Foi justamente o que o nosso Cristo fez por sua própria virtude. 8. Com efeito, ninguém acreditou em Sócrates, até que ele deu a sua vida por essa doutrina; em Cristo, porém, que em parte foi conhecido por Sócrates, — pois ele era e é o Verbo que está em tudo, e foi quem predisse o futuro através dos profetas e, feito de nossa natureza, por si mesmo nos ensinou essas coisas — em Cristo acreditaram não só filósofos e homens cultos, mas também artesãos e pessoas totalmente ignorantes, que souberam desprezar a opinião, o medo e a morte; porque ele é a virtude do Pai inefável e não um vaso de humana razão.” JUSTINO DE ROMA. II Apologia. In.: I e II Apologias. Diálogo com Trifão. São Paulo: Paulus, 1995, p. 100-101 (§10).
  9. “Philosophy by itself formerly justified the Greeks – not justification in the full sense to the attainment of which it helps, but as the first and second steps of a stairway which leads to an upper story, or as the grammarian is of assistance to the philosopher. […] The same God Who as the sponsor for both the covenants (the Old and the New) was the giver of Greek philosophy to the Greeks through which the Almighty is glorified among them […] accordingly, from the Greek discipline as also from that of the Law, men are gathered into one race of the saved […] trained in different covenants. […] The philosophy of the Greeks was given to them as their own covenant, which was a stepping stone to the philosophy which is according to Christ.” MUCKLE, J. T. Clement of Alexandria on Philosophy as a Divine Testament for the Greeks. Phoenix, Vol. 5, No. 3/4 (Winter, 1951), pp. 79-86. Classical Association of Canada, 1951, p. 80. Disponível em http://www.jstor.org/stable/1086076.
  10. PLATO. Phaedo. 31a Edition. Chicago, USA: Encyclopædia Britannica, Inc., 1952. (The Great Books of the Western World, v. 7), p. 221 (§60).
  11. CIC, § 27.
  12. SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Paulus, 2002, p. 19 (§ 1).
  13. CIC, § 1o.
  14. Carta de São Paulo aos Gálatas 4,4.
  15. VOEGELIN, Eric. História das Ideias Políticas, vol. IV: Renascença e Reforma. São Paulo: É Realizações, 2014, p. 260; KACZOR, Christopher. Thomas Aquinas On the Development of Doctrine. Theological Studies, volume 62, issue 2, 2001, p. 283-302. Disponível em: <http://cdn.theologicalstudies.net/62/62.2/62.2.3.pdf>.
  16. NEWMAN, Saint John Henry. An Essay on the Development of Christian Doctrine. S.L: Assumption Press, 2013, p. 25.
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