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Como compreender a Transubstanciação?

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Ao tratar da Eucaristia, convém se lembre o estudioso de que está diante de um «mistério da fé» (por definição), mistério que não se pode pretender provar, mas no qual se pode mostrar não haver contradição. Supondo a Revelação sobrenatural, o católico entende unicamente evidenciar que o prodígio eucarístico é perfeitamente realizável pelo infinito poder de Deus.

1. O significado do conceito de «transubstanciação»

A presença real do Senhor na Eucaristia é professada como consequência da transubstanciação do pão e do vinho, ou seja, consequência da conversão da substancia do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo.

O termo transubstanciação, na linguagem teológica, só se tomou corrente a partir do séc. XII, embora a realidade por ele expressa já fosse professada pela S. Escritura e pelas subsequentes gerações cristãs. Esse vocábulo representa todo o esforço da inteligência cristã que, procurando no decorrer dos tempos uma ilustração racional do depósito revelado ou do mistério da fé, finalmente a encontrou, e encontrou muito profunda e harmoniosa.

Pergunta-se então: quais as idéias que se prendem ao termo transubstanciação ?

Partamos das noções de substância e acidentes tais como o bom senso no-las sugere. Em todo ser há fundamento para distinguir entre um conjunto de notas contingentes, mutáveis, tais como o tamanho, a cor, o peso, o sabor, etc., e um substrato permanente que, conservando-se sempre o mesmo, dá unidade e coesão ao sujeito manifestado por suas notas sucessivas e variadas, ou seja, por seus acidentes. Esse substrato é, em Filosofia, chamado substância (= o que sub-está, o que suporta). Em qualquer pedaço de pão, por conseguinte, há um conjunto de notas acidentais, como a cor, as dimensões, o sabor, a posição no espaço, notas que podem sobrevir, mudar-se e desaparecer numa substância que as sustenta; esta substância, ninguém a vê como tal, pois só pode ser apreendida através das notas acidentais que dão a configuração externa a tal pedaço de pão; a substância, porém, é uma realidade cuja existência se impõe ao raciocínio.

Pois bem; a fé ensina que, quando as palavras da consagração são pronunciadas sobre o pão, a substância deste se muda ou converte totalmente em substância do corpo humano de Jesus (donde o nome «transubstanciação»), ficando, porém, os acidentes ou as notas externas do pão; sendo assim, sem mudar de aparência, o pão consagrado já não é pão, mas é substancialmente o corpo de Cristo. Análogo fenômeno se dá com o vinho ao serem pronunciadas sobre ele as palavras da consagração; sua substância se converte na do sangue do Senhor. — Não há dúvida, é este um caso de intervenção da Onipotência divina que não tem par em toda a ordem da natureza. Vê-se, porém, que, embora único, o fenômeno da transubstanciação não é absurdo; antes, tem seus pontos de contato com as categorias da filosofia e da inteligência humanas.

A concepção acima explica muito bem como o corpo de Cristo possa simultaneamente estar presente em diversas hóstias consagradas e em regiões múltiplas. Com efeito, Jesus não está presente na Eucaristia segundo as suas notas acidentais (entre as quais se enumera o ubi ou a localização no espaço); o ubi do corpo eucarístico de Cristo é-lhe dado pelo pão (isto é, pelo acidente ubi do pão). Ora, já que os fragmentos de pão se multiplicam com o seu ubi ou a sua localização própria no espaço, vê-se que onde quer que haja um pedaço de pão consagrado, ai pode estar, e de fato está, o corpo eucarístico de Cristo.

Em linguagem precisa, dir-se-á: a presença de Cristo eucarístico é presença no espaço, mas não é presença espacial ou local:

– é presença no espaço, porque, não há dúvida, o Cristo eucarístico entra nos nossos espaços, mas mediatamente, isto é, mediante o espaço que o pão ocupa;

– não é presença espacial ou local, porque Cristo na Eucaristia só existe como substância, substância da qual os acidentes «quantidade» e «localização no espaço», por disposição da Onipotência divina, não exercem seu efeito próprio. A substância, enquanto substância, é um puro princípio de ser; como tal, ela não implica localização; ela só entra em relação com o lugar ou o espaço mediante o acidente chamado «quantidade», que lhe dásua extensão e as suas dimensões próprias.

Isto faz que a presença do Cristo eucarístico se possa multiplicar (sem que o corpo de Cristo se multiplique), desde que se multipliquem os fragmentos de pão consagrados nas mais diversas terras do globo. Não há bilocação nem multilocação do corpo de Cristo, porque simplesmente não há locação do mesmo, mas apenas locação e multilocação do pão consagrado.

As idéias acima também explicam que o corpo de Cristo não se parta nem se divida quando se divide a hóstia consagrada, O corpo de Cristo sob os acidentes do pão nem tem extensão nem quantidade próprias; por conseguinte, não se pode dizer que a tal fragmento da hóstia corresponda tal parte do corpo de Cristo (é óbvio que as dimensões de uma hóstia pequenina não seriam comensuráveis com as do corpo do Senhor). Por conseguinte, quando o pão consagrado é partido, só se parte a quantidade do pão, não o corpo mesmo de Jesus.

Assim muitas hóstias e muitos fragmentos de hóstia não constituem muitos Cristos — o que seria absurdo —, mas muitas «presenças» de um só e mesmo Cristo. Analogamente a multiplicação dos espelhos não multiplica o objeto original, mas multiplica a presença desse objeto; também a multiplicação dos ouvintes de uma sinfonia não multiplica essa sinfonia, mas apenas a presença da mesma.

À luz de quanto acaba de ser dito, entende-se outrossim que, quando se deteriora o pão eucarístico por efeito do tempo, dos sucos digestivos ou de um agente corruptor, o que se estraga são apenas os acidentes do pão: quantidade, cor, figura… (estes acidentes é que evidentemente são atingidos pela deterioração); quanto ao corpo de Cristo, simplesmente deixa de estar presente sob os véus eucarísticos desde que estes sofram alteração tal que, segundo o bom senso, não possam mais ser identificados como tais; foi às espécies ou às aparências de pão e vinho, não às de algum outro corpo, que Cristo quis assegurar a sua presença sacramentai.

2. Transubstanciação e Física moderna

A doutrina exposta não sofre contestação por parte da Física moderna.

Na verdade, a linguagem e a conceituação desta não interferem na linguagem e na conceituação da Filosofia e da Teologia. Ao falar de substância e matéria, por exemplo, o físico não tem em mira a mesma realidade que o filósofo e o teólogo. O físico descreve substância, matéria e, em geral, os corpos (a massa) de acordo com as reações dos mesmos ou os fenômenos que ele pode observar com os sentidos. O filósofo, ao contrário, entende por substância das coisas materiais uma entidade muito real, mas só perceptível pela inteligência. Os fenômenos, objeto único de que se ocupa o físico, são, para o filósofo, acidentes da substância; por conseguinte, as teorias da Física moderna, com as suas grandes inovações, se referem àquilo que em Filosofia se chama «acidentes», ao passo que a doutrina eucarística tem por objeto a substância, elemento de que as ciências naturais não tratam, porque não é objeto imediato de observação empírica.

Note-se, porém, que o magistério da Igreja, professando repetidamente a doutrina da transubstanciação (cf- Denzinger, Enchiridion 355 . 430 , 465 . 581. 698. 884), de modo nenhum associou o dogma a determinada escola filosófica. Embora os conceitos de substância e acidente tenham sido filosoficamente elaborados pelo Aristotelismo, é no seu sentido óbvio, acessível ao senso comum, que a Igreja entende estes dois vocábulos. Com efeito, mesmo a gente simples apreende o que é uma substância: a realidade que faz que um corpo seja e permaneça tal sob as mudanças de superfície (ou acidentais) que lhe possam ocorrer. Assim como o comum dos homens compreende o que se quer dizer quando se afirma que um corpo permanece substancialmente o mesmo sob as variações acidentais que se lhe possam infligir, assim entende também o que se quer asseverar quando se diz que, na Eucaristia, há mudança de substância, enquanto as aparências acidentais permanecem invariadas.

3. Ainda uma dúvida

Mas ainda resta uma dificuldade: se há, de fato, transubstanciação, tem-se um milagre em cada consagração eucarística. Todavia consta da S. Escritura que os milagres realizados por Cristo sempre foram evidentes, impressionando os sentidos (em particular, a visão e a audição) dos que os presenciavam. Por conseguinte, caso se desse realmente o milagre da transubstanciação, ele deveria chamar a atenção dos homens, deixando o pão de parecer pão e o vinho de parecer vinho.

Responderemos que a Onipotência Divina é livre e soberana na distribuição de seus dons; pode outorgar benefícios às criaturas, ferindo os sentidos e impondo sua ação pela evidência, sem exigir explícito ato de fé. Mas Ela também pode produzir sua ação sem chamar a atenção da nossa sensibilidade, pedindo fé da nossa parte. Acaso estaria Deus obrigado a dispensar-nos as suas graças, fazendo-nos notar de cada vez por sinais extraordinários a intervenção de sua Bondade? Seria temerário pretender isto. — São Paulo mesmo nos ensina que a glossolalia (o falar línguas estranhas) é prodígio que Deus concede «não em favor daqueles que têm fé, mas em vista dos que não têm fé» (1 Cor 14,22); o que quer dizer que os portentos aptos a impressionar os sentidos não pertencem ao regime normal das relações de Deus com os seus fiéis.

Voltando agora ao tema eucarístico, verificamos que a S. Escritura atesta sobejamente que o Senhor quis fazer do pão o seu corpo e do vinho o seu sangue (cf. textos acima citados, qu. 3); ousaremos replicar-Lhe que Ele não tinha o direito de o fazer sem nos dar um sinal externo dessa mudança? Imporemos a Deus os moldes de suas graças?

Se, porém, alguém não queira chamar a transubstanciação «milagre», porque não impressiona os sentidos corpóreos, não a chame tal; está livre de se abster deste vocábulo; não queira, porém, negar a realidade da presença do Senhor por causa de um jogo de palavras!

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