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Como entender “A Utopia” de São Thomas More

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A fim de formar um conceito adequado a respeito da «Utopia» de S Tomás Moro, esboçaremos o currículo biográfico e os traços principais da personalidade do autor. A seguir, consideraremos a mencionada obra.

Vida e personalidade de Tomás Moro

Tomás Moro nasceu em Londres aos 7 de fevereiro de 1478, como filho do grande jurista John More. Dotado de reconhecido gênio intelectual, foi aos quatorze anos enviado a Oxford, a fim de completar os seus estudos. Nessa cidade, recebeu a formação clássica que as Faculdades da época renascentista muito fomentavam; aí também conheceu o famoso humanista Erasmo de Rotterdam, com quem travou sincera amizade. Voltando para Londres, Tomás, a pedido de seu pai, estudou Direito; habitava entrementes na Cartuxa de Londres, onde participava zelosamente dos exercícios de oração e penitência dos monges.

Erasmo, em uma de suas cartas, deu o seguinte testemunho a respeito do amigo: «Aplicava-se de corpo e alma a exercícios de piedade, meditando sobre a sua vocação monástica, em vigílias, jejuns, orações e outras práticas austeras».

Desde então usava permanentemente um cilício, como mais tarae revelou sua filha Margarida. Não obstante, era animado de inabalável bom humor ou de jovialidade, em consequência da qual foi durante a vida inteira cognominado «o jovem Morus».

O seu talento lhe valeu brilhante carreira. Em 1504 foi eleito para o Parlamento da Inglaterra. Em certa ocasião, usando de muita coragem, conseguiu impedir a promulgação de uma lei injusta. Este e outros gestos de idoneidade contribuíram para que aos poucos se tornasse o homem mais popular do pais.

Desde 1520, o nome de Tomás Moro era envolvido em exemplos de um compêndio de retórica disseminado em todas as escolas da Inglaterra; haja vista o seguinte exercício: «Exprimir em latim, de quatro modos diferentes, esta proposição: Morus é um homem de espírito angélico e de inigualável saber».

Finalmente em 1529 tomou-se Chanceler do Reino. Em breve, porém, entrou em conflito com o monarca, pois, fiel aos seus princípios cristãos, repudiava o divórcio que Henrique VHI pleiteava da Santa Sé.

Em 1531 o rei consumou o cisma, atribuindo a si o título de «Chefe Supremo da Igreja da Inglaterra». Em 1532, Moro, recusando assinar o juramento de fidelidade ao novo mentor religioso, foi considerado traidor e réu de cárcere. Durante quatorze meses ficou detido na «Tower» (prisão da Torre) de Londres, onde se entregou à meditação, da qual resultou um escrito precioso intitulado «Comfort against tribulation» («Consolo na tribulação»).

A corte, os nobres e o rei tudo tentaram para reduzir o ânimo tão delicado quanto inquebrantável de Tomaz; èm vão, porém. O duque de Norfolk, seu amigo, lembrou-lhe o risco que corria : «Indignatio principis mors est. — A indignação do soberano acarreta morte»; ao que Moro respondeu : «Só isso, milord? Em tal caso, só haverá uma diferença entre nós : é que eu morrerei hoje, e Vossa Mercê amanhã!».

Ainda no cárcere dizia à sua filha Margarida:

«Por certo, não poderias ter coração mais delicado e mais terno do que “teu pai. Embora a minha natureza se revolte com tanta veemência contra o sofrimento, a ponto de que um piparote me faça estremecer, minha grande força provém, ó filha, do fato de que, em todas as angústias mortais que tive de atravessar, nunca pensei, graças à misericórdia e ao poder de Deus, em consentir no que quer que fosse contrário à minha consciência».

E em uma prece formulava ele a sua prontidão para se sacrificar por puro amor:

«Dai-me, ó Senhor, o desejo de estar junto a Vós, não para me subtrair às calamidades deste mundo ou às punições do outro, … nem por algum interesse pessoal, mas única e exclusivamente por amor de Vós».

A 1o de julho de 1535 foi condenado à morte dos traidores. Contudo o rei Henrique Vm comutou a pena de forca e esquartejamento do corpo em simples decapitação. Até o desenlace, ocorrido aos 6 de julho de 1535, Moro conservou o ânimo jovial. Chegado ao patíbulo da execução, pediu que o auxiliassem a galgar os degraus, dizendo : «Ajudai-me a subir; para descer, providenciarei sozinho!». Tendo subido, rezou o salmo 50 (penitencial), amarrou a venda sobre os olhos; e, ao deitar-se sobre o tronco de morte, dirigiu-se ao carrasco, dando-lhe uma moeda de ouro «pelo serviço que ia executar» : «Coragem, rapaz, não receies cumprir o teu dever. Tenho o pescoço curto. Não vás bater de lado com o machado, para não te desonrares como bom profissional». Ainda levantou a cabeça para arrumar a longa barba branca que deixara crescer na prisão, dizendo : «Não merece ser cortada, pois não cometeu traição alguma». Proferidas estas palavras, recebeu o golpe mortal com ânimo sereno.

Tomás Moro foi um santo profundamente humano, que o humanista Erasmo assim apreciava:

«A meu ver, nunca a natureza produziu espírito mais hábil e mais pronto, … jamais produziu criatura mais bem-dotada e de maior ressonância. Junte-se a isto uma facilidade de conversa que está à altura do seu extraordinário gênio,… um espírito que nunca deixa de ser amável».

Como bom cristão, mas também como bom britânico, soube enfrentar as mais diversas situações da vida sem perder o sorriso, antes com delicioso humor. É mesmo tido como o santo do bom humor.

Com palavras e com atos combateu o preconceito de muitos dos seus contemporâneos, que recusavam às mulheres o estuda e a erudição; suas filhas granjearam notória cultura clássica. — Não obstante, quando lhe perguntavam por que se casara com mulher tão baixinha como era Jane Colt, sua primeira esposa, respondia: «Dos males, o menor …»

Para entender a personalidade de Moro, leve-se em conta também o seguinte : o mundo medieval está marcado pelo cunho da unidade, ao passo que o mundo moderno traz o sinal da diversidade. Entre os dois se situa o séc. XVI, com o Renascimento, que representa a transição entre um e outro. Pois bem; Tomás Moro é autêntico filho da sua época : cristão ardoroso como os medievais, mas, ao mesmo tempo, aberto para os múltiplos valores novos que a cultura renascentista trouxe à tona.

É justamente por exprimir uma época de transição que a figura de Tomás Moro se apresenta, às vezes, misteriosa, suscitando, entre outros, o problema da interpretação da Utopia.

Voltemo-nos, pois, para esta questão, conscientes de que deve ser considerada à luz tanto do temperamento como das circunstâncias históricas que marcam a personalidade de Tomás Moro.

A Utopia

A «Utopia» tornou-se, dentre os escritos de Moro, o mais conhecido, embora esteja longe de ser o mais representativo do pensamento desse autor. Resumiremos o conteúdo da obra para depois tentar a interpretação adequada.

a) Circunstâncias e enredo da «Utopia».

Em 1516 Moro achava-se em Antuérpia (Flândria) a serviço do rei da Inglaterra, a fim de tratar da exportação de tecidos britânicos para d continente, quando concebeu a ideia de escrever estranho livro…

Erasmo, o amigo de Moro, redigira o «Elogio da Loucura», em que dava a palavra à Dama Loucura a fim de que esta pronunciasse amarga sátira contra os costumes de seu tempo. Inspirando-se neste proceder literário, Tomás resolveu fazer falar a Dama Razão para incriminar as desordens de sua época (que ele bem conhecera através de viagens e legações) e descrever um mundo mais razoável do que aquele em que vivia, mundo chamado «Utopia» (do grego ouk-tópos, em parte alguma existente, mundo meramente ideal). O escrito intitular-se-ia «De optimo reipublicae Statu deque nova insula Utopia. — Sobre a constituição ideal do Estado e a nova ilha Utopia» e apareceria em Londres no ano de 1518.

Qual o conteúdo desse escrito?

Consta de duas partes, das quais a primeira esboça, em tom de crítica, um quadro da sociedade Europeia da época, vulnerada pelos males do feudalismo decadente. O autor se apresenta em diálogo imaginário com um navegador, Rafael Hitlodeu, que fôra companheiro de Américo Vespúcio na viagem para a América… Rafael põe-se a incriminar os abusos das monarquias europeias, insurgindo-se contra o seu despotismo, contra o servilismo dos cortesãos, a venalidade dos cargos, a ganância, etc.; ataca a severidade das leis, que punem com a morte o ladrão, o vagabundo e o assassino; e conclui não ser possível a felicidade nos Estados em que existam tais abusos. Tomás Moro, tendo ouvido essas críticas, responde que não se pode dar remédio aos males apontados. Hitlodeu, porém, não se quer conformar. E, entrando na segunda parte da obra, abre ao interlocutor novas perspectivas, descrevendo-lhe a vida dos habitantes de uma ilha maravilhosa, a «Utopia», que ele, em sua viagem, teria explorado… Essa descrição, meramente fantasista para o leitor do séc. XX, podia gozar de certo crédito no séc. XVI, vinte e poucos anos após a descoberta da América, de mais a mais que as cartas de Américo Vespúcio, publicadas em 1506, haviam logrado extraordinário sucesso.

Não será necessário referir aqui as minúcias da vida na Utopia. Basta mencionar as suas notas características, objeto de controvérsia entre os intérpretes; são as cinco seguintes:

  • o sistema econômico da região não reconhece a propriedade particular, havendo absoluta comunhão de bens;
  • o único administrador da produção é o Estado;
  • a filosofia dos cidadãos é o hedonismo, o qual enaltece o gozo e ignora a ascese ou a mortificação;
  • o divórcio é legítimo;
  • o suicídio é recurso aceitável nos casos de moléstia incurável;
  • a religião prevalente é o deísmo, ou seja, a afirmação de um Deus posto à altura da razão humana, com exclusão de qualquer revelação sobrenatural.

Conscientes de quanto estas teses destoam da doutrina cristã, perguntam os estudiosos que significado possam ter tido na mente de Tomás Moro… E como é possível que a Igreja haja declarado santo o escritor que as propôs com tanto sucesso que vem a ser enumerado entre os precursores do socialismo moderno? — É a estas questões que devemos agora dedicar a nossa atenção.

b) Como interpretar a «Utopia»?

Antes de se focalizarem em particular os principais pontos controvertidos da «Utopia», impõem-se duas observações gerais que constituem a chave para a autêntica interpretação dos dizeres do autor:

Verifica-se que não é o próprio Tomás Moro quem, no diálogo da «Utopia», propõe as instituições intrigantes ou revolucionárias … É, sim, o seu interlocutor Hitlodeu. Quando este acaba de falar no fim da obra, propõe Moro o seu juízo solene sobre o quadro apresentado:

«Assim que Rafael terminou a sua narrativa, veio-me à mente uma quantidade de coisas que, nas leis e nos costumes dos utopianos, me pareceram absurdas, tais como o seu sistema de fazer a guerra, o culto, a religião e várias outras instituições. O que mais transtornava as minhas ideias era o alicerce sobre o qual fôra erguida a estranha república, quero dizer, a comunhão de vida e de bens, sem tráfico de dinheiro. Ora essa comunhão destrói radicalmente toda nobreza e magnificência, todo esplendor e majestade, coisas que, aos olhos da opinião pública, fazem a honra e o verdadeiro ornamento de um Estado. Contudo não apresentei a Rafael alguma objeção, porque o sabia fatigado da longa narrativa. Por outro lado, não estava certo de que suportaria pacientemente a réplica…

Tomei então pela mão o narrador, a fim de o levar a cear, e prometi que, de outra feita, teríamos ocasião de meditar mais profundamente sobre esses assuntos e de conversar mais demoradamente.

Praza a Deus que isto aconteça algum dia! Pois, se de um lado não posso concordar com tudo que disse esse homem, aliás incontestavelmente muito sábio e hábil nos negócios humanos, de outro lado confesso sem dificuldades que há entre os habitantes da Utopia uma quantidade de coisas que desejo ver estabelecidas em nossas cidades.
Desejo mais do que espero».

Estas palavras que Moro diretamente profere, encerrando o seu livro, bem mostram que o autor não se identificou com as teses revolucionárias propostas por seu imaginário interlocutor.

Tal conclusão é confirmada por mais uma observação de conjunto:

Os escritos posteriores e toda a conduta de vida de Tomás Moro constituem desmentido formal às estranhas afirmações da «Utopia».

Tenham-se em vista os seguintes fatos como que colhidos a esmo no currículo biográfico de Moro:

Depois de escrever a «Utopia», o autor entrou em controvérsia doutrinária com um inovador de tendências luteranas, Tyndale. A doutrina então defendida por Tomás é o mais puro Catolicismo. Doutro lado, se os adversários do santo em sua vida pública tivessem conhecimento de alguma evolução doutrinária do mesmo, tê-lo-iam certamente explorado em seu favor. Ora disto não há sinal nos documentos da história.

Mais ainda: se, ao ser nomeado Chanceler do Rei em 1529, Tomás pudesse ser acusado de algum deslize doutrinário, haveria sido denunciado por seus oponentes; nem o rei Henrique VIII o teria promovido… Sabe-se, aliás, que nesse ano de 1529 Moro publicou uma apologia exata da doutrina tradicional cristã no seu «Diálogo sobre as heresias».

Na sua «Resposta a Lutero» («Responsio ad Lutherum»), escrita poucos anos depois da «Utopia», Tomás Moro apontava como «ínsaníssima dogmata» (mui tolas proposições) várias das inovações que Hitlodeu apresentava como usuais entre os utopianos. Assim, por exemplo, escrevia a Lutero e seus discípulos:

«Citai-me algum povo que, em época anterior a vós, tenha professado ideias semelhantes às vossas. Indicai-me qual a sociedade cristã que não tenha feito distinção entre um sacerdote e um leigo…, que haja permitido às mulheres ouvir confissões,… que lhes tenha facultado tornar-se sacerdotisas e administrar a Eucaristia.:. Em qualquer fase da existência da Igreja, tanto nas promíscuas multidões de bons e maus como nos grupos homogêneos de homens bons, tanto nas regiões que obedeciam ao Pontífice Romano como em qualquer outra parte, a doutrina da Cristandade foi sempre contrária a vossa e ainda hoje condena as vossas mui tolas proposições» (Responsio ad Lutherum, ed. Frankfurt c. 2 pág. 62).

E não há indício de que Moro se tenha algum dia tornado adepto de tais loucuras.

Não se poderá, de resto, esquecer como, contrariamente ao que professavam os utopianos, Tomás Moro se opôs ao divórcio de Henrique VIII, guardando assim fidelidade absoluta à doutrina cristã e acarretando sobre si dolorosas consequências.

Na própria «Utopia», aliás, o autor parecia contradizer a si mesmo, estipulando a pena de morte para o adultério naquela mesma ilha maravilhosa em que tal pena era tida como imoral,… admitindo também a escravatura numa sociedade que não reconhecia o direito à propriedade particular.

Estas observações de índole geral habilitam-nos a considerar com certa clareza é segurança os pontos que têm sido objeto de controvérsia entre os comentadores da «Utopia». Percorramo-los sumariamente:

3) No tocante à comunhão de bens e à extinção da propriedade particular, deve-se notar o seguinte: é, conforme ficou dito atrás, Hitlodeu quem propugna estas teses, como se fossem a solução única e necessária para reprimir os males da sociedade do séc. XVI. No diálogo literário, Moro, após ouvir tal opinião, manifesta-se-lhe francamente desfavorável.

Eis como se exprime Rafael Hitlodeu:

«O único meio de distribuir os bens com igualdade e com justiça e de fazer a felicidade do gênero humano é a abolição da propriedade. Enquanto o direito de propriedade for o fundamento do edifício social, a classe mais numerosa e mais estimável não terá por quinhão senão miséria, tormentos e desespero».

Ao que Tomás Moro replica:

«Longe de compartilhar tuas convicções, julgo, ao contrário, que o país onde se estabelecesse a comunhão de bens seria o mais miserável de todos os países. Com efeito; como então produzir para as necessidades do consumo? Todos fugiriam do trabalho e deixariam de se preocupar com a própria subsistência, pois cada um confiaria tranquilamente no zelo dos outros. E, no caso de que a miséria sobreviesse sem que fosse lícito aos cidadãos dispor de alguma coisa como de sua propriedade particular, que se seguiria dai senão incessante rebelião, esfomeada e ameaçadora? Os morticínios ensanguentariam a tua república.

Que barreira se oporia à anarquia? Os magistrados teriam apenas autoridade nominal; estariam destituídos de tudo que impõe temor e respeito. Não chego mesmo a conceber a possibilidade de governo nesse povo de niveladores que repelisse toda espécie de superioridade» (Utopia, parte I, ed. Athena. Rio de Janeiro 1937, pág. 61).

Ora estas críticas ao sistema da comunhão de bens na sociedade (e não a tese de Hitlodeu) é que representam o genuíno modo de pensar de Tomás Moro. Não somente o contexto da «Utopia» incute tal conclusão, mas também uma explicita declaração de Moro na sua última grande obra, intitulada «Consolo na tribulação», onde o autor expõe suas ideias referentes a economia:

«É absolutamente necessário que haja homens dotados de posses; em caso contrário, existirão mais mendigos do que já existem, e não haverá cidadão à altura de socorrer o seu próximo. Tenho para mim como certa a seguinte conclusão: se todo o dinheiro existente neste país fosse amanhã sequestrado de seus proprietários, acumulado num depósito comum e, a seguir, redistribuído, em porções iguais, a cada um dos habitantes da região, estaríamos depois de amanhã em piores condições do que amanhã Pois creio que, se todos os cidadãos recebessem igual porção de bens, os que hoje estão bem colocados ficariam em posição pouco melhor do que a de um mendigo de hoje; doutro lado, aqueles que hoje são mendigos, apesar do que lhes sobreviesse mediante essa nova repartição de bens, não seriam colocados em situação multo melhor do que a de um mendigo de hoje. Aconteceria, em todo caso que muitos daqueles que hoje são ricos, se viessem a possuir apenas bens móveis (dinheiro), se tornariam pobres para o resto da vida.

Os homens, como bem sabeis, não podem viver neste mundo sem que uns proporcionem os meios de vida a muitos outros. Nem todos estão em condições de possuir um barco, nem todos estão habilitados para exercer o comércio (por falta de estoque), nem todos estão a altura de ter um arado (não obstante, sabeis como essas coisas são necessárias). E quem poderia viver da profissão de alfaiate se não existisse quem estivesse em condições de encomendar uma roupa? E quem poderia viver da profissão de pedreiro ou carpinteiro, se não existissem homens capazes de mandar construir igrejas ou casas? E que fariam os tecelões se faltassem proprietários de fábricas para movimentar a sua respectiva indústria? Melhor é a condição do homem que, não tendo nem sequer dois ducados em sua casa, entrega o que tem e fica sem coisa alguma, do que a condição daquele que, sendo rico proprietário (do qual o primeiro é empregado), venha a perder a metade dos seus haveres. Este outro estaria então obrigado a se tornar empregado ele mesmo. Acontece, porém, que o homem pobre (empregado) tem a sua fonte de vida precisamente nos haveres do rico. Em tais circunstâncias, dar-se-ia com o pobre aquilo que se deu com a mulher da qual trata uma das fábulas de Esopo: esta tinha uma galinha que diariamente lhe dava um ovo de ouro; um belo dia, julgando que, de uma só feita, se poderia tornar proprietária de grande quantidade de ovos, matou a galinha; eis, porém, que só encontrou um ou dois ovos no ventre da ave. Assim por cobiça desses poucos ovos ela veio a perder grande número deles».

Por estes dizeres Tomás Moro evidencia com suficiente clareza quanto era alheio a qualquer teoria niveladora da propriedade ou qualquer sistema socialista. Doutro lado, porém, é preciso frisar que ele estava longe de incorrer no perigo do capitalismo liberal, individualista e ganancioso dos séculos XVIII/XIX: muito insistia na função social do dinheiro, ou seja, na obrigação que incumbe aos proprietários, de fazer render as suas posses em proveito do próximo. Com efeito, assim continuava ele as considerações acima transcritas:

«Aquele que não tem solicitude pelos súditos, é pior do que um apóstata da fé. Os nossos súditos são os que nos foram confiados ou nela natureza ou pela lei ou por algum mandato de Deus :… pela natureza, como os nossos filhos; pela lei, como os nossos sedentes domésticos. Embora filhos e serventes não nos estejam confiados do mesmo modo, creio que, mesmo com relação aos serventes (com os quais temos menos estreita ligação), estamos obrigados a ser solícitos e a prover às suas necessidades. Estamos, sim, obrigados, tanto quanto nos é possível, a cuidar de que não careçam das coisas que lhes são necessárias enquanto se acham a serviço nosso. Por conseguinte, se vêm a adoecer enquanto nos servem, cabe-nos o dever de os tratar, de modo nenhum ser-nos-ia lícito expulsá-los de casa e abandoná-los sem conforto, por todo o tempo em que não estejam em condições de trabalhar e de prover a si mesmos. Um tal procedimento seria contrário a todas as regras do bom senso humano».

Conclui-se assim que, para Tomás Moro, o que merece condenação não é o dinheiro nem a propriedade, mas, sim, a estima egocêntrica dos bens deste mundo.

O proprietário egoísta e apaixonado é diretamente repreendido em outra passagem do diálogo «Consolo na tribulação»

«Julgo, ó primo, que, se alguém concentra riquezas em torno de si a fim de obter glória e poder neste mundo…. um tal é, sim, vão, louco, soberbo e, na verdade, destituído de todo valor».

Eis, porém, que tão clara posição de Tomás Moro em favor da propriedade particular, administrada com altruísmo, sugere ulterior questão: porque então terá o autor apresentado Hitlodeu na «Utopia» a proferir conceitos tão semelhantes aos de um socialismo avançado?

Após considerar atentamente os matizes das expressões e do pensamento do escritor, eis o que se pode responder de mais plausível: Moro desejava, de um lado, rejeitar, sim, todo nivelamento imposto à força ou por leis do Estado; de outro lado, porém, intencionava na «Utopia» insinuar que a comunhão de bens poderia ser um ideal, sim, caso fosse abraçada espontaneamente (o que quer dizer também em grupos pequenos, por cidadãos inclinados a isto). Em outras palavras: a quanto parece, Moro desejava lembrar aos seus leitores cristãos que a comunhão de bens representa o ideal da vida cristã levada até as últimas consequências, em amor a Deus e ao próximo.

Expliquemo-nos melhor: o grande objetivo da obra «Utopia» era «reprimir os abusos de uma sociedade cristã embotada (como a da Europa dos séc. XV/XVi)», sociedade que se ia deixando obcecar pelas conquistas materiais e pelos lucros financeiros oferecidos a todos os cidadãos desde a descoberta de novas terras no Oriente e no Ocidente. Ao extremo apego ao dinheiro, Tomás Moro quis opor o extremo desapego do dinheiro, não, porém, como o preconizava Hitlodeu (isto é, de maneira violenta, por imposição estatal), mas, sim, como o ensinava o Evangelho e o Cristianismo autêntico (isto é, de maneira livre e espontânea). Com efeito; lê-se numa das passagens da «Utopia* referentes à Religião o seguinte episódio, muito significativo no nosso caso : a população da ilha maravilhosa professava uma religião naturalista e pálida; aconteceu, porém, que um dia tomou conhecimento do Evangelho, e se converteu prontamente a Cristo. — E por que tão prontamente? — Porque, observa Hitlodeu, «os utopianos tinham ouvido dizer que Cristo inspirou o ideal da espontânea comunhão de bens entre os seus discípulos e que essa comunhão de bens ainda era praticada por cristãos ávidos de perfeição». Destarte Moro propunha a comunhão de bens inspirada pelo Evangelho, isto é, pelo amor a Deus e ao próximo, como supremo ideal, junto ao qual o comunismo da «Utopia» deveria ser tido como falsa solução; esse ideal cristão foi justamente o termo que Tomás Moro quis inculcar na sua «Utopia». Que os leitores o praticassem…, uns ao pé da letra, vendendo tudo que tivessem em proveito dos pobres, a fim de seguir o Cristo na pobreza voluntária (como ela sempre foi observada na Igreja), … os outros em espírito, isto é, continuando a possuir os bens que a Providência lhes concedera, mas dentro de uma atmosfera nova, com total desprendimento interior!

Tal é a interpretação mais fidedigna que se possa dar aos dizeres «socializantes» da obra «Utopia». Moro os terá formulado não como expressão do seu próprio pensamento, mas unicamente como estímulo pungente e paradoxal que provocaria os seus leitores cristãos a refletir um pouco e a corrigir os avanços do egoísmo capitalista que solapavam a sociedade da sua época. Moro terá descrito o desapego praticado por um povo não-cristão (os utopianos, inspirados apenas pelo bom senso humano), a fim de lembrar aos cristãos que a ganância os fazia descer a um nível religioso e moral inferior ao dos povos não-cristãos.

Este modo de entender a «Utopia» é, com muito acerto, desenvolvido por um dos principais intérpretes de Tomás Moro — Christopher Hollis — no seu valioso estudo «Sir Thomas More» (London 1937),

«Na ‘Utopia’ temos a descrição do estado da sociedade ao qual o homem pode chegar sem a revelação divina. Nas passagens em que os costumes dos utopianos diferem dos costumes cristãos, enganar-se-ia, como já se tem dito, quem pretendesse que Moro preferia os costumes dos utopianos. Conforme Moro, os cristãos devem sob todos os aspectos levar um gênero de vida superior ao dos utopianos. Não obstante, era característico do gênio de Moro aproveitar-se da oportunidade para mostrar que, em alguns setores da vida cotidiana, os cristãos da sua época haviam caído não somente abaixo do nível normal da vida cristã, mas até mesmo abaixo do nível ao qual aspirava o bom senso dos pagãos. Tal é certamente o sentido do contraste que constantemente aparece nas duas partes do livro ‘Utopia’, contraste entre o desprezo do dinheiro praticado pelos utopianos e o apego ao capital que prevalecia entre os cidadãos do século XVI:

‘Os utopianos imaginaram um uso do ouro e da prata perfeitamente em harmonia com o restante das suas instituições, mas em completo desacordo com as do nosso continente, onde o ouro é adorado como um Deus e procurado como o bem supremo. Eles comem e bebem em pratos e copos de barro ou vidro …; o ouro e a prata são destinados aos usos mais vis, tanto nos estabelecimentos públicos como nas casas particulares; são feitos com eles até os vasos noturnos. Com o ouro e a prata forjam-se cadeias e correntes para os escravos, e marcas de opróbrio para os condenados que cometeram crimes infames. Estes réus levam anéis de ouro nos dedos e nas orelhas, um colar de ouro no pescoço…» (1. II, cap. «Das viagens dos utopianos», ed. cit. pág. 107s)>

A estas frases Christopher Hollis (ob. cit. pág. 86) acrescenta oportuno comentário:

«Não temos fundamento para dizer que Moro professava pessoalmente… as opiniões que ele atribuía a Hitlodeu. Moro sabia descrever quadros paradoxais, a fim de provocar os leitores à reflexão, sem, porém, querer identificar-se com tais paradoxos».

Era, portanto, pela sátira fina que Moro queria censurar os seus concidadãos e corrigir os costumes da época. Tal proceder estava, aliás, na linha do temperamento do santo, sempre jovial e sempre animado do bom humor britânico e cristão. Bem observa Brémond (Thomas Morus. Regensburg 1935, pág. 72):

«Não será preciso sublinhar que Moro se teria deleitado profundamente com o desapontamento dos leitores, se tivesse sido obrigado a lhes dizer até que ponto levava a sério as suas teorias. Em seus escritos como em sua vida ele permaneceu sempre o mesmo varão : conforme Stapleton, nem mesmo a sua esposa sabia jamais se ele estava falando sério ou em brincadeira, serione aut loco aliquid diceret (Vida de Tomás Moro c. XIII, publicada em 1588)».

É à luz destas ideias, decisivas para a interpretação dos escritos de Tomás Moro, que se hão de entender os demais pontos controvertidos da «Utopia».

4) O hedonismo, o divórcio e o suicídio (este, em casos de doença incurável) vêm a ser, no quadro da «Utopia», expressões da mentalidade de uma sociedade não-cristã, que se guia apenas pelas categorias da prudência humana. Tomás Moro muito se empenhou por frisar esses traços, pois, como já temos dito, queria sublinhar que os seus contemporâneos pareciam, por suas desordens sociais, levar um gênero de vida menos digno do que o de uma sociedade não-cristã. Esta, dentro do seu relativismo religioso, seria amiga dos prazeres que a vida cotidiana oferece (donde o hedonismo dos utopianos, que não é epicurismo, nem deboche, pois conhece moderação e disciplina); uma tal sociedade também não teria motivos para suportar incondicionalmente um matrimônio pouco prazenteiro aos olhos da natureza (o que não significa que praticaria o amor livre), nem um estado de doença sem esperança de cura corporal. Se bem que errônea nesses pontos, queria Tomás Moro incutir que uma tal sociedade teria descido a um nível de vida moral menos baixo do que a sociedade de sua época entregue à cobiça e ao egoísmo.

«Pode-se dizer com razão: ‘Utopia’ apresenta uma sociedade que se eleva tão alto quanto é possível a uma população que, de um lado, não esteja detida por algum empecilho da natureza ou dos vícios, mas que, de outro lado, só conte com a sua razão natural para chegar até a verdade Nada insinua que Tomás Moro tenha considerado essa religião natural como substitutivo equivalente ao Cristianismo Ao contrário na “Utopia’ essa religião natural é apresentada como disposição valiosa que induziu os utopianos a abraçar o Cristianismo desde que ouviram a pregação do Evangelho. Sim; declara Hitlodeu: ‘Depois que eles nos ouviram falar do nome de Cristo, da sua doutrina, das suas leis, dos seus milagres e da admirável constância de tantos mártires cujo sangue generosamente derramado trouxe grande número de nações para a sua crença, não acreditarias com que alegria os utopianos aceitaram essa mesma fé (cristã)… Eles a consideravam como intimamente relacionada com as suas mais caras tradições’» (Hollis, ob. cit. pág. 78).

Em conclusão : consciente das genuínas intenções e da sutileza de mente de Tomás Moro, o leitor moderno não atribuirá a este escritor as teses libertinas que Hitlodeu profere na «Utopia» e que, aos olhos de Moro, constituem apenas o fundo para fazer contraste e para realçar uma genuína mensagem cristã : para que haja felicidade social, requer-se espírito de desprendimento, desprendimento que não significa extinção da propriedade particular (o que seria contrário à natureza humana), mas uso altruísta dos haveres próprios, desprendimento que pode, em casos especiais, levar a uma vida em comunhão de bens e pobreza voluntária tal como ela tem sido realizada pelos cristãos sequiosos de maior perfeição .em todas as épocas da história.

De resto, a mensagem cristã de Tomás Moro fica indelevelmente documentada e corroborada pelo teor de vida desse varão, que, sem favor, pode ser tido como um dos grandes heróis da fé cristã.


Christopher Hollis, Sir Thomas More. London 1937.
Henri Brémond, Le bienheureux Thomas More. Paris 1935.
A. Amoroso Lima, Tomaz Morus, em «A Ordem» vol. XXHI (1940) pág. 3-24

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