Essa é uma das dúvidas mais profundas e inquietantes que muitos levantam contra a fé cristã: como pode um Deus infinitamente bom e amoroso permitir que uma alma passe a eternidade no inferno? À primeira vista, parece inconciliável. Mas uma reflexão mais atenta — à luz da Revelação e da doutrina da Igreja — nos permite compreender com clareza e serenidade essa verdade.
Deus quer salvar a todos
Antes de tudo, é preciso afirmar com toda a certeza: Deus não quer que ninguém se perca. A Escritura é clara: “Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4). O desejo salífico universal de Deus é uma verdade de fé. Cristo morreu por todos, sem exceção, e a sua graça é oferecida a cada ser humano.
O dom da liberdade humana
Entretanto, Deus nos criou livres. O amor verdadeiro não se impõe, ele se propõe. Ninguém é forçado a amar, a servir ou a obedecer a Deus. Cada pessoa tem a capacidade de aceitar ou rejeitar a graça divina. E é justamente essa liberdade que explica a existência do inferno.
Embora a linguagem bíblica e eclesial muitas vezes fale de “punição” ou de Deus “lançar” no inferno, a compreensão correta é que a condenação é um afastamento voluntário de Deus. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica:
“Morrer em pecado mortal, sem arrependimento e sem acolher o amor misericordioso de Deus, significa permanecer separado dele para sempre por livre escolha própria. E é esse estado de autoexclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados que se designa pela palavra ‘inferno’” (CIC 1033).
Ou seja, ninguém é enviado ao inferno contra a própria vontade. É o próprio homem que escolhe esse destino ao recusar persistentemente o amor e o perdão de Deus.
Deus respeita nossas escolhas
Deus oferece a todos os meios suficientes para a salvação. Isso é uma exigência da sua justiça e da sua misericórdia. Mas a salvação exige resposta. Quando uma pessoa, por decisão livre e consciente, recusa a Deus, comete pecado mortal. E se perseverar nesse estado até o fim da vida, sem arrependimento, sua escolha se torna definitiva. É isso que a Igreja sempre ensinou: o inferno é consequência da liberdade humana usada contra o próprio bem.
Após a morte, não há mais mudança de estado: entra-se na eternidade. E nessa condição, o que foi escolhido livremente neste mundo permanece para sempre. Por isso, a urgência da conversão é para esta vida. “Agora é o tempo favorável, agora é o dia da salvação” (2Cor 6,2).
O tempo da misericórdia é hoje
Enquanto estamos vivos, Deus nunca desiste de nós. Sempre há tempo para voltar, sempre há graça disponível para quem se arrepende sinceramente. E o sacramento da confissão é o tribunal da misericórdia, onde o réu, se arrependido, é sempre perdoado.
Foi para isso que Cristo morreu: para nos livrar do pecado, reconciliar-nos com o Pai e nos abrir as portas do céu. Mas esse dom exige acolhimento.
Conclusão: O inferno é justo porque respeita a liberdade
Portanto, não se trata de um Deus cruel que condena arbitrariamente, mas de um Pai amoroso que respeita até o fim a liberdade de seus filhos. O inferno é uma realidade terrível, mas justa. E é também um chamado urgente para a conversão, para não desperdiçarmos a graça que nos é oferecida em Cristo.
Deus é amor, e por isso mesmo nos deixa livres. E essa liberdade, bem usada, nos conduz à glória; mal usada, pode nos afastar definitivamente de Deus. A escolha é nossa. Mas enquanto há vida, há esperança.