Os justos do Antigo Testamento possuíam, sim, a graça, santificante. Pelos sacramentais — ou meios de santificação — que lhes ofereciam a eles a Lei mosaica e seus precedentes (a circuncisão, os lugares santos dos Patriarcas), eles obtinham a remissão do pecado original e a amizade com Deus; esta acarretava o revestimento de sua alma pelo hábito da graça santificante.
Houve, sem dúvida, almas profundamente piedosas e unidas a Deus no povo de Israel, almas, portanto muito ricas de graça. Está claro, porém, que o dom divino lhes era outorgado em vista dos futuros merecimentos de Cristo, de sorte que Este fica sendo o grande Centro da história, a Cabeça de todos os homens.
O que é Graça Santificante?
Graça santificante é um dom criado que Deus se digna conceder à alma do justo, a fim de o tornar filho adotivo de Deus (cf. 1 Jo 3, 1-3). Habilita-o assim a produzir, dentro da sua capacidade de criatura, os atos de conhecimento e amor do próprio Deus. Por esse dom o homem vem a ser realmente consorte da natureza divina (cf. 2 Pdr 1,4), templo do Espírito Santo (cf. 1 Cor 3, 16) ou da SSma. Trindade (cf. Jo 14, 23).
Em linguagem metafórica, pode-se dizer que a graça santificante é um hábito ou uma veste que recobre a substância da alma, dando-lhe uma entidade nova, um ser sobrenatural. Esse ser novo há de ter suas faculdades de agir, paralelas às faculdades de agir da alma na ordem natural. Por isto a graça santificante é sempre comunicada ao homem juntamente com as virtudes infusas, dentre as quais se destacam a fé e a caridade. A fé é um dom outorgado à inteligência para que esta possa conhecer a Deus como Deus conhece a Si; a caridade é o dom que se localiza na vontade, fazendo que o homem possa amar a Deus e às criaturas como Deus ama. Conseqüentemente, diz se que, pela graça santificante e as virtudes da fé e da caridade, Deus prolonga sua vida no justo; as processões intratrinitárias se estendem ao cristão: Deus Pai gera nele o seu Verbo ou Filho, servindo-se dos atos de fé sobrenatural desse justo; Deus Pai e Deus Filho fazem proceder nele o Amor, servindo-se para isto dos atos de amor sobrenatural dessa criatura.
O valor da graça aparece nitidamente se é considerado dentro do seguinte quadro:
a pedra tem analogia com Deus na medida em que ela é ou existe (Deus é o Ser por excelência);
a planta tem analogia com Deus na medida em que ela vive (Deus é a Vida por excelência);
o homem e o anjo, por sua natureza, têm analogia com Deus na medida em que possuem inteligência (Deus e a primeira Inteligência).
Pois bem; acima da natureza Angélica coloca-se o dom da graça santificante que confere à criatura semelhança com Deus enquanto é Deus mesmo, ou com Deus no mistério de sua vida intima. Pode-se, pois, dizer que acima dos reinos da natureza (reino mineral, vegetal, animal, humano e angélico), está o Reino de Deus constituído pela vida intima de Todo-Poderoso e pela participação dessa vida outorgada, mediante a graça santificante, as almas dos justos e aos anjos bons.
Esta escala nos dá a ver que um só ato de amor sobrenatural a Deus emitido ocultamente por uma velhinha ou uma alma simples no canto de uma igreja mais vale do que todas as maravilhas da natureza reunidas; Deus se compraz mais nesse ato do que na existência dos espaços cósmicos com seus esplendores deslumbrantes.
À luz desta doutrina entendem-se os adágios: “O reino dos céus é a alma do justo” e “A graça é a semente da glória”. Com efeito, a glória celeste já começa embrionalmente na terra pela posse da graça santificante; esta tende a mais e mais se desenvolver penetrando as faculdades da alma até o âmago, de sorte que, ao terminar a sua peregrinação terrestre, o justo vê interromper de sua alma a fonte da eterna felicidade; a vida de Deus está depositada no seu íntimo desde agora não é preciso que espere a morte para receber.