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Problemas com a Doutrina Reformada da Substituição Penal

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(Por Allison Low, Catholic Stand. Tradição: Gabriel Gomes) Discutir teologia com nossos irmãos e irmãs protestantes costuma ser interessante, mas também pode ser frustrante.

Por exemplo, muitos protestantes, particularmente aqueles de tradição Reformada, defendem passional e firmemente a doutrina da substituição penal. Essa doutrina ensina que, na cruz, Jesus assumiu o lugar de toda a humanidade e foi punido por Deus Pai. Fazendo isso, Ele suportou a ira e a punição que nós merecemos por conta de nossos pecados. 

Teologia Reformada x Teologia Católica

Claro, como católicos, defendemos que sendo a morte de Jesus um sacrifício, ela foi substitutiva. Mas nós rejeitamos firmemente a substituição penal. Jesus é Deus e Deus é perfeito, como, então, pode Deus punir Deus? E assumindo que Jesus poderia de alguma maneira se separar de Deus, por que Deus puniria um ser puro pelos nossos pecados? Uma ideia como essa é totalmente incompatível com nossa visão de Deus. 

Dialogando com amigos protestantes, eu descobri que os elementos essenciais da crença deles na substituição penal parecem dizer que, devido à ira de Deus e à perfeita justiça, Jesus precisou ser punido para que nossos pecados fossem perdoados – não havia outra opção.

Por que me abandonastes?

Quando Jesus estava na cruz, ele gritou, “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?” (Mt 27, 46). Aqueles que defendem a doutrina da substituição penal, alegam que isso mostra que Deus Pai abandono Jesus na cruz e a relação entre Deus Pai e Deus Filho foi cortada.

Adicionalmente, citando 2Cor 5,21, eles acreditam que Jesus, literalmente, tomou sobre si nossos pecados. Fazendo referência a Rm 1,18, eles dizem que a ira de Deus foi derramada em Jesus. Desse modo, no momento da cruz, Jesus está sofrendo a punição que nós merecemos por nossos pecados. 

Mas se examinarmos nossa compreensão da Trindade e da Encarnação, nós perceberemos que essa visão da substituição penal é incompatível com essas doutrinas. 

À luz da Trindade e da Encarnação

Primeiramente, Deus revelou que Ele é um Deus Uno e Trino. As três Pessoas Divinas da Trindade são Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Cada Pessoa Divina é distinta, mas não separada. Cada Pessoa Divina possui a natureza divina sendo a única diferença na relação entre as Pessoas. Na Divindade, essas três Pessoas não têm começo ou fim, e elas estão em eterna comunhão entre si. 

Na Encarnação, Deus Filho, a Segunda Pessoa Divina, enquanto possui totalmente uma natureza divina, uniu-se a uma natureza humana. Essa união hipostática é real e não meramente acidental. As duas naturezas em Cristo são distintas sem misturar-se e natureza divina de Jesus permaneceu imutável. Jesus não foi somente um homem habitado por Deus, mas foi verdadeiro Deus e verdadeiro homem. 

Humano e Divino

Dessa forma, quando Jesus andou pela costa da Galileia, falou com os Apóstolos e foi açoitado no pilar, foi Deus Filho que fez essas coisas. Essas experiências foram possíveis por conta da sua natureza humana. E quando Jesus devolveu a visão aos cegos, acalmou tempestades e ressuscitou os mortos, foi Deus Filho que fez essas coisas, porque possuindo uma natureza humana, Ele continuou sendo Deus Filho, que possuí a natureza divina em sua totalidade. E quando Jesus morreu na cruz, a Segunda Pessoa Divina sofreu na carne e foi crucificado na carne. 

Então a Paixão foi suportada por Deus Filho por conta da natureza humana que Ele assumiu enquanto sua natureza divina permaneceu imutável. ( Ver Tomás de Aquino, Summa Theologiae, III, 46, a. 12.)

Contudo, com a doutrina de substituição penal, defende-se que Deus Pai rompeu sua relação com Deus Filho na cruz com o intuito de punir Jesus. Mas esse elemento da doutrina é contrário às doutrinas da Encarnação e da Trindade. Se Deus Filho pudesse ser separado de Deus Pai, mesmo que por um momento, então ele não seria e nem poderia ser Deus.  

Jesus assumiu nossos pecados literalmente?

Quando nós reconhecemos que Jesus é Deus Filho, nós também devemos rejeitar qualquer interpretação das Escrituras que sugira que Jesus literalmente assumiu todos os nossos pecados Nele mesmo. Podemos fazê-lo confiadamente por conta da natureza do pecado.

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Colocando de maneira simples, o pecado é uma ofensa contra Deus. Quando pecamos, ferimos nossa relação com Deus em vários graus. Cometendo pecados graves, cortamos nossa relação com Deus por completo. Não estamos mais em comunhão com Deus. 

Se Jesus assumiu literalmente nossos pecados mortais, teríamos uma situação na qual Ele estaria em inimizade com Deus. Mas, como já foi apontado, isso não é possível porque Jesus é Deus Filho. 

Reconhecendo aquilo que sabemos sobre o Deus Triuno, a Encarnação, e o pecado, nós devemos examinar as Escrituras em sua totalidade em conjunto com todas as doutrinas reveladas. Olhar para as Escrituras em sua totalidade requer  que rejeitemos qualquer interpretação que sugira que Deus Filho, em qualquer modo, tenha perdido a comunhão com Deus Pai ou esteve em inimizade com o Pai. 

Como a ira de Deus é satisfeita? 

Contudo, os protestantes irão perguntar com frequência como é satisfeita a ira de Deus, se os católicos não defendem que Deus tenha derramado essa ira que nós merecemos em Jesus? Eles também irão apontar numerosos textos do Novo Testamento que fazem referência à ira de Deus, como Jo 3,36; Rm 1,18 e 12,19; e Ef 5,6. Mas a chave para entendê-los está na interpretação apropriada daquilo que as Escrituras estão nos ensinando. 

Cólera (ira) é uma paixão que existe no interior dos seres humanos. Deus, entretanto, é imutável e impassível. Ele não tem sentimentos da maneira que os conhecemos. Nem experiencia as paixões. Deus também não tem um temperamento. E nossos pecados não provocam vingança em Deus. Deus é infinitamente perfeito, misericordioso, amoroso e justo em tudo que Ele faz, então nós enxergar aquilo que chamamos de Sua ira à luz da verdade. 

Tomás de Aquino, na sua Suma Teológica, nos diz que as Escrituras em alguns momentos falam de Deus de maneira metafórica. Isso é visto particularmente quando certas paixões humanas são predicadas à Divindade. Diz o Aquinate: 

Destarte uma coisa que em nós é um signo de uma paixão, é significada metaforicamente em Deus sob o nome daquela paixão. Por isso entre nós é comum que um homem irado puna, sendo aquela punição uma expressão da ira. Portanto, o ato de punir em si é entendido com a palavra ira, quando atribuído a Deus. 

Punição como uma expressão da Ira

Ainda eu Deus não experencie a paixão da raiva, dizemos que nós experenciamos as consequências do pecado como expressões de Sua “ira”. Mas isso deve ser entendido metaforicamente. Quando pecamos, nos rebelamos contra Deus e nos voltamos contra Ele. Deus permite que soframos as consequências nessa vida e na próxima. Essas consequências incluem a desordem, desarmonia, dor, sofrimento e a morte física. Mas essas consequências/punições não são o resultado de tormentos desejados ativamente por Deus. Pelo contrário, devido o Seu amor por nós, Deus nos deu um livre-arbítrio para tomar decisões. Se escolhemos separarmo-nos Dele que é Bondade e Amor, então o resultado inevitável será nos privarmos de Sua bondade e amor.

Outro modo de entender a “Ira de Deus” é reconhecendo que nossa desobediências e rebelião não causam nenhuma mudança em Deus. Pelo contrário, nós somos mudados pelo pecado. Se rejeitamos o amor de Deus e nos rebelamos, nossos corações endurecem. Faltando o amor de Deus, a pessoa será atormentada pelo pensamento do julgamento de Deus e, como resultado disso, experienciará a “ira de Deus”. Mas em ambos os cenários, quem foi mudado fomos nós, não Deus.

A justiça de Deus

O último ponto para se ter em mente sobre a natureza de Deus está relacionado com Sua justiça perfeita. Aqueles que defendem a doutrina da substituição penal acreditam que já que as consequências de nossos pecados são os sofrimentos, morte e as dores do inferno, a justiça requer que Jesus tome nosso lugar e experencie essas consequências para que a salvação seja possível.

Mas como fora posto antes, como pode Deus punir Jesus Cristo que é completamente inocente? Também é impossível defender que Deus Filho pudesse literalmente se tornar um pecador em inimizade com Deus, E seria contra a justiça que Jesus, perfeitamente puro, santo e inocente, fosse torturado e crucificado como punição por aquilo que Ele não fez.

O Sacrifício amoroso do Cristo

Toda a vida de Jesus foi de amor, obediência e esvaziamento de si mesmo (Filipenses 2, 8). Ele aceitou sua morte na cruz livremente, voluntariamente dando sua vida por cada um de nós. Por conta da Encarnação, Deus Filho realiza um ato humano – o de oferecer a Si mesmo e o de entregar a Sua vida. Ele faz isso em nosso lugar. E sendo Deus, sua oferta tem valor infinito. Esse ato de humildade, obediência e amor foi agradável a Deus. E o sacrifício do Cristo foi de méritos infinitos para nós.

Como escreve Santo Tomás:

Ora, Cristo, sofrendo por obediência e caridade, ofereceu a Deus um bem maior do que o exigido pela recompensa da ofensa total do gênero humano. Assim, primeiro, pela grandeza da caridade, pelo qual sofria. Segundo, pela dignidade de sua vida, que oferecia em satisfação, que era a vida de Deus e do homem. Terceiro, por causa da generalidade da Paixão e da grandeza da dor assumida, como dissemos. Por onde, a Paixão de Cristo foi uma satisfação só suficiente, mas também superabundante pelos pecados do gênero humano, segundo aquilo do Evangelho: Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo.

(Summa, III, 48, a. 2)
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