A Sagrada Escritura, ao falar de Deus, aplica-Lhe os conceitos de paternidade, filiação, geração. Estas noções, porém, não convém ao Altíssimo do mesmo modo que a nós homens.
Em Deus todos os atributos se acham na escala do infinito (o que quer dizer propriamente: acima de qualquer escala), ao passo que em nós tudo é finito. Em termos técnicos: há analogia, e não univocidade, entre Deus e nós.
Feita esta observação, dir-se-á:
1) Em Deus há geração, isto é, comunicação da natureza divina (como entre os homens, por geração, há comunicação da natureza humana), e comunicação tal que dela resulta uma Pessoa em tudo igual à Pessoa que comunica. Note-se que geração não é o mesmo que criação; esta significa origem a partir do nada, por conseguinte, diversidade de natureza entre o Criador e a criatura. O pai, porém, não tira do nada, mas produz da sua natureza.
Logo depois de afirmar isto, é-nos necessário negar em Deus algumas notas que caracterizam o processo generativo entre os homens.
2) A comunicação da natureza em Deus não implica temporalidade, começo, progresso, fim; é ato único, sempre presente e perfeito, ato inseparável do ser ou da vida de Deus; desde que Deus é Deus, ou seja, sem começo e sem fim, o Pai gera o Filho, ou a essência divina se comunica do Pai ao Filho.
3) Tal comunicação não acarreta imperfeição na pessoa gerada nem subordinação perante o Pai (era com referência à sua ssma. humanidade que Jesus dizia em Jo 14,28: “O Pai é maior do que eu”).
4) Também não significa divisão da substância divina. Esta é espiritual; por isto não tem partes, é indivisível. Pela geração a mesma natureza divina, com sua infinita perfeição, subsiste no Filho como ela subsiste infinita no Pai. Entre Pai e Filho há a distinção proveniente apenas do que se chama “oposição relativa”: o Pai é a natureza divina enquanto gera, o Filho é a natureza divina enquanto gerada.
A geração do Filho é tão alheia ao plano da corporeidade que se pode comparar ao nosso ato de conceber uma idéia ou uma palavra mental. Com efeito, o Filho na Sagrada Escritura também é chamado Logos (em grego, Palavramental ou vocal, não pròpriamente Verbo) e Imagem (expressão) do Pai (cf. Jo 1,1-3; Col 1,15). Entende-se bem a sinonímia: no plano do espírito, a função de conceber uma idéia corresponde à de conceber e gerar um filho no plano da corporeidade; tanto o filho como a idéia são manifestações, imagens, da natureza de quem concebe. Não é em vão que repetindo o mesmo vocábulo, falamos de “conceber uma idéia” e “conceber um filho”; estas funções, que em nós são distintas por constarmos de espírito e matéria, em Deus, Puro Espírito, constituem uma só, a saber: o ato em que a primeira Pessoa divina conhece total e perfeitamente a sua infinita perfeição e profere este seu conhecimento numa Palavra ou Imagem que subsiste como Pessoa igual à Pessoa que proferiu, ou como um Filho perante seu Pai.
A título de complemento, diremos que o ato de contemplar o Filho não pode deixar de suscitar no Pai o Deleite, o Amor, Amor que é recíproco do Filho ao Pai. Este Amor constitui outra manifestação perfeita da vida de Deus; não é senão a natureza divina mesma que se afirma como Amor subsistente, pessoal. À terceira Pessoa a Sagrada Escritura dá o nome de “Espírito Santo”, que é o ósculo sagrado a unir o Pai e o Filho numa felicidade sem princípio e sem fim.
Jamais se poderia conceber a vida divina sem estas duas afirmações características do ser espiritual: a do conhecimento, donde procede a Palavra mental ou o Filho do Pai Eterno, e a do Amor, donde procede o Espírito Santo, a Complacência, o Deleite, do Pai no Filho e do Filho no Pai.