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Como os corpos humanos irão ressuscitar?

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Duas são as qualidades que se assinalam indistintamente a todos os corpos ressuscitados: imortalidade e integridade. Examinemos cada qual de per si.

Imortalidade

Após a ressurreição, a vida não terá mais fim, seja a vida bem-aventurada dos justos no céu, seja a triste existência dos réprobos no inferno. É o que se depreende não somente dos textos bíblicos que falam da vida póstuma como sendo «vida eterna» (Rom 6,22s; Mt 25,46; 19,16; 1 Jo 5,13; Jo 17,3), mas também da explícita passagem da epístola aos Hebreus: «Foi estabelecido, para os homens, morrer um só vez; depois do que há o julgamento» (9,27).

Da prerrogativa da imortalidade deduz-se que nada que possa ameaçar a vida afetará os ressuscitados; não experimentarão tendência à decrepitude ou ao declínio. Em consequência, tornar-se-ão desnecessárias as funções de nutrição e geração, mediante as quais o indivíduo e a sociedade procuram de certo modo perpetuar-se, suprindo as deficiências do corpo mortal; por não exercerem mais tais funções, os ressuscitados são pelo Senhor comparados aos anjos do céu (cf. Lc 20,35).

Para os justos, a imortalidade gloriosa será um sinal do triunfo que terão obtido com Cristo sobre o pecado. Para os réprobos, ao contrário, a imortalidade não será motivo de regozijo, mas sanção muito aflitiva, pois há de os confirmar sem fim num estado extremamente doloroso.

Integridade

Este predicado significa que todos os ressuscitados, tanto justos como réprobos, possuirão todos os órgãos e membros, todas as faculdades que o corpo humano por sua natureza normalmente possui, embora hajam sido mutilados ou disformes neste mundo. Conservarão outrossim a distinção de sexos.

Estas afirmações decorrem do fato de que o homem ressuscitará, conforme o plano de Deus, a fim de atingir a sua consumação. Por conseguinte, deverá gozar de tudo aquilo que pertence à natureza humana como tal; Deus, portanto, restaurará nos corpos ressuscitados os órgãos amputados ou mutilados nesta vida; dará até mesmo os que o indivíduo nunca tenha possuído (olhos, por exemplo, ao cego de nascimento; o desdentado recuperará todos os dentes). Sto. Agostinho e S. Tomás ensinam que também as unhas e os cabelos integrarão o novo corpo, estes, porém, em quantidade normal, nem deficiente (o que seria a calvície) nem excessiva.

Sto. Agostinho compraz-se em pormenores:

Nada de defeituoso haverá nos corpos ressuscitados. Os que tiverem sido obesos e gordos, não retomarão toda a quantidade de seus corpos, mas o que exceder o normal será tratado como supérfluo. Ao contrário, tudo que a doença ou a velhice tiverem consumido nos corpos, será restaurado por Cristo com poder divino; o mesmo se verificará nos que, por magreza, tiverem sido demasiado esguios; com efeito, Cristo não somente nos restituirá o corpo, mas ainda restaurará tudo que nos houver sido subtraído pelas misérias desta vida.

(De civitate Dei 22,19)

É verdade que muitos órgãos só têm função nas circunstâncias da vida terrestre e não serão utilizados após a ressurreição; todavia, já que pertencem à integridade da natureza, não poderão faltar; de resto, não deixará de haver objetos a que se apliquem alguns dos sentidos, principalmente o da vista (que contemplará os corpos transfigurados).

Na antiguidade, houve quem quisesse negar a ressurreição de todos os membros, asseverando que os corpos futuros serão arredondados. Esta sentença dos chamados «origenistas» foi condenada pelo sínodo regional de Constantinopla reunido em 543 (cf. Denzinger, Enchiridion 207). Os mesmos discípulos de Orígenes não queriam admitir distinção de sexos na vida eterna; parecia-lhes que todos os indivíduos ressuscitarão com as características masculinas, já que São Paulo escreve: «… em vista da edificação do corpo de Cristo, até que cheguemos todos à idade de homens feitos» (Ef 4,12s). Enganavam-se, porém, na interpretação do texto paulino que se quer referir não ao sexo masculino como tal, mas à virilidade de ânimo que possuirão todos os justos ressuscitados, homens e mulheres. Os Padres e os teólogos admitem, a diversidade de sexos na vida futura, já que ela não é consequência do pecado, mas, ao contrário, pertence à natureza humana tal como Deus a criou.

Quanto às características de idade dos corpos ressuscitados, de novo um texto de São Paulo prestou-se a conjeturas: «… até que cheguemos todos à idade de homens feitos, à medida da estatura perfeita de Cristo, a fim de que não sejamos mais crianças flutuantes» (Ef 4,13). Ora, como se julga que Cristo tenha atingido a idade de trinta anos ou pouco mais, afirmavam não poucos antigos e medievais que os corpos .ressuscitados terão todos indiferentemente o aspecto que em condições normais corresponde a esta idade; por conseguinte, os indivíduos falecidos em idade infantil ou senil ressuscitariam em idade viril. Procuravam corroborar essa tese fazendo notar que é aos trinta anos que o corpo atinge a perfeição das suas formas, começando, logo a seguir, um lento declínio. Esta sentença não é aceita por todos os teólogos recentes; certamente não se pode fundar no texto paulino, que trata de crescimento sobrenatural. Há quem julgue mais conveniente que na aparência externa dos corpos ressuscitados haja algo que lembre a sua vida na terra; assim, S. Estanislau Kostka terá para sempre o seu aspecto sobrenatural gracioso de jovem, ao passo que o Velho Simeão conservará sua aparência majestosa e veneranda, confirmada por novo fulgor da graça.

No tocante à estatura, S. Tomás admite que não será a mesma para todos os indivíduos; nem mesmo os homens normais são todos do mesmo tamanho. Cada qual, portanto, ressurgirá com a estatura que tenha tido ou teria tido na sua idade madura, na plenitude do seu desenvolvimento (ninguém, pois, ressurgirá na estatura de criança ou de ancião); caso, porém, a natureza, num ou noutro individuo, haja produzido, ou tendesse a produzir, algum excesso desarmonioso, quer para mais, quer para menos, Deus reduzirá esse excesso ao grau normal. É, pois, de crer que ninguém ressuscitará num corpo ridiculamente alto ou ridiculamente baixo.

Dada a sobriedade da Revelação no que se refere aos pormenores, não se atribua demasiado peso às conjeturas acima. Contudo não se porá em dúvida que os corpos ressuscitados carecerão de qualquer vestígio de mutilação ou defeitos.

Faz-se mister ainda enumerar as qualidades especiais dos corpos dos justos.

Os corpos ressurretos

Quatro predicados devem ser aqui referidos: Impassibilidade, fulgor, agilidade, sutilidade.

Impassibilidade

A carne dos justos nada poderá padecer de molesto; nenhum agente lhe poderá incutir alguma dor. É o que se depreende claramente das descrições da Sagrada Escritura; já Isaías profetizava:

O Senhor enxugará as lágrimas de todos os olhos… Não terão mais fome nem sede; nem a areia ardente nem o sol os atingirão.

(25,8; 49.10)

O Apocalipse retoma e desenvolve esses dizeres:

Não terão mais fome, não terão mais sede; o ardor do sol não os abaterá, nem algum calor abrasador; pois o Cordeiro que está em meio ao trono, será o seu Pastor e os conduzirá às fontes das águas da vida, e Deus enxugará toda lágrima de seus olhos.

(7,16s)

Compreende-se bem essa impassibilidade. O espírito do homem, no paraíso, se rebelou contra Deus ; em consequência, o corpo passou a se insubordinar à alma, e as criaturas inferiores, por sua vez, deixaram de servir devidamente ao homem, *’ ocasionando as desordens e a aflição que caracterizam o atual estado de coisas. Ora na restauração final as almas estarão confirmadas na total adesão a Deus : unidas ao Senhor, possuirão pleno domínio sobre o seu corpo; haverá ordem perfeita entre carne e espírito; a seu turno, as demais criaturas materiais reconhecerão o lugar eminente do homem no plano de Deus e com ele se harmonizarão num único concerto de louvor à Bondade Divina.

Fulgor

Os corpos dos justos refletirão a glória da alma; esta redundará sobre a carne tornada translúcida à semelhança de um vidro. Em outros termos: a beleza sobrenatural do espírito, recebida no corpo, tomará aspecto visível, coisa que de certo modo, na medida em que os cristãos possuem a graça santificante, já se deveria dar aqui na terra, caso o corpo não estivesse ainda sujeito às consequências do pecado; coisa também que se devia verificar na carne de Cristo desde o seu nascimento em Belém, dado que o Senhor não o tivesse voluntariamente impedido (apenas na transfiguração sobre o Tabor Jesus permitiu transparecesse pelo corpo a glória que Ele trazia na alma).

Como se entende, o fulgor do corpo ressuscitado será proporcional à santidade da alma, o que quer dizer: diferirá de justo para justo: «Outro é o esplendor do sol, outro o da lua, outro o das estrelas; mesmo entre as estrelas, uma difere da outra pelo seu esplendor» (1 Cor 15,41).

De resto, uma antecipação do futuro fulgor é por vezes concedida aos justos já nesta vida. Acontece que o rosto ou o olhar de pessoas muito unidas a Deus, ricas de graça, reflete um encanto que dobra vontades rebeldes ou atrai multidões; a graça é, sim, a semente da glória.

Agilidade

É o dom em virtude do qual os corpos gloriosos se poderão locomover com toda a presteza, sem conhecer cansaço nem obstáculo. No Cristo ressuscitado tem-se claro exemplar de tal prerrogativa: com admirável facilidade o Senhor se transpunha de uma região a outra da Palestina. A agilidade será consequência do pleno domínio que a alma bem-aventurada exercerá sobre o corpo.

Sutilidade

Outro dote que dimanará imediatamente deste total domínio, será a absoluta prontidão com que o corpo servirá e se adaptará à alma. Nesta prerrogativa está incluído também o poder de penetração da matéria, de que certamente gozava a carne de Cristo ressuscitada; o Senhor entrou repentinamente no Cenáculo, onde estavam os discípulos reunidos, sem que, para isto, tivesse que abrir as portas da sala (cf. Jo 20,19-26); o corpo glorioso, portanto, poderá ocupar um só e mesmo espaço dimensional juntamente com outro corpo. Todavia S. Tomás julga que isto não se dará de maneira habitual, mas unicamente a título de milagre esporádico.

É bem de notar que a sutilidade, de modo nenhum, Implica que o corpo ressuscitado deixe de ser matéria para se converter em espírito; é matéria autêntica, contudo matéria mais intensamente penetrada pelo espírito; o que quer dizer: enriquecida de qualidades mais nobres do que as que possui atualmente. A expressão paulina «corpo espiritual» (1 Cor 15,44) não significa senão um corpo de matéria em que o Espírito Santo expande plenamente a vida e a glória de Deus.

Em conclusão, verifica-se que os quatro predicados distintivos dos corpos gloriosos se derivam da perfeita harmonia que reinará entre carne e espírito no estado de consumação. A alma do justo, tendo entrado definitivamente no seu lugar de criatura sujeita ao Criador, aderindo a Deus com toda a inteligência e o afeto, será grandemente dignificada: adquirirá sobre os seres inferiores, a começar pelo próprio corpo, o domínio que ela em vão procuraria obter rompendo os seus vínculos de sujeição ao Senhor; doutra parte, por esse domínio que sobre o corpo exercerá a alma, o próprio corpo será nobilitado. Destarte se verificará em plenitude o axioma : «Servir a Deus é reinar». O primeiro homem, cobiçando dignidade e poder independentemente de Deus, perdeu todos os dotes, preternaturais e sobrenaturais, de que gozava no paraíso; ora eis que na restauração final de todas as coisas Deus se dignará não propriamente restituir os dons perdidos, mas ultrapassá-los, concedendo à criatura humana prerrogativas muito superiores às do primeiro paraíso.

Ao contrário, os corpos daqueles que tiverem recusado a restauração trazida por Cristo, isto é, os corpos dos réprobos, possuirão, sim, as duas primeiras qualidades acima enunciadas; contudo recebê-las-ão como fundamento do seu castigo. Esses corpos serão:

— Passíveis, ou sujeitos à dor,

— Obscuros ou tenebrosos, como imagens hediondas do mais obscuro e deplorável estado de alma,

— Pesados, ou dificilmente sujeitos à locomoção, crassos, ou resistentes aos impulsos da alma.

Em uma palavra, serão a expressão fiel da horrenda situação produzida na alma pelo ódio a Deus.

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