Por Hugo Mione foi, em 1921, o autor do primeiro tratado de Missionologia publicado em língua italiana, do qual este é o primeiro capítulo.
O missionário é o propagador do Evangelho, o anjo da Boa Nova. É um homem de Deus que abandona a pátria, o seu doce solo nativo, para dirigir-se a países distantes e anunciar-lhes que o Reino dos Céus chegou e que Deus tanto amou os homens que enviou seu Unigênito sobre a terra, não para julgar nem para punir, mas para redimir a humanidade.
“Ide” Ele lhes disse, “por todo o mundo, e pregai o Evangelho a toda a criatura“. Mc. 16, 15
A missão é dada aos Apóstolos, mas neles também a todos aqueles aos quais chegará no decorrer dos séculos a voz de Cristo, porque a voz do Redentor não apenas ecoa por todos os séculos, mas também produz, em todos os séculos, o efeito desejado pelo Senhor. Dobra os ânimos, atrai os corações, alcança as mentes, e obtém, mesmo à distância de muitos séculos, os mesmos efeitos que produziu sobre os ouvintes no dia em que saiu de seus lábios divinos. E por isso o mandamento divino “Ide e pregai” foi dirigido aos Apóstolos, mas nos Apóstolos a todos aqueles que, no decorrer dos séculos, sentirão vivo entusiasmo pelas missões, e assim como ele moveu os Apóstolos a abandonar a pátria e a família e a abraçar os maiores sacrifícios pela difusão do Evangelho, assim move e moverá, no decorrer dos séculos, também muitas belas inteligências ao mesmo sacrifício pela difusão do Reino de Jesus.
A missão geral, porém, não basta. Jesus instituíu a Igreja para continuar a sua obra nos séculos e lhe confiou a plenitude de sua autoridade divina de modo que os fiéis devem seguir a voz de Jesus na dependência da Igreja; quem escuta a Igreja escuta Jesus, quem a segue segue Jesus, quem a despreza nela despreza o divino Fundador.
A missão individual deve ser dada, portanto, pela Igreja. É a Igreja que faz ecoar nos séculos a palavra divina; é a Igreja a qual convida à obra da propagação do Evangelho; é a Igreja que examina aqueles que se apresentam para verificar se possuem não apenas a vocação mas também as atitudes necessárias para serem excelentes propagadores do Evangelho; é a Igreja que lhes confia uma porção do Reino de Deus onde desenvolver a sua atividade; é a Igreja que supervisiona a obra, de modo que ninguém pode anunciar o Evangelho se não na sua dependência; ninguém pode apresentar- se como Apóstolo se não é por ela designado; ninguém pode pregar independentemente da autoridade suprema; quem não semeia e pensa com a Igreja, semeia e irriga contra ela e por isso contra Jesus.
O missionário é, portanto, um propagador do Evangelho enviado para as necessidades da Igreja Católica, o qual trabalha na vinha do Senhor com a Igreja e na dependência da Igreja, e alcança desta união a sua própria autoridade e o seu vigor apostólico.
Somente os católicos têm, portanto, verdadeiras missões. Uma missão não católica é uma contradição de termos, porque o conceito de missionário requer uma autoridade que o tenha enviado e esta autoridade, pela vontade de Jesus Cristo, reside somente na Igreja.
As missões são uma parte intrínseca e necessária da Igreja, uma instituição sua tão necessária que não é possível conceber uma Igreja sem missões enquanto houver almas longe do rebanho de Jesus Cristo. E, de fato, a característica da catolicidade é uma nota determinante da Igreja e que lhe é essencial como sinal, de modo que não se poderia conceber uma Igreja que não seja católica, ou seja, universal. Esta nota não significa apenas que a Igreja deva ser universal no tempo e perdurar sem interrupção desde Jesus Cristo aos nossos dias e universal no espaço, devendo, portanto, difundir-se pelo mundo inteiro. Significa também que a Igreja deve ter a tendência e inclusive a necessidade interior de estender-se, de alastrar-se, de dilatar-se sempre mais no mundo inteiro, de abraçar todos os povos, todas as nações, e de uní-las todas em um só rebanho, o rebanho de Jesus. Do mesmo modo a verdade é expansiva e quem a possui deve sentir a necessidade imperiosa de comunicá-la aos demais; quem possui a luz quer e deve querer afugentar as trevas, e a Igreja possui a verdade, possui a luz; deve portanto querer iluminar o mundo inteiro, deve querer ganhar à verdade as almas que vagam sem rumo na noite do erro. A Igreja é Jesus mesmo misticamente vivo nos séculos e lhe deve continuar a atividade para o bem das almas; Jesus veio ao mundo para conduzir todas as almas à verdade, para converter todos os povos, para uní-los todos em um só rebanho. Jesus tem sede de almas, e a Igreja a tem também; Jesus pregou que os seus discípulos fossem todos unidos e formassem um só corpo, como ele e o Pai são um, e a Igreja deve procurar realizar esta aspiração do coração de Jesus e de obter, cooperando com a graça divina, a conversão do mundo inteiro.
Uma Igreja, destituída de missões, como por exemplo, a judaica ou as várias comunidades cismáticas, ou que não possuíu sempre missões, mas na qual houve algum tempo em que ela não as tivesse, que as introduziu em uma época posterior, não tem direito algum de proclamar-se verdadeira Igreja de Cristo, nem pode sustentar a pretensão de vir a ser reconhecida como verdadeira. A falta de missões próprias é a prova de sua deficiente convicção de possuir a verdade.
O missionário é, portanto, enviado pela Igreja a uma determinada porção da vinha do Senhor; a ele é confiada a vigilância de uma determinada parte do rebanho de Jesus; ele recebe a incumbência de buscar um determinado grupo de ovelhas perdidas e de conduzi-las ao redil.
Admirável a figura luminosa do missionário e da irmã que vai em missão.
Um jovem, freqüentemente de boa e até de excelente família, ao qual a vida sorri bela, alegre e luminosa, e que pode esperar uma carreira brilhante no mundo; um jovem sempre inocente, puro, imaculado; um cândido lírio, germinando, por um prodígio da graça, entre o fedor e os miasmas de um século inteiramente corrompido e cheio de corrupção; um jovem culto, o qual conduz bem e muitas vezes com louvor os seus estudos; uma jovem desejada, muitas vezes com um forte dote, como esposa por mais de um seleto moço, a qual poderá tornar-se uma esposa adorada e uma mãe feliz…
Este jovem, esta donzela, teriam podido permanecer no mundo sem ofender a Deus; teriam podido gozar da vida sem desobedecer os preceitos do Senhor e a moral católica; teriam podido conduzir uma vida exemplar no mundo e ser, humanamente falando, felizes; e ainda que tivessem sentido a vocação à vida religiosa, o jovem teria podido ingressar no sacerdócio e tornar-se um padre secular estimado; teria talvez feito carreira; teria se tornado pároco, cônego e talvez bispo; se aspirava a uma especial perfeição, poderia ter ingressado em uma ordem religiosa de sua escolha, talvez austera, talvez eremítica; teria talvez se tornado superior ou abade. De qualquer modo teria vivido na sua pátria; teria visto os seus entes queridos; teria estado perto deles; teria gozado de algum favor especial, de que não se goza nas missões; aquela moça poderia ter se tornado freira na Europa; entrar em uma ordem talvez austera. Mas ambos preferiram desconsiderar tudo, as facilidades e as comodidades da vida, tudo aquilo que lhes sorri de um modo especial, tudo aquilo que poderia tornar-lhes a vida mais bela, as mais castas alegrias da família, para ganhar almas a Jesus.
A luta foi, naquele coração juvenil, certamente muito grande, foi galharda. A carne rebelou-se à vocação. A família, os amigos, os conhecidos, se opuseram muitas vezes à sua visão e procuraram afastá-lo do seu propósito. Disseram- lhe: “Não deves partir. Fica, permanece“.
Fica, lhe terá dito talvez a mãe viúva, de cabelos já cor da neve, não pelos seus anos, mas pelo cansaço e pelas fadigas.
“Fica, meu filho único, luz dos meus olhos, meu único consolo, bastão da minha velhice. Fica, pois te amo tanto. Fica, meu amor, meu único conforto, fica, meu querido“.
ica, também lhe diz o pai.
“Trabalhei tanto para juntar uma fortuna para nós; trabalhei para ti, tu és meu único filho homem, sê meu herdeiro“.
Fica, lhe dizem os irmãos, as irmãs, os amigos. Fica, o doce solo nativo, o campanário da sua igreja, as árvores que se descortinam ao longo dos caminhos de sua vila e tudo quanto o mais lhe é querido. Fica, fica. Tudo lhe diz: fica! Mas ele se fêz surdo à voz da carne, porque mais forte era a voz de Jesus, que lhe dizia:
“Observa. Eu abandonei minha habitação do céu para descer sobre a terra e salvar-te. Ajuda-me a salvar as almas. Condivide, segundo as necessidades, as minhas fadigas, os meus trabalhos, enxuga todos os meus suores. Vem, vem, corre a salvar tantas almas, pelas quais derramei todo o meu sangue“.
Ele não pode dizer a Jesus: “Senhor, eu não vou“.
Não se pode fazer de surdo ao seu doce chamado. Não pode afastar dele o ouvido e lhe responde: “Venho, venho!“
A separação é dolorosa. O coração chora e destila sangue em abundância. Meu Deus! Ter que abandonar o pai, a mãe, parentes, amigos, o doce solo nativo e tudo que lhe é querido. Ter que deixar tudo para sempre, para talvez nunca mais voltar e beijar aqueles a quem ama, nunca mais rever a sua pátria. Mas Jesus chama, Jesus convida, Jesus faz doce violência ao coração do missionário e ele suporta a dor da separação, suporta-a como herói:
“Mamãe, adeus, adeus! Adeus até lá em cima, no céu, na bem aventurada pátria! Adeus até o santo paraíso!“
E parte. Parte para países distantes, para ir pregar o Evangelho a povos bárbaros, que ele ama tanto e tanto. Ama com um amor intenso, profundo, em Jesus Cristo. Ele lhe oferece o que tem de mais precioso, o seu coração de apóstolo, o seu afeto, o seu grande amor, intenso. Estes lhe retribuem, em troca, com ódio, com sarcasmo, com desprezo. Ele os abençoa e eles talvez o maldizem. Ele lhes faz o bem e eles lhe tramam a ruína, atentam contra a sua vida, o cobrem de calúnias, chamam-no de adversário e de inimigo.
Ele chegou na missão com um coração cheio de entusiasmo, convencido de que poderia fazer ali muito bem, certo de que teria conseguido batizar inumeráveis pagãos e de converter centenas de infiéis. Em vez disso o terreno é árido, os corações resistem à graça e não querem se abrir ao doce sopro de Espírito Santo. Em vão ele prega, fala, instrui, ensina, faz o bem. Ninguém se converte.
Ó desilusão! Valia a pena abandonar a Europa e fazer viagem tão longa para obter tão escassos resultados? Valia a pena ser missionário, para não salvar nem sequer uma alma? Se tivesse ficado na Europa teria podido fazer mais, teria com certeza convertido um número maior de almas. Mas ele inclina a cabeça, nunca tão grande no seu heroísmo como neste instante, adora os decretos imperscrutáveis do Senhor e bendiz ao Altíssimo. É necessário, Deus o quer, que o terreno pagão seja irrigado pelo suor de muitos enviados do Evangelho para que ele se torne fértil e produza bom fruto.
“Senhor, como tu o queres. Eu me afadigo e choro. Faze com que outros colham o fruto”.
E muitas vezes ele, que tanto estudou, que se preparou tão bem para o sacerdócio e para a vida das missões, que esperava poder pregar aos pagãos o Evangelho, que se orgulhava de poder converter muitos e muitos, é designado pelos seus superiores para trabalhos manuais ou para certas ocupações que certamente não lhe concedem a oportunidade de utilizar a própria eloqüência nem o colocarão nunca em condições de obter nem sequer uma conversão.
Ele deverá trabalhar no campo, manter a casa limpa, supervisionar a construção da igreja, de algum edifício novo da missão, ensinar as crianças na escola, exercitar a medicina, vacinar contra a varíola, extrair dentes, prescrever óleo de rícino ou quinino a uma multidão de pagãos que odeiam o missionário, desprezam a fé, não se converterão nunca, a nenhum preço e em nenhum caso, mas que mesmo assim recorrem ao missionário ao qual reconhecem como médico de valor e que, ainda por cima, cura de graça os doentes, enquanto que o feiticeiro cobra salgado os seus sortilégios. Valia a pena abraçar a vida de missionário para fazer trabalhos deste tipo e submeter-se a ocupações deste gênero? Não teria sido melhor ficar na Europa e ter pregado o Evangelho a tantos pagãos dos quais as nossas cidades estão cheios? Mas assim o querem os superiores, assim o impõe a santa obediência. Também esta é uma via que conduz ao coração dos pagãos. O divino Mestre quer que o enviado do Evangelho cure os enfermos, se os houver, acolha as crianças em seu nome, tome os velhos sob o seu cuidado. Ele pôs a mão ao arado, é este o sulco que a obediência lhe impõe traçar. Ai de quem olha para trás, não é digno do reino dos céus.
E muitas vezes a missão, inaugurada com tantas fadigas, irrigada com tantos suores, deve ser abandonada no momento em que começava a dar fruto, ou até mesmo é destruída. Algum tirano do lugar não quer mais tolerar os missionários nas suas terras; algum mandarim os odeia, os persegue, lhes impede a atividade de fazer o bem. Que dor para o enviado do Evangelho! Ter que abandonar aquele terreno tão promissor e ter talvez que ver como os protestantes, mestres do erro, cheios de recursos e apoiados pelos tiranos e pelos mandarins, se infiltrarão naquele país onde ele começou com tanto entusiasmo a própria atividade e colherão os frutos das suas fadigas e dos seus trabalhos.
Quanto sofre o missionário quando deve suspender a sua atividade por falta de recursos! A messe reluz, os operários não faltam, mas faltam os meios materiais para recolher a abundante messe. Meu Deus! Não ser nunca ajudado por ninguém, e ver ao contrário os protestantes, mestres do erro, cheios de recursos em abundância, poder difundir a mãos cheias a heresia e criar obstáculos à difusão do Evangelho. Meu Deus, por que o erro tem que ser mais favorecido do que a verdade, por que os que difundem a falsidade dispõem de meios maiores do que os que difundem a verdade, por que?
E depois chegam as doenças, que o fazem sofrer tanto. Pregam-no por meses e anos em um leito de dor, transformam-no em inválido depois de alguns meses ou depois de alguns poucos anos de apostolado, até que, velho e decaído, acabado aos trinta anos de idade e depois de três ou quatro de missão, é freqüentemente colhido por uma morte precoce. Quantos missionários não morrem já no primeiro ou nos primeiros anos de seu apostolado, e quão poucos são os que chegam à velhice! Mas ele suporta com paciência as doenças, morre resignado e oferece todo o sacrifício da vida para a conversão dos pagãos que lhe são tão queridos.
O missionário é um grande e um dos poucos verdadeiros heróis, herói da caridade, herói do amor, herói do bem, da misericórdia, do trabalho grande, ininterrupto, incansável. É um herói humilde, silencioso, escondido, que faz muito bem, ao qual todos os povos devem a sua civilização. Mas este bem ele o faz em silêncio, sem contar vantagem, sem pedir de ninguém o louvor, sem vanglória alguma; e o mundo não sabe nem nunca chegará a saber o quanto que lhe deve, porque o mundo não atenta senão às exterioridades, não aprecia senão aquilo que é externo e superficial, enquanto que a atividade do missionário é interior, é intensa, é fértil de bem infinito.
O seu trabalho converteu os povos e lhes trouxe a sua verdadeira civilização. Se os povos modernos estão em um nível tão alto de vida civilizada, isto o devem a ele, somente a ele. Mas o mundo não se lembra o trabalho grande, incansável do missionário, não se lembra destes humildes pioneiros da verdade e do bem, ignora o que eles fizeram, ignora o que eles fazem agora, e quando ouve o nome missionário sorri com ironia. Um fanático.
Nada para admirar-se que o mundo ignore o quanto a humanidade deve ao missionário, que não o aprecie como deve e tenha, em vez disso, um olhar de compaixão e de desprezo para com ele. Uma grande vergonha deveria cobrir, no entanto, as faces daqueles católicos que nunca se preocuparam em saber o quanto devem aos missionários e não sentem admiração por eles. Sejamos sempre orgulhosos destes nossos grandes heróis, em comparação com os quais, ó, como são pequenos os heróis que o mundo enaltece!