Se você é um católico comprometido com sua fé, é bem provável que já tenha sido confrontado com a pergunta: “Onde está isso na Bíblia?”. Essa interrogação, comum entre protestantes, nasce de um dos pilares fundamentais da Reforma protestante: o princípio do Sola Scriptura.
De forma simples, Sola Scriptura é o princípio segundo o qual a Sagrada Escritura é a única regra infalível de fé e prática cristã. Isso significa que toda doutrina cristã precisa ser justificada exclusivamente pela Bíblia.
Contudo, esse princípio, embora essencial ao protestantismo, nunca foi parte da fé católica. O católico não é chamado a justificar sua doutrina apenas pelas Escrituras. Pelo contrário, a fé católica se fundamenta em um tripé inseparável: a Sagrada Escritura, a Sagrada Tradição e o Magistério da Igreja (cf. Dei Verbum, 10).
O Sola Scriptura se apresenta como uma regra de fé, mas é incapaz de se sustentar pelas suas próprias exigências. Se toda doutrina precisa ser provada exclusivamente pelas Escrituras, então o próprio Sola Scriptura deveria ter uma base bíblica clara. No entanto, não existe em parte alguma da Bíblia um versículo que ensine que “somente a Escritura” é a autoridade final em matérias de fé.
Muito pelo contrário: a própria Escritura nos orienta a manter firmemente as tradições recebidas oralmente. Em 2 Tessalonicenses 2,15, São Paulo exorta: “Assim, pois, irmãos, ficai firmes e guardai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por carta nossa”. Este versículo sozinho é suficiente para mostrar que, para os primeiros cristãos, a Tradição Oral tinha o mesmo peso da escrita.
Historicamente, o Sola Scriptura é insustentável. A formação do cânon bíblico foi um processo gradual, conduzido pela Igreja. Os primeiros cristãos não tinham uma Bíblia completa como a conhecemos hoje. Por séculos, a Igreja viveu da Tradição Apostólica, do ensinamento oral transmitido de geração em geração.
O reconhecimento do cânon das Escrituras (isto é, quais livros são inspirados) foi definido pela Igreja, especialmente nos Concílios de Hipona (393) e Cartago (397), e mais tarde ratificado solenemente no Concílio de Trento (1546). Assim, é contraditório afirmar que a Bíblia é a única autoridade, quando foi a Igreja, guiada pelo Espírito Santo, que definiu quais livros pertencem à Bíblia.
Se houvesse uma mudança de regra, do modelo Apostólico de Escritura + Tradição para apenas Escritura, tal mudança deveria estar registrada de maneira clara na própria Escritura. Onde a Bíblia afirma que a Tradição Oral seria abolida? Onde é ensinado que, após certo tempo, apenas a Escritura seria suficiente?
Essa mudança simplesmente não está lá. Logo, o princípio protestante não passa no seu próprio teste de validade.
A pergunta “Onde está isso na Bíblia?”, embora comum, parte de um pressuposto equivocado quando dirigida a um católico. Nós cremos que Deus nos revelou a verdade não apenas por meio de um texto, mas também por meio de uma Tradição viva e de um Magistério que interpreta com autoridade essa revelação. O católico não precisa, nem deve, reduzir toda sua fé a versículos isolados da Escritura.
Portanto, da próxima vez que alguém lhe perguntar: “Onde está isso na Bíblia?”, responda com serenidade: “Na fé católica, a Revelação de Deus está na Escritura e na Tradição, interpretadas pelo Magistério. A sua pergunta supõe um princípio que nem mesmo a Bíblia ensina”.
E lembre-se: não há problema em mostrar que a doutrina católica é bíblica, e isso pode ser muito útil na apologética. Mas nunca caia na armadilha de aceitar um critério que a própria Escritura não estabelece. A fé católica é uma fé completa, coerente e enraizada na vontade de Deus manifestada através de Cristo e da sua Igreja.