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Uma avaliação católica da crítica de Gregg Allison à “hermenêutica do catolicismo”

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(Por Eduardo Echeverria, para o Called to Comunion — Reformation meets Rome. Traduzido por Gabriel Gomes.) Este é um artigo convidado de Eduardo Echeverria. Eduardo nasceu em Mérida, Yucatan, México, em 1950. Sua família imigrou para Manhattan, Nova York, em 1952. Ele foi criado como Católico Romano, mas só respondeu ao Evangelho no verão de 1970 através do ministério da L’Abri Fellowship, fundada por Francis e Edith Schaeffer, e localizada na pequena vila Alpina de Huémoz, na Suíça. Sua jornada de volta para a Igreja Católica o levou do protestantismo evangélico ao cristianismo reformado (particularmente, o neo-Calvinismo holandês), ao catolicismo anglicano e daí em diante ao catolicismo. Ele tem um Ph.D. em filosofia da Vrije Universiteit, Amsterdã, e um Sacrae Theologiae Licentiatus  da Universidade de Santo Tomás, o Angelicó, Roma, Itália. É autor de dezenas de artigos e vários livros, mais recentemente, Berkouwer e Catolicismo: Questões Disputadas (Brill, 2013) e Papa Francisco. O legado do Vaticano II (Editora Lectio, 2015). Ele é Professor de Filosofia e Teologia Sistemática na Escola de Graduação em Teologia do Seminário Maior Sagrado Coração, Detroit, Michigan, e Fellow na Faculdade de Teologia, University of the Free State, Bloemfontein, África do Sul. Ele também é membro da iniciativa ecumênica americana Evangelicals and Catholics Together

Nossos pensamentos sobre o futuro da Igreja devem vir das tensões no presente, tensões que devem produzir de maneira criativa a vigilância, oração, fé, e cometimento, amor pela verdade e unidade, amor pela unidade e verdade. – G.C. Berkouwer [1]

Escrevo este artigo sobre o novo livro de Gregg Allison [2] sobre teologia e prática Católica como teólogo católico com raízes nas tradições Evangélica e Reformada. Sou membro da iniciativa ecumênica americana, com mais de vinte anos, Evangelicals and Catholics Together (Evangélicos e Católicos Unidos). Meu compromisso com o diálogo ecumênico com ambas as tradições é evidente em muitos de meus escritos, mais recentemente em meu livro, Berkouwer and Catholicism [3]. Aprecio muito a boa vontade de Allison, bem como seu compromisso de se engajar em uma compreensão mais adequada do ensinamento católico, conforme expresso no Catecismo da Igreja Católica de 1992 (doravante CIC). Não é uma tarefa pequena que ele tomou para si: a apresentar em um livro de quase quinhentas páginas toda a vastidão do que é ensinado no CIC, bem como expressar um terreno comum e divergências entre os evangélicos (variado como esse termo é em seu livro, dado seu uso em referência a várias tradições confessionais) e católicos [4]. Eu o recomendo muito por seu trabalho. Todo esse trabalho é feito no espírito de ser fiel à busca da verdade. Ainda assim, acho que o livro de Allison é fundamentalmente fraco por duas razões: primeira, sobre o ecumenismo; e segunda, sobre uma hermenêutica do catolicismo.

Ecumenismo

Primeiro, o livro de Allison é falho do ponto de vista ecumênico porque seu livro não encoraja o leitor a participar do já substancial diálogo entre protestantes de variadas tradições confessionais (Metodistas, Luteranos, Reformados e Anglicanos) e Católicos, lutando pela reconciliação na fé bíblica. Allison não presta real atenção ao ecumenismo e a uma perspectiva evangélica de João 17, 21, na qual Cristo chama todos os seus discípulos à unidade. Sem essa perspectiva em seu livro, Allison é impedido de avançar substancialmente na discussão entre católicos e evangélicos. Ele está preso a uma postura a priori em relação à Igreja Católica, sobre as questões tradicionais que afastaram evangélicos e católicos, e, consequentemente, é incapaz de “engajar-se em uma nova avaliação construtiva e crítica tanto do ensino e prática contemporâneos da Igreja Católica Romana quanto das questões controvertidas clássicas” (veja a posição 3 abaixo). Dada a “familiaridade de longo prazo” de Allison com a Igreja, por que sua postura em relação ao catolicismo finalmente é de “intriga” quando ele fala da “valorização e ação de graças do livro por muitas semelhanças entre teologia católica e evangélica”? 

A palavra “intriga” faz com que Allison soe como um outsider ao invés de alguém, como Berkouwer, que sustenta que todos os cristãos compartilham a responsabilidade pela “Igreja como ela é agora, com suas tensões e problemas, sua culpa e divisão.” Allison não mostra nenhuma evidência de que ele está comprometido com o imperativo ecumênico da fé cristã como é paradigmaticamente expresso por Cristo no Evangelho de João 17, 20-26. Essa responsabilidade compartilhada de entender que “a unidade da Igreja terá significado para o nosso tempo”, diz Berkouwer, “somente quando a questão da unidade for enfrentada honesta e obstinadamente como a questão importante.” Berkouwer continua: “A escatologia do Novo Testamento – apontando para a vitória final da Igreja – é carregada de um senso de urgência, pois nos chama a fazer pela Igreja, aqui e agora, o que nossas mãos encontram para fazer. Não é por acaso que a oração de Cristo pela unidade da Igreja em João 17 [20–23] inclui uma oração para que a Igreja seja guardada do Maligno [17:, 5]. [5]” Não nos deixes cair na tentação de considerar a nossa desunião como normal, e não como escândalo e ferida, mas livra-nos do mal das nossas divisões. Berkouwer faz aqui um ponto ecumenicamente decisivo, ou seja, não é mais possível permanecer dividido porque, ao querer a Igreja, Deus quis a unidade como dom e tarefa, “para que todos sejam um” (Jo 17, 21).

Allison tem interagido com católicos por muitos anos, mas ele parece reticente em passar para a postura do ecumenismo receptivo; ou seja, a convicção, como São João Paulo II expressou, de que “o diálogo ecumênico não é simplesmente uma troca de ideias. De alguma forma, é sempre uma “troca de dons”, na verdade, um “diálogo de amor” entre irmãos cristãos  [6]. Embora Allison identifique “com fascínio e apreciação as semelhanças entre a teologia católica e [sua própria versão da] teologia evangélica”, não há evidências em seu livro de que ele pense que os evangélicos que compartilham suas convicções teológicas possam aprender com os católicos, particularmente no que diz respeito às questões que os dividiram.

Assim, embora o livro de Allison seja, de fato, um bom primeiro passo para entender a tradição católica, seu estudo parece mais apologético do que ecumênico – e, portanto, não representa uma mudança significativa de postura em relação ao catolicismo romano por um conhecido teólogo protestante evangélico que é um batista confessional.

Existem três posições possíveis que os cristãos evangélicos e reformados adotaram em relação ao catolicismo romano. No relatório da segunda fase das conversas ecumênicas entre a Aliança Mundial das Igrejas Reformadas e o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos (1984-1990), destacam-se três atitudes reformadas e evangélicas contemporâneas em relação à Igreja Católica Romana:

Existem dentro da família reformada [e evangélica] aqueles cuja atitude para com a Igreja Católica Romana permanece essencialmente negativa: (1) alguns porque permanecem convencidos de que os desenvolvimentos modernos da Igreja Católica Romana realmente abordaram as questões da Reforma, e(2) outros porque têm sido amplamento intocados pelas trocas ecumênicas dos últimos tempos e, portanto, não foram desafiados ou encorajados a reconsiderar sua postura tradicional. Mas esta é apenas uma parte da imagem. (3) Outros na tradição reformada [e evangélica] têm procurado se engajar em uma nova avaliação construtiva e crítica tanto do ensino e prática contemporâneos da Igreja Católica Romana quanto das questões controvertidas clássicas [7].

O livro de Allison mostra claramente a segunda posição em sua avaliação evangélica do Catecismo, em particular, as questões clássicas controvertidas que dividiram protestantes e católicos [8]. Por exemplo, este livro parece desinformado sobre os resultados do último meio século de diálogos ecumênicos bilaterais sobre a Trindade e Cristologia, salvação, justificação e santificação, sobre eclesiologia, sacramentos e Maria entre o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade Cristã e as várias tradições confessionais de Metodistas, Luteranos, Anglicanos e Reformados precisamente nas questões clássicas controvertidas listadas acima [9]. O livro de Allison também não é informado pelos diálogos bilaterais da Comissão Internacional Anglicana-Católica Romana de 1971-2014 (Partes I-III) sobre autoridade na Igreja, sacramentos, salvação, vida moral em Cristo e Maria. Além disso, seu trabalho é desinformado em relação aos ecumenistas de língua francesa, Le Groupe des Dombes, composto por estudiosos/pastores católicos romanos e reformados, que desde 1937 até o presente têm escrito sobre a questão da unidade cristã, autoridade de ensino da Igreja, ministério ordenado, lugar de Maria no Plano de Deus e outros.

No entanto, para os cristãos de variadas tradições confessionais interessados ​​em buscar o diálogo ecumênico, o conhecimento desses documentos é imperativo. Por quê? Cristo chama todos os seus discípulos à unidade. Por isso, como João Paulo II pergunta incisivamente: “Como é possível permanecer dividido, se fomos “sepultados” pelo Batismo na morte do Senhor, no próprio ato pelo qual Deus, pela morte de seu Filho, derrubou as paredes da divisão?”

Por essa razão, enviou seu Filho, para que, morrendo e ressuscitando por nós, nos concedesse o Espírito de amor. Na vigília do seu sacrifício na Cruz, o próprio Jesus rezou ao Pai pelos seus discípulos e por todos os que nele creem, para que sejam um, uma comunhão viva. Esta é a base não só do dever, mas também da responsabilidade diante de Deus e do seu desígnio, que cabe àqueles que pelo Batismo se tornam membros do Corpo de Cristo, um Corpo no qual se deve tornar presente a plenitude da reconciliação e da comunhão. A divisão “contradiz abertamente a vontade de Cristo, fornece uma pedra de tropeço para o mundo e inflige danos à causa santíssima de proclamar a Boa Nova a toda criatura [10].

Não que Allison precisasse discutir todos esses documentos em seu estudo do CIC . Todavia, seu estudo deveria pelo menos ter demonstrado alguma familiaridade com documentos que são frutos de anos de diálogo ecumênico. Assim, sua discussão das questões controvertidas clássicas é incapaz de “engajar-se em uma nova avaliação construtiva e crítica tanto do ensino e prática contemporâneos da Igreja Católica Romana quanto das questões controvertidas clássicas” [11]. 

Por exemplo, em sua discussão sobre a doutrina da justificação, não há sequer uma referência à Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação de 1999, da Federação Mundial de Luteranos e da Igreja Católica. Um texto tão influente sobre um tema que ainda aliena alguns protestantes e católicos deve informar a análise teológica de alguém. O mesmo pode ser dito para a controvertida questão clássica da Escritura e da Tradição. Allison não mostra nenhuma consciência de que a teoria da revelação das “duas fontes” – a teoria dominante entre os séculos XVI e XIX na teologia católica – sofreu severas críticas dentro da tradição teológica católica. Esses críticos católicos defendem a integração do caráter exclusivamente normativo das Escrituras, como a regra suprema de fé, como a Dei Verbum chama a Escritura, ou a mais alta autoridade em matéria de fé (norma normans non normata), de forma intrínseca e necessariamente relacionada à tradição, como indispensável à interpretação da Palavra de Deus. Nesta visão, a Escritura deve ser interpretada na vida concreta da Igreja, sua tradição viva, por meio da autoridade docente do magistério eclesiástico, que está sob a orientação do Espírito Santo. Indiscutivelmente, então, quando a Constituição do Concílio Vaticano II sobre a Revelação Divina, Dei Verbum §10 afirma uma relação necessária e intrínseca da Tradição e da Igreja com a Escritura, também afirma a prima scriptura (§§21-25).

Considere brevemente também a questão eclesiológica relativa à unidade da Igreja; a saber, a relação da Igreja Católica com os irmãos separados. Allison diz: “A posição do catolicismo de que as comunidades eclesiais evangélicas nem mesmo são igrejas não faz nada para superar o problema da desunião”. Embora Allison reconheça que Lumen Gentium, Unitatis redintegratio e, eu acrescentaria, Ut unum sint, afirmam que há muitos elementos de verdade e santificação fora dos limites visíveis da Igreja, ele em nenhum lugar vê as implicações significativas que esta afirmação tem: irmãos separados estão em comunhão real, embora imperfeita, com a Igreja Católica. Em outras palavras, os cristãos — protestantes e católicos — são irmãos e irmãs em Cristo. Além disso, Allison em nenhum lugar reconhece que essa afirmação contribui para superar o problema da desunião. Esses muitos elementos, afirmou João Paulo II, não existem em um “vácuo eclesial” [12]porque existe uma realidade eclesial, ainda que fragmentada, e em maior ou menor grau, fora dos limites visíveis da Igreja que “participe da Igreja de Cristo de forma qualificada, mas real” (para citar Thomas Guarino). A eclesiologia Católica rejeita o seguinte dilema: ou afirmar que a Igreja de Cristo existe plena e totalmente na Igreja Católica e implausivelmente negar que a Ortodoxa e as igrejas históricas da Reforma sejam igrejas em qualquer sentido real; ou então aceitando que são igrejas, mas depois aceitando o relativismo eclesiológico [13]. Houve muito diálogo e tinta derramada no último meio século discutindo este dilema na eclesiologia católica que se esforça para resolver a questão da unidade eclesial para ser fiel à marca da Igreja, credo unam ecclesiam. Nenhum dos frutos desses diálogos informa a abordagem de Allison neste livro.

Além disso, seu estudo carece de qualquer referência ao mestre da teologia dogmática e ecumênica, o teólogo reformado G.C. Berkouwer (1903-1996), que discute o desenvolvimento da teologia Católica em geral, mas também, em particular, a questão da Escritura e da tradição em seu trabalho de 1965, O Concílio Vaticano II e o Novo Catolicismo [14]. Neste estudo sobre o Concílio Vaticano II, que o teólogo reformado Heiko Oberman (1930-2001) chamou de “importante de tirar o fôlego”, Berkouwer faz uma avaliação teológica reformada da influência da nouvelle théologie no Concílio. Esta obra de Berkouwer é leitura necessária para qualquer pessoa, particularmente um teólogo evangélico, que está tentando chegar a um acordo com o Catecismo da Igreja Católica, que é fruto do Concílio Vaticano II. Também não há sinal de que Allison saiba dos debates que antecederam o Concílio nos escritos de, por exemplo, J. R. Geiselmann e Joseph Ratzinger, e depois do Concílio nos escritos de, por exemplo, o teólogo católico francês Yves Congar, Tradição e tradições, e o Significado da Tradição.

Além disso Allison não faz referência ao trabalho do Evangelicals and Catholics Together neste tópico: Your Word is Truth (Sua Palavra é Verdade). Nesta coleção, seus colegas evangélicos, como Timothy George, J. I. Packer e John Woodbridge (todos pertencentes ao Evangelical and Catholics Together), entram em uma discussão sobre a questão das Escrituras e da Tradição [15]. 

Uma última evidência, talvez a mais crucial, de que o trabalho teológico de Allison carece de uma dimensão ecumênica, mas também de que sua compreensão da maneira como os cristãos devem viver o cristianismo carece de encorajamento para responder ao imperativo ecumênico de Jesus é o último capítulo. Este capítulo não é intitulado “ministério ecumênico com católicos”, mas sim “ministério evangélico com católicos”. Isso diz muito sobre a postura de Allison em relação à questão da unidade cristã entre evangélicos e católicos. Aparentemente, os católicos como tais precisam ser evangelizados, dada a sua rejeição dos “princípios protestantes da sola Scriptura e justificação somente pela graça mediante a fé somente”. Além disso, a teologia protestante evangélica não pode concordar com a hermenêutica do Catolicismo, significando isso “os axiomas da interdependência natureza-graça e a interconexão Cristo-Igreja” do catolicismo. Portanto, Allison não chama os protestantes evangélicos para se engajarem no diálogo ecumênico com os católicos com o objetivo de restaurar a comunhão visível entre esses irmãos divididos. Este movimento “nem mesmo deve ser perseguido”, de fato, mais forte, “não é permitido”.

Para que tal movimento ocorra, Allison precisaria afirmar que a Igreja Católica e os Evangélicos estão de fato juntos em Cristo, tendo uma causa comum no evangelho, nesta jornada ecumênica. O caminho do diálogo ecumênico é, portanto, um permanente “diálogo de conversão”, de ambos os lados , confiando no poder reconciliador da verdade que é Cristo para superar os obstáculos à unidade. O motivo fundamental deste diálogo para a reconciliação é “a oração comum com nossos irmãos e irmãs que buscam a unidade em Cristo e em sua Igreja” [16]. “A oração é a ‘alma’ da renovação ecumênica e do desejo de unidade”, acrescenta João Paulo II. Em suma, é a base e o suporte de tudo o que o Concílio [Ecumênico Vaticano II] define como ‘diálogo.’” [17]. Às vezes, o diálogo se torna mais difícil, na verdade, impossível, quando nossas palavras, julgamentos e ações manifestam uma falha em lidar uns com os outros com compreensão, verdade e justiça. “Ao empreender o diálogo, cada lado deve pressupor no outro um desejo de reconciliação, de unidade na verdade .” [18]

Um sinal necessário desse diálogo é que passamos de “antagonismo e conflito para uma situação em que cada parte reconhece a outra como parceira” [19]. Allison está preso à intriga, mas ainda não desenvolveu uma postura em relação aos católicos que descrevi acima como a postura 3. Essa postura é onde um autêntico diálogo interconfessional é possível porque cada interlocutor confessional reconhece o outro como um parceiro ecumênico , como companheiro crente em Cristo, na causa comum do Evangelho, especialmente no que diz respeito à questão da unidade visível da Igreja. Em suma, o ecumenismo de conversão encarna a convicção de que “o diálogo não é simplesmente uma troca de ideias. De alguma forma, é sempre uma ‘troca de dons’”, na verdade, um “diálogo de amor” [20]. Isso é ecumenismo receptivo no seu melhor, e está muito ausente no trabalho de Allison.

Nesta concepção, a visão da Igreja de unidade visível “leva em conta todas as exigências da verdade revelada”. João Paulo II escreve corretamente: “O amor pela verdade é a dimensão mais profunda de qualquer busca autêntica da plena comunhão entre os cristãos”. Portanto, ela procura evitar todos aqueles pressupostos que às vezes atormentam o diálogo ecumênico: formas de reducionismo, como o minimalismo doutrinário, ou acordo fácil, falso irenismo, indiferença ao ensinamento da Igreja e ecumenicidade de denominador comum [21]. O diálogo interconfessional como tal entre evangélicos e protestantes reformados, por um lado, e católicos, por outro, é muitas vezes considerado um “sinal de fraqueza”. Berkouwer discorda, e acho que ele está certo. Ele insiste que a preocupação com a unidade visível do Corpo de Cristo não significa o nivelamento de todas as diferenças genuínas entre católicos e cristãos evangélicos/reformados. Isso porque um ecumenismo baseado em qualquer outra coisa que não a verdade – um ecumenismo de convicção – é vazio. Berkouwer entende corretamente que “‘diálogo’… não significa a priori uma abordagem relativizadora do ecumenismo” [22]. Ele acrescenta: “Muitos protestantes suspeitam que, ao levar esses confrontos a sério, podemos diluir as diferenças e perder algumas das velhas convicções da luta”. Pelo contrário, argumenta Berkouwer, “o encontro responsável não é sinal de fraqueza; é antes o reconhecimento da seriedade da divisão da Igreja” [23]. Portanto, ele conclui, “a questão do evangelho e da unidade em Cristo deve ser encarada honesta e teimosamente como a questão importante” [24]. 

Em suma, então, tenho duas objeções à aparente indiferença de Allison ao ecumenismo. Em primeiro lugar, para os cristãos de diversas tradições confessionais interessados ​​em buscar o diálogo ecumênico, o conhecimento dos documentos que são frutos de meio século de diálogo é imperativo para avançar na discussão sobre a busca da comunhão visível entre os cristãos. Em segundo lugar, a despreocupação de Allison em relação a esses diálogos ecumênicos entre várias tradições confessionais e a Igreja Católica decorre de uma falha em levar a sério biblica e teologicamente o imperativo ecumênico fundamentado em João 17, 21.

Hermenêutica do Catolicismo

Em segundo lugar, talvez a fraqueza mais fundamental no estudo de Allison seja sua dependência acrítica do estudo de Leonardo De Chirico de 2003 sobre a hermenêutica do Catolicismo Romano pós-Vaticano II de uma perspectiva teológica evangélica [25]. Tenho grande respeito pelo próprio De Chirico e sua obra, embora rejeite sua interpretação e conclusões sobre o catolicismo. De Chirico afirma fornecer uma hermenêutica do catolicismo como um sistema coerente e abrangente que se baseia em dois primeiros princípios. Allison compartilha a hermenêutica de De Chirico que identifica esses primeiros princípios: “a interdependência natureza-graça, ou seja, uma forte continuidade entre natureza e graça; e a interconexão Cristo-Igreja, isto é, uma eclesiologia… que vê a Igreja Católica como a encarnação contínua de Jesus Cristo”. Essa hermenêutica merece uma atenção muito mais crítica do que posso dar aqui. Assim, meus comentários críticos sobre cada um dos primeiros princípios serão breves.

Natureza e Graça

Como devemos entender a distinção e relação entre natureza e graça? Como devemos entender o impacto que a queda teve sobre a natureza humana? No que se segue, distingo a Posição I e a Posição II na teologia da natureza e da graça de Allison. A posição I é a posição que ele assume ao criticar o catolicismo. A Posição II qualifica essa postura e vem dentro da órbita de uma teologia católica da natureza e da graça.

Com relação à Posição I, Allison afirma que o catolicismo nega que “o pecado original afeta todos os aspectos da natureza humana”. Ele explica: “Natureza e graça são os dois elementos constitutivos do sistema católico, sendo o pecado um elemento secundário grave, mas não devastador. A natureza, embora ferida pelo pecado, retém a capacidade para a graça [isto é, para receber, transmitir e cooperar com a graça, ele diz em outro lugar], e a graça eleva ou aperfeiçoa a natureza. Os dois continuam a operar de forma interdependente”. Por outro lado, de acordo com Allison:

A teologia evangélica tem três polos: criação, queda/pecado e redenção/graça. Nesse sistema, o pecado é levado mais a sério, e seu impacto corruptor na criação não é mitigado por ser parte da natureza. […] De fato, a teologia evangélica tem três elementos constitutivos, sendo a queda ou pecado um elemento primário, e não secundário, de seu sistema. Por causa do impacto devastadoramente profundo do pecado na criação, a noção da natureza como possuidora de alguma capacidade de graça não faz sentido no sistema evangélico. […] Para a teologia católica, natureza e graça são interdependentes; para a teologia evangélica, natureza e graça estão em desacordo por causa do impacto devastador do pecado na natureza. […] De acordo com a teologia evangélica, [consequentemente] a graça não tem nada [ênfase adicionada] para trabalhar na natureza porque a criação foi devastadoramente maculada pelo pecado.

Primeiro, Gregg afirma que a teologia evangélica sustenta que a natureza humana está caída e devastadoramente maculada pelo pecado no sentido de ser obliterada e, consequentemente, irrecuperável. Tal visão, no entanto, sugeriria que a natureza humana pós-queda é simplesmente um vaso corrupto que precisa ser substituído por algo totalmente novo. Tal posição parece inevitável se Allison nega que exista qualquer continuidade entre natureza e graça em vista da queda/pecado. Essa ênfase na descontinuidade entre natureza e graça reflete o pessimismo sobre a natureza após a queda. Essa também é a visão de De Chirico, na qual Allison demonstra uma confiança excessiva e acrítica. Na situação pós-lapsária, diz De Chirico, o “status protológico” das estruturas da criação “mudou radicalmente … em uma realidade movida pelo pecado e totalmente corrompida”. Novamente, ele diz: “a criação é, portanto, uma criação caída que perdeu as suas prerrogativas primordiais de maneira irreversível e existe em um estado de separação de Deus. Concordando novamente com De Chirico, Allison diz que “a graça não tem nada com que trabalhar na natureza porque a criação foi devastadoramente maculada pelo pecado”. Ao longo do livro, ele repete essa visão de que a teologia evangélica rejeita o “axioma do sistema Católico da interdependência da natureza graça, especificamente … a graça deve ser incorporada na natureza”, ou “que a graça se manifeste concretamente na natureza”. Portanto, não há sentido algum em que possamos dizer que a graça se baseia na natureza. No entanto, isso significaria que a graça não tem nenhum ponto de contato com a natureza (leia-se: estruturas duradouras da realidade criada). Essa posição parece mais barthiana do que evangélica porque, por exemplo, rejeita a teologia natural. Aqui, também, Allison reconhece que não existe unanimidade entre os evangélicos quanto aos argumentos teístas [27], compartilhando a afirmação do catolicismo da legitimidade da teologia natural, não está claro por que ele identifica sua visão como evangélica e antitética ao catolicismo.

Seja como for, Allison rejeita o apoio do CIC à teologia natural porque o “engano e destrutividade do pecado … estende-se à racionalidade humana e corrompe sua capacidade de obter conhecimento seguro de Deus por meio da ordem criada”. Seu raciocínio é o seguinte: dada a corrupção total da natureza humana, então, a racionalidade humana, como parte integrante da natureza humana, é grosseiramente não confiável como uma fonte ainda subordinada de conhecimento da revelação geral de Deus e das estruturas duradouras da criação, lei natural e, portanto, não pode ser de muito serviço ao evangelho. Allison, então, afirma que, dada a visão do catolicismo de um “continuum natureza-graça” e, portanto, sua atenção inadequada à racionalidade humana sendo “completamente devastada pelo pecado”, o CIC tem uma “atitude bastante esperançosa em relação à revelação geral”. Esperançoso no sentido, afirma ele, de que para o catolicismo a revelação geral é “suficiente para que a salvação ocorra” e, portanto, “o mero conhecimento da existência de Deus […] suficiente para um relacionamento pessoal com ele”.

Além disso, Allison repete o mesmo – como argumentarei, falho – argumento no contexto do conhecimento da lei natural. Ele reconhece que a teologia católica afirma não apenas as influências noéticas do pecado sobre o conhecimento do homem dos princípios da lei natural, mas também que o homem precisa de graça e revelação para superar essas influências. Mas então ele tira a desconcertante conclusão de que para o catolicismo “o problema da humanidade é … apenas um epistemológico – o fracasso em conhecer os preceitos da lei natural”. Allison insiste, no entanto, que a “situação do homem é moral – a falha culposa em obedecer a esses preceitos”.

Mas Allison não poderia estar mais longe da marca em ambos os casos. Considerando a situação do homem como supostamente meramente epistêmica, Allison não oferece nenhuma evidência de que o fracasso em compreender os preceitos da lei natural seja, de acordo com o catolicismo, a fonte da alienação do homem de Deus. Ele inverteu a ordem: a alienação do homem de Deus não é meramente noética – mesmo da lei natural – mas religiosa por causa do pecado. É o pecado que é a situação do homem. CIC declara: “Ele pecou livremente. Ao recusar o plano de amor de Deus, ele se enganou e se tornou escravo do pecado. Essa primeira alienação gerou uma multidão de outras. Desde o início, a história humana atesta a miséria e a opressão nascidas do coração humano em consequência do abuso da liberdade” (§1739). CIC explica:

O pecado está presente na história do homem. Seria vão tentar ignorá-lo ou dar outros nomes a esta obscura realidade. Para tentar compreender o que é o pecado, temos primeiro de reconhecer o laço profundo que une o homem a Deus, porque, fora desta relação, o mal do pecado não é desmascarado na sua verdadeira identidade de recusa e oposição a Deus, embora continue a pesar na vida do homem e na história. A realidade do pecado e, dum modo particular, a do pecado das origens, só se esclarece à luz da Revelação divina. Sem o conhecimento que esta nos dá de Deus, não se pode reconhecer claramente o pecado, e somos tentados a explicá-lo unicamente como falta de maturidade, fraqueza psicológica, erro, consequência necessária duma estrutura social inadequada, etc. Só no conhecimento do desígnio de Deus sobre o homem é que se compreende que o pecado é um abuso da liberdade que Deus dá às pessoas criadas para que possam amá-Lo e amarem-se mutuamente. (§§386-387)

Em suma, pace Allison, é a revelação divina, não a lei natural, que ilumina a realidade do pecado ao revelar que a situação do homem é sua alienação de Deus. CIC declara: “Mas este ‘vínculo íntimo e vital do homem com Deus’ ( GS 19 #1) pode ser esquecido, negligenciado ou mesmo explicitamente rejeitado pelo homem. Tais atitudes podem ter diversas causas: revolta contra o mal no mundo; ignorância ou indiferença religiosa; os cuidados e riquezas deste mundo; o escândalo do mau exemplo por parte dos crentes; correntes de pensamento hostis à religião; enfim, aquela atitude do homem pecador que o faz se esconder de Deus por medo e fugir de seu chamado” (§29). Claramente, a interpretação do catolicismo de Allison neste ponto é reducionista e não nasce do que o CIC realmente diz.

Agora, em relação à teologia natural, o que coloca Allison na direção errada é sua má interpretação da declaração do CIC:

As faculdades do homem tornam-no capaz de conhecer a existência de um Deus pessoal. Mas, para que o homem possa entrar na sua intimidade, Deus quis revelar-Se ao homem e dar-lhe a graça de poder receber com fé esta revelação. Todavia, as provas da existência de Deus podem dispor para a fé e ajudar a perceber que a fé não se opõe à razão humana. (§35)

Além de sua afirmação imprecisa de que a revelação geral nos revela um conhecimento salvador de Deus, Allison afirma que o CIC afirma que a revelação geral “dispõe os incrédulos à fé”. Mas como isso é possível “quando eles [os incrédulos] rejeitam tão firme e completamente a revelação geral”? A resposta de Allison a essa pergunta o leva de volta à “interdependência natureza-graça, um dos axiomas do sistema teológico católico” no qual “embora o pecado tenha influenciado seriamente a natureza, ele não a corrompeu a ponto de uma resposta humana positiva à revelação geral ser impedido ” .

Embora Allison sublinhe sua convicção de que “a teologia evangélica discorda fortemente dessa posição”, ele seria mais preciso que sua versão da teologia evangélica discorda fortemente. Por exemplo, por causa da graça comum de Deus, neocalvinistas holandeses como Kuyper e Herman Bavinck encontram verdade e bondade nas religiões pagãs [28]. Além disso, os Cânones de Dort (1619) declaram: “Permanece, no entanto, no homem desde a queda, os vislumbres da luz natural, pelos quais ele retém algum conhecimento de Deus, das coisas naturais e da diferença entre o bem e o mal, e mostra alguma consideração pela virtude e pelo bom comportamento exterior” [29]. Assim, mesmo de acordo com a tradição reformada, claramente o homem não rejeita completamente a revelação geral, mas também há uma resposta humana positiva, embora não salvífica, a essa revelação.Além disso, Allison não entende o papel dos argumentos teístas sobre o conhecimento de Deus pela fé. CIC diz que tais argumentos predispõem à fé no sentido de mostrar que “a fé não se opõe à razão”. Allison nega essa afirmação? Não consigo imaginar que ele negue que a fé seja razoável nesse sentido. Além disso, CIC não afirma que argumentos teístas, embora disponíveis, sejam necessários para chegar ao conhecimento da existência de Deus. Na verdade, diz exatamente o contrário. “Nas condições históricas em que se encontra, porém, o homem experimenta muitas dificuldades para conhecer a Deus apenas à luz da razão”. Segue esta afirmação citando Pio XII em Humani generis, onde ele enfatiza, entre outros obstáculos para obter um conhecimento natural de Deus, as influências noéticas do pecado:

 Pois, embora possa realmente a razão humana com suas forças e sua luz natural chegar de forma absoluta ao conhecimento verdadeiro e certo de Deus, único e pessoal, que sustém e governa o mundo com sua providência, bem como ao conhecimento da lei natural, impressa pelo Criador em nossas almas, entretanto, não são poucos os obstáculos que impedem a razão de fazer uso eficaz e frutuoso dessa sua capacidade natural. De fato, as verdades que se referem a Deus e às relações entre os homens e Deus transcendem por completo a ordem dos seres sensíveis e, quando entram na prática da vida e a enformam, exigem o sacrifício e a abnegação própria. Ora, o entendimento humano encontra dificuldades na aquisição de tais verdades, já pela ação dos sentidos e da imaginação, já pelas más inclinações, nascidas do pecado original. Isso faz com que os homens, em semelhantes questões, facilmente se persuadam de ser falso e duvidoso o que não querem que seja verdadeiro. (2)

O CIC conclui reiterando o ponto feito no §35 que “para que o homem possa entrar em verdadeira intimidade com ele, Deus quis revelar-se ao homem e dar-lhe a graça de poder acolher esta revelação na fé.” Assim, acrescenta: “É por isso que o homem tem necessidade de ser iluminado pela revelação de Deus, não apenas sobre as coisas que excedem sua compreensão, mas também sobre aquelas verdades religiosas e morais que, por si mesmas, não estão além do alcance da razão humana, de modo que, mesmo na condição atual do gênero humano, eles possam ser conhecidos por todos os homens com facilidade, com firme certeza e sem mistura de erros” (§§37-38) [30]. E novamente, o CIC afirma: “há outra ordem de conhecimento, à qual o homem não pode chegar por seus próprios poderes: a ordem da Revelação divina. Por uma decisão totalmente livre, Deus se revelou e se entregou ao homem. Isso ele faz revelando o mistério, seu plano de bondade amorosa, formado desde toda a eternidade em Cristo, para o benefício de todos os homens. Deus revelou plenamente este plano enviando-nos seu Filho amado, nosso Senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo”. Allison inexplicavelmente ignora todas essas passagens do CIC. Seja como for, a tradição católica concorda com Allison que o conhecimento de Deus por meio da revelação geral é insuficiente para nos dar um conhecimento salvífico de Deus. Ele está certo: “a revelação geral não foi projetada para promover um relacionamento pessoal com Deus; revelação especial cumpre esse papel”.

Agora, não é que Allison rejeite a revelação geral de Deus. Ele afirma a revelação objetiva de Deus de si mesmo nas e através das obras da criação. Esta revelação geral ainda persiste apesar da queda no pecado. Mas tão logo ele afirma a revelação geral, ele afirma que não temos acesso confiável através da compreensão das obras de Deus pela razão natural  a um conhecimento certo dele. Isso significa uma rejeição da teologia natural, argumentos teístas ou razões para a crença em Deus. Allison reconhece que esta conclusão não é unanimemente aceita por todos os evangélicos. Por que, então, ele assume uma postura antitética apenas em relação ao catolicismo?

Além disso, de acordo com a tradição católica, o conhecimento de Deus que em princípio é possível obter por meio da revelação geral é um conhecimento inadequado, distorcido, incompleto, não salvífico, mas ainda assim verdadeiro. As influências noéticas do pecado suprimem e impedem o funcionamento da capacidade da razão natural de adquirir conhecimento de Deus por meio da revelação geral. Significativamente, esse conhecimento de todas essas verdades “deve, em última análise, ser disciplinado e incorporado à narrativa reveladora [da criação, queda e redenção]. Atenas, quaisquer que sejam seus próprios insights sobre a verdade, deve, em última análise, ser castigada por Jerusalém” [31] se for de alguma utilidade no aprofundamento de nosso conhecimento íntimo da Trindade.

Chamo a visão de Allison de “sobrenaturalismo epistêmico” porque a única fonte, não apenas a fonte final ou primária – que, em contraste, o Catecismo ensina – de nosso conhecimento confiável de Deus é a revelação especial. Volto a este ponto no próximo parágrafo. Por ora, observemos que na raiz dessa chamada “atitude esperançosa” em relação à capacidade da teologia natural de compreender Deus por meio da revelação geral está, de acordo com Allison, “o axioma do sistema católico de um continuum natureza-graça que não é completamente devastada pelo pecado”. O que, então, é a graça restaurando? Na concepção desqualificada de Allison da relação entre natureza e graça, não há nada para restaurar porque a natureza humana em sua condição decaída é, diz ele, “completamente devastada pelo pecado” (77) e, portanto, é essencialmente irrecuperável. A natureza humana é apenas um vaso corrupto como consequência da queda no pecado e, portanto, precisa ser substituído por algo inteiramente novo pela graça de Deus. Nessa visão, a natureza humana é considerada completamente fechada a Deus e, portanto, capaz de nada além do pecado, com a perda ou destruição concomitante da resposta da razão natural às estruturas duradouras da criação e da revelação geral.

Nesse sentido, o sobrenaturalismo epistêmico de Allison parece ser um corolário de sua compreensão do sola Scriptura. Ele nos assegura que o princípio do sola Scriptura não significa somente a Escritura; isto é, scriptura nuda, “Escritura nua”, e, portanto, não é um princípio anti-tradição ou anti-credo, mas sim que “a Escritura goza de autoridade primária”, mas “não é a única autoridade – na verdade, o princípio não é uma rejeição de outras autoridades”. Não obstante a afirmação de Allison sobre o sola Scriptura, somente a Escritura realmente funciona para ele como uma autoridade autossuficiente para a fé e o pensamento cristãos. Claro, pace Allison, de fato, não é somente a Escritura que ele usa como padrão de julgamento teológico, é “Escritura e teologia evangélica”, esta última refratada às vezes através, por exemplo, de uma eclesiologia congregacionalista, teologia sacramental zwingliana, e uma compreensão particular da relação entre graça e liberdade.

Tal eclesiologia, teologia sacramental e compreensão da graça e da liberdade não são aceitas por todos os evangélicos. Evangélicos que são luteranos ou reformados (ou católicos!) congregações autônomas. Estas, acrescenta Allison, “as igrejas locais são divinamente projetadas para serem os [únicos] instrumentos de salvação à medida que seus pais e membros proclamam o evangelho, discipulam, adoram, batizam, celebram a Ceia do Senhor, oram, educam, comungam, cuidam, exercem dons espirituais e coisas semelhantes” . Allison pensa que as formas episcopais de governo da igreja levam ao papado e, portanto, “se afastam da suficiência das Escrituras porque dependem dos desenvolvimentos nos séculos seguintes para sua justificação”. É claro que presbiterianos, reformados, luteranos, anglicanos, ortodoxos – para não dizer católicos – discordariam de que o único instrumento de salvação divinamente projetado é a igreja local. O princípio do sola Scriptura não superou as diferenças teológicas na eclesiologia.

Além disso, em relação à sacramentologia zwingliana, quanto à questão de, não se, mas como os sacramentos são meios de graça, a tradição católica concorda com Calvino que os sacramentos são os “pilares de nossa fé”. [32] De fato, há muito que as teologias reformada e católica têm em comum quando se trata da doutrina dos sacramentos. Elas concordam que os sacramentos são meios de graça, ao invés de meros sinais exteriores e vazios. [33] Em suma, elas concordam que Deus realmente concede sua graça por meios sacramentais. Elas também concordam, como afirma Bavinck, que somente Deus é o autor, iniciador e causa eficiente [34] dos sacramentos. [35]Sobre esta questão, de acordo com Kuyper, “Os reformados estão com Roma, Lutero e Calvino contra Zwinglio em sua adesão a uma obra divina da graça nos sacramentos”. [36] Resumidamente, aqui, também, Allison reconhece que “enquanto um grande segmento da teologia protestante continuou a abraçar os sacramentos como meios de graça, outro grande segmento mudou para uma visão muito distante de qualquer noção de meios de graça. A teologia evangélica, portanto, engloba essas duas posições”.

Sobre a questão da graça e da liberdade, Allison reconhece que “a teologia evangélica abrange várias visões da liberdade humana, incluindo a liberdade libertária, encaixando-se no indeterminismo e com muita sobreposição com a posição da teologia católica, e a liberdade compatibilista, encaixando-se no determinismo (suave)”.

Claramente, a diversidade de posições evangélicas sobre esses assuntos e outros não é, de acordo com Allison, questões que dividem a comunhão entre os evangélicos. Admitir esse ponto, no entanto, torna óbvio que o sola Scriptura não resolve a questão de interpretações teológicas justificadas desses assuntos brevemente esboçados acima.

No entanto, tal visão – um problema perene para qualquer interpretação protestante das Escrituras – entra em conflito com um dos “solas” do protestantismo: “sola Scriptura (somente a Escritura), não a Escritura e a Tradição”. Seja como for, a evidência de minha afirmação de que a posição de Allison sobre sola Scriptura é indistinguível da scriptura nuda é clara em seu julgamento de que a Parte III do CIC, que trata da vida moral em Cristo, antropologia teológica, teologia moral, dimensões sociais e políticas dessa vida, a lei natural e muito mais, não pode ser considerada “definitiva e obrigatória”. Por quê? Porque as alegações feitas na Parte III são “nem explicitamente bíblicas nem explicitamente antibíblicas”. Sim, Allison afirma que as opiniões ali expressas “podem ser bem-vindas como uma possível contribuição para as discussões sobre as dimensões corporativas da existência humana”. Mas isso é tudo que eles estão sendo incapazes de serem justificados apenas pelas Escrituras. Seu “sobrenaturalismo epistêmico” está em ação aqui. Isso se reflete em sua ambivalência sobre as estruturas duradouras da criação e sobre a realidade da revelação geral, na qual todas essas reflexões pretendem se fundamentar. O ensino do CIC sobre a vida moral em Cristo é falho porque não dá atenção a “qualquer papel explícito das Escrituras para a vida cristã”. Essa “crítica reflete aquilo pelo que a teologia evangélica é conhecida – a Palavra de Deus e sua autoridade, suficiência e necessidade para a vida em Cristo” (408). Mas a afirmação de Allison de que o ensino do CIC sobre a vida moral em Cristo carece de atenção a “qualquer papel explícito das Escrituras para a vida cristã” é imprecisa, para não dizer falsa. De fato, estou perplexo com sua afirmação, pois o CIC , Parte III, Seção Dois, Os Dez Mandamentos, dedica várias centenas de parágrafos (2052-2557) ao papel explícito das Escrituras para a vida cristã. Além disso, CIC, Parte I, Capítulo Dois, Artigo 3, recapitula o ensino Da Dei Verbum §§21-25 sobre a natureza, escopo e necessidade da autoridade bíblica – prima Scriptura – na vida cristã.Em segundo lugar, passo agora para a Posição II sobre a teologia da natureza e da graça de Allison. Tendo oposto “a” visão teológica evangélica da natureza e da graça, insistindo que ela foi “completamente devastada pelo pecado” e tudo o que essa afirmação implica sobre uma oposição desqualificada entre natureza e graça, Allison qualifica sua afirmação sobre a descontinuidade entre natureza e graça acrescentando referências à graça comum e a distinção entre estrutura e direção. Ele deriva essa ideia de qualificar a descontinuidade de De Chirico, que o próprio De Chirico recebe do teólogo neocalvinista canadense Albert Wolters, que postula e desenvolve essa distinção em seu conhecido livro, Creation Regained (1985, 1ª edição). O resultado dessas distinções é limitar o impacto da queda/pecado sobre a natureza (isto é, as estruturas da realidade) de tal forma que a queda/pecado desordena a natureza humana, mas a própria natureza humana, seus fundamentos mais profundos, permaneceu no lugar após a queda/pecado. Em outras palavras, metafisicamente falando, o que a natureza humana perdeu por causa da queda/pecado foi acidental, não substancial ou essencial para ser um ser humano, pois a queda/pecado não transformou literalmente o ser humano em um tipo diferente de criatura. A distinção aqui é entre substância/acidente. Paul Helm apela para essa mesma distinção: “Portanto, existem características essenciais de ser um ser humano – sejam elas quais forem – e também características acidentais, aquelas perdidas na queda e aquelas restauradas em Cristo”. [37] De fato, o próprio Calvino apela para essa mesma distinção em sua resposta a Albert Pighius, encontrada em The Bondage and Liberation of the Will. [38] E esta distinção é atribuída à Cidade de Deus de Agostinho, Livro XIV, Capítulo XI, que é aplicado pelo CIC . Agostinho escreve: “As naturezas nas quais o mal existe, enquanto são naturezas, são boas. E o mal é removido, não removendo qualquer natureza ou parte de uma natureza, mas curando e corrigindo o que havia sido corrompido e depravado”. Assim, a característica essencial da natureza humana permanece a mesma, sendo primária, e, portanto, o pecado é um elemento secundário (para usar a linguagem de De Chirico) de tal forma que é acidental à natureza humana. Pace De Chirico, nessa perspectiva agostiniana, os “efeitos negativos [do pecado] são, portanto, relativizados”. [39] Em suma, como argumenta Berkouwer:

A teologia reformada tem sido particularmente inclinada a trilhar este caminho [de substância distinta e acidente]. Calvino, por exemplo, em seu comentário sobre 2 Pedro 3, 10, distingue entre substância e qualidade. A purificação do céu e da terra ‘para que sejam aptos para o reino de Cristo’ não é uma questão de aniquilação, mas um julgamento em que algo permanecerá. As coisas serão consumidas “apenas para receber uma nova qualidade, enquanto sua substância permanece a mesma”. De acordo com Bavinck, a aniquilação da substância é uma impossibilidade, mas o mundo, sua aparência devastada pelo pecado, desaparecerá. Não haverá uma nova, segunda criação, mas uma recriação do que existe, um renascimento. Substancialmente, nada será perdido. [40]

Em uma passagem que vale a pena citar na íntegra do volume 4 da Reformed Dogmatics de Bavinck, ele descreve sucintamente essa consumação e sua continuidade substancial com a criação original. Esta também é a posição da Igreja Católica, conforme expressa no CIC.

Em uma passagem que vale a pena citar na íntegra do volume 4 da Reformed Dogmatics de Bavinck, ele descreve sucintamente essa consumação e sua continuidade substancial com a criação original. Esta também é a posição da Igreja Católica, conforme expressa no CIC.

Tudo o que é verdadeiro, honroso, justo, puro, agradável e louvável em toda a criação, no céu e na terra, é reunido na futura cidade de Deus – renovada, recriada, impulsionada à sua mais alta glória. A substância [da cidade de Deus] está presente na criação. Assim como a lagarta se transforma em borboleta, como o carbono se transforma em diamante, como o grão de trigo ao morrer na terra produz outros grãos de trigo, como toda a natureza revive na primavera e se veste com roupas de festa, como a comunidade crente é formado da raça caída de Adão, assim como o corpo da ressurreição é ressuscitado do corpo que está morto e sepultado na terra, assim também, pelo poder recriador de Cristo, o novo céu e a nova terra um dia emergirão os elementos expurgados do fogo deste mundo, radiante em glória duradoura e livre para sempre da “escravidão da decadência” … [Rm. 8:21]. Mais gloriosa do que esta bela terra, mais gloriosa do que a Jerusalém terrena, mais gloriosa até do que o paraíso será a glória da nova Jerusalém, cujo arquiteto e construtor é o próprio Deus. O estado de glória (status gloriae ) não será mera restauração ( restauratie ) do estado de natureza ( status naturae ), mas uma reforma que, graças ao poder de Cristo, transforma toda matéria… em forma, toda potência em atualidade (potential, actus), e apresenta toda a criação diante da face de Deus, brilhante em esplendor imperecível e florescendo em uma primavera de eterna juventude. Substancialmente nada está perdido. [41]

De Chirico e Allison são obrigados a revisar seu pensamento sobre a compreensão da Igreja sobre natureza e graça, tendo em vista as semelhanças entre a tradição reformada e católica. Para ambas as tradições, a graça não abole a natureza nem a deixa intocada, mas a transforma a partir de sua própria ordem; e a graça pressupõe a natureza porque é “o próprio material através do qual a graça opera e para cuja perfeição última a própria graça existe”. [42]

O que acabei de descrever acima em meu segundo ponto como a visão qualificada de Allison do continuum natureza-graça é, ironicamente, a posição da Igreja Católica. Significativamente, Allison não traz sua crítica ao axioma do sistema católico de um continuum natureza-graça para influenciar a exposição do casamento do CIC. Considere CIC 29, 400, 405, 407 onde é descrito o impacto da queda/pecados sobre a totalidade da natureza humana. Considere também CIC 1601-1605, onde o casamento é considerado da perspectiva da criação, queda/pecado e redenção, com redenção/graça restaurando e renovando a criação caída de dentro. Por natureza o CIC compreende os fundamentos mais profundos da natureza humana que permanecem no lugar após a queda, uma natureza que foi selvagemente ferida ou seriamente perturbada pela queda/pecado, mas ainda permanece o que Deus originalmente os fez ser. A esta luz, podemos facilmente compreender o ensinamento do CIC sobre a relação entre pecado e natureza:

Segundo a fé, a desordem que notamos tão dolorosamente [no casamento] não provém da natureza do homem e da mulher, nem da natureza de suas relações, mas do pecado. … No entanto, a ordem da criação [do casamento] persiste, embora seriamente perturbada. … Em sua misericórdia, Deus não abandonou o homem pecador. … Após a queda, o casamento ajuda a superar a auto absorção, o egoísmo, a busca do próprio prazer, para à abertura ao outro, à ajuda mútua e à doação.

De Chirico está certo, de acordo com o CIC, ao dizer que a criação caída é “incapaz de restaurar o relacionamento [com Deus] em sua própria força, nem está disposta a fazê-lo”. [43] Além disso, “Na sua pregação, Jesus ensinou inequivocamente o significado original [isto é, criacional, da ordem da natureza] da união do homem e da mulher como o Criador quis desde o princípio. …   Vindo para restaurar a ordem original da criação perturbada pelo pecado, [Jesus] ele mesmo dá a força e a graça para viver o matrimônio na nova dimensão do Reino de Deus” (Catecismo , §1603, §§§1606-9, §§ 1614-15). A graça restaura a natureza para funcionar adequadamente de acordo com seus fins divinamente intencionados.

O casamento e a família são, então, fundamentados na ordem da criação, seriamente perturbados pela queda no pecado, integralmente redimidos pela salvação em Cristo, e alcançam a plenitude da redenção em Cristo quando a criação atinge seu objetivo final. Dentro desse escopo abrangente está a visão tomista de que a graça restaura a natureza em vez de aboli-la ou deixá-la intocada e, portanto, que a graça pressupõe a natureza para construir sobre ela o “mesmo material em que a graça opera e para cuja perfeição última a própria graça existe”. [44]Mas também, visto que a restauração da graça não é uma mera recuperação dos fundamentos mais profundos da realidade criada, em certo sentido esses fundamentos são elevados a um “nível superior” na consumação escatológica do plano de salvação de Deus para toda a criação. O sentido exato em que “a redenção pela graça da realidade criada, a reforma da natureza, não é meramente repristinação, mas eleva o natural a um nível mais alto do que originalmente ocupou” é um assunto acaloradamente controverso, especialmente no pensamento reformado e católico. [45] Berkouwer resume claramente a questão em disputa:

O significado e a extensão da redenção são o cerne da questão. O Reino de Deus é algo mais do que apenas uma restauração do que foi perdido? O significado mais profundo do mistério escatológico não é este, que ele irá superar e transcender a natureza original criada do homem? atribuir algo mais ao homem no eschaton vai contra esses limites. Aqueles que desafiam esses limites precisam ser lembrados de que “ainda não aparece o que havemos de ser” (1 João 3, 2). Esta observação de João estabelece o limite para nossa penetração no mistério escatológico. Quando falamos desse mistério, então, não podemos, pela própria natureza do caso, fazer uma simples identificação do tempo do fim e do tempo original.[46]

Sob essa luz, podemos entender o ponto de Henri de Lubac sobre a essência do cristianismo:

O sobrenatural não apenas eleva a natureza (este termo tradicional é correto, mas é inadequado por si só); não penetra na natureza apenas para ajudá-la a prolongar seu impulso… e levá-la a uma conclusão bem-sucedida. Ele a transforma … “Eis que faço novas todas as coisas !” (Ap. 21, 4). O cristianismo é “uma doutrina de transformação porque o Espírito de Cristo vem permear a primeira criação e fazer dela uma ‘nova criatura’.” [47]


Assim, Allison e, portanto, De Chirico estão criticando um espantalho sobre a relação entre natureza e graça. Sua crítica ao catolicismo do ponto de vista (posição I) de uma ênfase não qualificada no pecado e, portanto, uma descontinuidade entre natureza e graça traz consigo problemas que discuti criticamente. Mas a qualificação feita por eles (Posição II) sobre o continuum natureza-graça coloca sua posição dentro da órbita de uma teologia católica da natureza e da graça e, consequentemente, do CIC.

Interconexão Cristo-Igreja: Prolongando a Encarnação

Volto-me agora para o segundo princípio da hermenêutica do catolicismo de De Chirico: a interconexão Cristo-Igreja concernente à unidade de Cristo e da Igreja em um único corpo, de modo que a Igreja Católica é a continuação da encarnação de Jesus Cristo. Hans Urs von Balthasar expressa esta visão: “A Igreja, nesta perspectiva, é a mais ampla ‘encarnação [do Logos] … pois ela tem como objetivo levar toda a humanidade a Deus”. [48] Assim, diz Allison, “a Igreja é um prolongamento da encarnação do Filho de Deus, mediando a graça de Deus ao mundo como o Cristo encarnado media a graça divina ao mundo”. De Chirico chama a interconexão Cristo-Igreja, com o papel da Igreja sendo o de um agente mediador, a “lei da Encarnação”. Ao contrário de Allison, De Chirico deixa claro que a objeção evangélica não é a essa lei como tal. Com efeito, diz ele:

Uma lei de Encarnação amplamente definida é algo que pertence a todas as formas clássicas e ortodoxas de cristianismo e não exclusivamente ao catolicismo romano. Embora seja verdade que cada tradição articula de maneira diferente sua compreensão desta lei, o significado da encarnação do Filho de Deus é geralmente pensado como sendo um ato divino-humano que não é redutível a um evento meramente histórico. É antes encarado como o padrão para a Igreja cumprir sua missão para que o evangelho cristão possa ser testemunhado e praticado em formas concretas e incorporadas em situações reais. Mesmo a tradição evangélica menos orientada sacramentalmente defenderia fortemente algum tipo de lei da Encarnação resultando em uma teologia de mediação correspondente, mesmo que a interpretasse de uma maneira totalmente diferente do catolicismo romano.[49]

Embora Allison não se refira explicitamente a esta importante passagem de De Chirico nem dê um endosso de uma “lei da Encarnação”, algo como é evidente em sua afirmação de “que a salvação realizada por Cristo, revelada através do evangelho, é e deve ser aplicada de forma contínua é certamente verdade”. Portanto, não está claro por que De Chirico e Allison se opõem à “lei da encarnação”. A Encarnação é sobre o Verbo de Deus, o eterno Filho do Pai, tornando-se homem. A “teleologia da Encarnação” (para tomar emprestado um termo de Robert Sokolowski) move-se para a Morte, Ressurreição e Ascensão sacrificial de Jesus Cristo. Como De Chirico observa com razão na passagem acima, esta obra de Deus não é um evento que recua para o passado porque se destina a transformar a criação e a história, na verdade, toda a vida.O cerne da objeção está enraizado na “hermenêutica da Ascensão para a autocompreensão da Igreja”. [50] Em outras palavras, sua interpretação da ascensão de Cristo ao Céu vê, segundo De Chirico: “[Um] elemento mais forte de descontinuidade entre a promulgação pré-ascensão da lei associada ao ministério terreno de Jesus Cristo e seu pós-prolongamento da ascensão na vida da Igreja… Assim, a ascensão é o locus cristológico de onde partem as duas perspectivas eclesiológicas, desenvolvendo-se em dois sistemas divergentes.” Ele explica:

A hermenêutica teológica da ascensão tem, portanto, um valor sistêmico, pois decide as questões primordiais: que tipo de corporificação da lei da Encarnação termina com a partida de Jesus Cristo da terra e que tipo de corporificação da mesma lei continua na Igreja mesmo depois de Sua partida? O sistema católico romano olha para a ascensão dentro da continuidade do padrão estabelecido com a Encarnação, embora reconheça a novidade do período pós-ascensão da mesma lei. . . . O sistema evangélico tende a ver a ascensão de forma mais abrupta e radical, na medida em que a concebe como o fim do ministério terreno de Jesus Cristo, que não pode ser estendido ou prolongado de qualquer forma por causa de sua singularidade dentro da economia da salvação e seu significado soteriológico de uma vez por todas. [51]

Acho importante ver aqui que a interconexão natureza-graça e a interconexão Cristo-Igreja são corolários. Allison e De Chirico rejeitam o último porque rejeitam o primeiro. Este último está ligado ao primeiro da seguinte maneira. Allison cita De Chirico: “Entre as ordens da natureza e da graça, é necessário um sujeito mediador para representar a natureza à graça e a graça à natureza, para que a natureza seja progressivamente e mais plenamente agraciada e a graça finalmente atinja seu objetivo final de elevar a natureza. Essa mediação é a razão de ser teológica  da Igreja Católica Romana e o papel principal da Igreja dentro do sistema católico romano mais amplo”. [52] Uma vez que já critiquei sua visão de natureza e graça acima, não vou repetir minha crítica aqui, exceto para dizer que sua visão da Ascensão reforça a descontinuidade entre natureza e graça, resultando em sua rejeição da Igreja como mediadora da graça.

Resumindo para meu propósito aqui, gostaria de me concentrar na rejeição total de Allison da ideia de que a Igreja é “o agente mediador entre a graça de Deus e o mundo da natureza. Essa não é a visão de De Chirico. Ele qualifica a rejeição da “mediação” porque há, diz ele, “a pregação da Palavra e a administração dos sacramentos”. [53] Mas, na medida em que De Chirico concede que a graça nos chega pela meditação da Igreja e pela pregação da Palavra e dos sacramentos, ele não tem fundamento para fazer uma objeção em princípio à doutrina católica da “lei da Encarnação”. Ainda assim, ele rejeita a alegação eclesiológica da Igreja Católica de que ela é “a agência mediadora entre a natureza e a graça”. [54]Ele acrescenta: “A Igreja Católica Romana está em continuidade com a Encarnação e é a nova promulgação da lei da Encarnação, sendo o agente mediador pós-ascensão que incorpora as aspirações da natureza às quais a missão da graça é confiada”. [55] Agora, além da rejeição explícita de Allison da alegação básica do Vaticano II de que a Igreja Católica possui “a plenitude dos meios de salvação”, a única outra razão pela qual posso ver por que ele rejeita a ideia de que a Igreja media graça é porque ele, como De Chirico, está profundamente angustiado com a tendência de substituir “a igreja no lugar de seu Senhor ausente” (Michael Horton citado por Allison). [56] Mas a mediação eclesial é, segundo o CIC, analógica e participativa e, portanto, não a fonte primária da graça, nem mesmo quando se trata dos sacramentos, mas apenas um meio instrumental de graça. Como Berkouwer corretamente entende, “Deus é a causa da graça, como causa principalis , e … Ele é essa causa principalis nos sacramentos como causa instrumentalis … Em última análise, Deus, como causa principalis, é o trabalhador da graça”. [57] De Chirico ignora completamente esta distinção entre as causas e o ponto fundamental de que os sacramentos não comunicam graça em si mesmos e à parte de Deus. Embora preste alguma atenção à “analogia”, ele não leva a sério a compreensão da consciência cristológica da Igreja que o CIC traz, ou seja, sua consciência de que a Igreja Católica é a Igreja “de Cristo”: Lumen gentium cum sit Christus” ( LG §1). Como explica o Cardeal Marc Ouellet o ensinamento da Lumen Gentium e, portanto, do CIC:

A luz das nações [ lumen gentium ] é Cristo e não a Igreja, mas esta luz brilha no rosto da Igreja. Essa consciência cristológica é expressa no primeiro parágrafo da Constituição Dogmática sobre a Igreja, quando usa o termo “sacramento ” para expressar a relação entre a realidade visível da Igreja e o mistério invisível – “mysterion” – de Deus em Cristo: “a Igreja está em Cristo como sacramento ou como sinal e instrumento tanto de uma união muito estreita com Deus como da unidade de todo o gênero humano” ( LG §1). [58]

Além disso, sua ênfase na descontinuidade entre Cristo e a Igreja, Cristo e o mundo, levanta a questão de como manter a dialética entre a presença e a ausência de Cristo na Igreja dada sua Ascensão e, com ela, a relação adequada entre a Igreja e o mundo, Cristo e a cultura e, consequentemente, a natureza e a graça. A brevidade de meus comentários críticos a seguir destina-se apenas a iniciar a conversa ecumênica de abordar essas questões.

A tradição católica concorda que “desde a Ascensão, o plano [de salvação] de Deus entrou em seu cumprimento” ( Catecismo , §670). A teleologia da Encarnação, do plano salvífico de Deus, realiza-se na Ascensão de Jesus Cristo, porque pela “entrada irreversível da sua humanidade na glória divina” ( Catecismo , §659), a sua Ascensão não só “afirma verdadeiramente a nossa humanidade em Cristo”, mas também “completa a formação do homem e aperfeiçoa a sua imagem no homem. Ao levar nossa humanidade para o Pai, Jesus leva a natureza humana como tal ao seu verdadeiro fim e ao seu pleno potencial no Espírito Santo”. [59] Além disso, a Ascensão de Jesus Cristo nos convida a considerar que “a Ascensão de Cristo ao céu significa sua participação, em sua humanidade, no poder e autoridade de Deus”. Ou seja, “Jesus Cristo é o Senhor: ele possui todo o poder no céu e na terra. Ele está ‘muito acima de todo governo e autoridade e poder e domínio’, pois o Pai colocou todas as coisas debaixo de seus pés’ [Ef 1, 20-22]. Cristo é o Senhor do cosmos e da história. Nele a história humana e, de fato, toda a criação são ‘apresentadas’ e cumpridas transcendentemente [Ef 1, 10; cf. Ef 4, 10; 1 Coríntios 15,24, 27-28]” ( CIC, §668). Quando Allison e De Chirico estão criticando o catolicismo do ponto de vista de uma ênfase não qualificada no pecado e, portanto, uma descontinuidade entre natureza e graça, eles perdem teologicamente essa compreensão da Ascensão. Por outro lado, sua visão qualificada está aberta a essa interpretação. A visão católica da natureza e da graça como a esbocei acima se encaixa bem com essa compreensão da Ascensão. Pois a compreensão da natureza e da graça pressuposta nessa visão nada mais é do que o ensinamento de Tomás de Aquino de que a graça aperfeiçoa a natureza, não abolindo nem suprimindo a natureza, ou deixando-a intocada, mas elevando-a bem como aperfeiçoando-a ou completando-a de dentro de sua própria ordem.

Além disso, a visão católica é de que a teleologia da Encarnação envolve o prolongamento da Encarnação, não apenas nas palavras da Sagrada Escritura, a revelação verbal de Deus, e em sua proclamação, mas também nas ações sacramentais da Igreja, porque essas ações são, como Allison corretamente vê, mas rejeita categoricamente, “instrumentos de graça que operam concretamente através desses meios visíveis”. Isso é resultado da influência do reformador suíço Ulrich Zwinglio (1484-1531) sobre Allison; Zwinglio vê os sacramentos como um mero sinal exterior ou vazio (nudum signum), implicando a exclusão da graça do sacramento. Bavinck descreve a posição dos zwinglianos: “É verdade que os sacramentos representam visivelmente os benefícios que os crentes receberam de Deus, mas fazem isso como confissões de nossa fé e não conferem graça”. [60] Eu qualifico as raízes confessionais da rejeição dos sacramentos por Zwinglio como meios de graça porque, como o teólogo reformado holandês Abraham Kuyper corretamente observou: graça nos sacramentos”. [61] Allison reconhece essa diferença entre ele mesmo como um zwingliano evangélico e “um grande segmento da teologia protestante”, mas ele parece desinteressado em assumir a convergência entre Roma e a tradição reformada como uma oportunidade para o diálogo ecumênico e para uma nova perspectiva em relação à controvérsia Roma/Reforma sobre os sacramentos. Berkouwer, por exemplo, aceitou esse desafio ecumênico em sua extraordinária obra de 1954, The Sacraments, assim como o último meio século de diálogos ecumênicos bilaterais entre o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e as várias tradições confessionais de metodistas, luteranos, anglicanos e reformados. Dada a natureza complexa da teologia sacramental, posso apenas destacar alguns dos aspectos mais significativos dos frutos desse diálogo ecumênico do qual Allison teria se beneficiado em sua avaliação evangélica da teologia católica.

Por exemplo, Allison enfatiza que, de acordo com a teologia sacramental católica, a eficácia sacramental da graça, de fato, “o fundamento de sua validade . . . dos sacramentos” é “ ex opere operato ”, que significa literalmente “pelo próprio fato da ação ser realizada. “Sua validade está completamente ligada ao seu signo, que é virtuoso ou poderoso em si mesmo”. Dada a teologia sacramental zwingliana de Allison, ele rejeita o ensino reformado, luterano e católico de que os sacramentos conferem a graça divina, mas também considera “a questão de sua validade ex opere operato [ser] discutível”.

Allison está errado aqui em vários pontos em relação à diferença entre a teologia reformada dos sacramentos e a teologia sacramental católica (244-245). Primeiro, Berkouwer argumenta que a objeção reformada ao ex opere operato (“pelo trabalho realizado” ou “pela força da própria ação”) não deve ser colocada em termos de eficácia sacramental. A questão não é se os sacramentos são objetivamente eficazes, mas sim como eles exercem sua eficácia. [62] Essa também é a visão de Bavinck e, sem dúvida, a visão de Calvino e Lutero. Se assim for, portanto, a diferença entre a sacramentologia reformada e católica não é sobre a eficácia real e objetiva dos sacramentos, em que o sinal visível não é apenas expressivo, mas também eficaz na comunicação da graça. Mas é sobre, diz Berkouwer, “uma compreensão totalmente diferente do que é eficácia”. [63]

Em segundo lugar, Allison interpreta erroneamente o ex opere operato levando a uma visão dos sacramentos “como sendo mecânicos, impessoais e eficazes à parte da fé e da obediência”. Sua leitura errada deriva de ignorar o fundamento cristológico explicitamente declarado no CIC do ex opere operato. O papel primordial de Cristo nos sacramentos é fundacional: “Eles [os sacramentos] são eficazes porque neles o próprio Cristo atua: é Ele quem batiza, é Ele quem age em seus sacramentos para comunicar a graça que cada sacramento significa… Este é o sentido da afirmação da Igreja de que os sacramentos atuam ex opere operato… em virtude da obra salvífica de Cristo, realizada de uma vez por todas” (§§1127-1128). Allison cita o §1127, mas não consegue ver seu significado para a compreensão adequada do ex opere operato.

Além disso, porque Allison confunde a diferença crucial entre causa principal e causa instrumental, com Deus como a causa última da graça, de modo que em si e à parte de Deus eles não comunicariam graça, ele separa “o poder que opera nos sacramentos de sua fonte, e os considerava trabalhando por si mesmos”. [64] Não é de admirar que leituras, como a de Allison, levem à acusação de que a sacramentologia católica sofre de autômato sacramental, ritualismo, juridicismo, graça barata, uma visão deísta de “ex opere operato”, de tal forma que os sacramentos são divorciados de seu caráter cristológico. fundamento, isto é, “de sua própria e única fonte, a saber, de Cristo, o verdadeiro e único doador da graça, e lhes dá um status independente”. [65] Sob essa luz, podemos entender por que mesmo Edward Schillebeeckx fala da própria visão que Allison rejeita como “o cadáver sem cabeça do sacramentalismo”, [66] significando assim que os sacramentos foram separados do “fundamento cristológico da eficácia ex opere operato ” [67]

Em terceiro lugar, voltando agora à teleologia da Encarnação nas ações sacramentais da Igreja e a influência da Ascensão, em particular, sobre a Eucaristia, o ensinamento católico é que esta teleologia é “completada na continuação eucarística da presença de Cristo no mundo. A Eucaristia é a extensão sacramental da Encarnação”. [68]Presença Eucarística, o ensino católico de que Cristo está “verdadeira, real e substancialmente presente” na Eucaristia, é rejeitado por Allison porque está “fundado no axioma da interconexão Cristo-Igreja”, e esse axioma pressupõe “uma visão defeituosa da ascensão” (317). Se Cristo subiu ao céu, como se pode dizer com sentido que ele está presente “corpo e sangue, alma e divindade” sob as espécies de pão e vinho na Eucaristia? Ele não pode realmente estar presente, de acordo com Allison, exceto simbolicamente e espiritualmente.

Dadas as limitações deste artigo, não posso entrar aqui na crítica de Berkouwer ao especioso dilema do símbolo ou da realidade na sacramentologia reformada. Berkouwer defende a versão reformada da “Presença Real” na Eucaristia, afirma o significado sacramental dos sinais do pão e do vinho e a ligação entre eles e o que é significado, a saber, o corpo e o sangue de Cristo, resultando então na defesa da “realismo sacramental”. Isso resulta em sua rejeição definitiva de entender a presença de Cristo como mera presença espiritual. Allison ignora Berkouwer nesta questão da sacramentologia católica e seu diálogo ecumênico do ponto de vista de uma sacramentologia reformada. Em particular, Berkouwer – ao contrário de Allison – leva a sério a questão fundamental que informa o diálogo de Berkouwer com os católicos: o que “funda firmemente a conjunção entre o signo e o significado nos atos de Deus”. A resposta de Berkouwer a essa pergunta avança a discussão entre católicos e cristãos reformados, indo além do lugar onde Allison ainda está presa. Diz Berkouwer: “Isso é rejeitar a conjunção automática que despersonaliza o sacramento, mas também rejeitar a noção do mero sinal em si, pois através do Espírito, por causa de sua instituição por Deus, o sinal é cheio de eficácia em relação à fé. É por isso que o mas também rejeitar a noção do mero sinal em si mesmo, pois através do Espírito, por causa de sua instituição por Deus, o sinal é cheio de eficácia em relação à fé. É por isso que o mas também rejeitar a noção do mero sinal em si mesmo, pois através do Espírito, por causa de sua instituição por Deus, o sinal é cheio de eficácia em relação à fé. É por isso que oper sacramentum e o cum sacramentum podem ser aceitos simultaneamente sem nos envolver em contradições”. [69]
Além disso, Berkouwer avança o diálogo ecumênico sobre a sacramentologia, particularmente, a questão fundamental da presença eucarística porque entende que o cerne da questão entre sacramentologia católica e reformada “não é uma diferença entre praesentiarealis ou não, mas uma diferença quanto ao modo desta presença”. [70] Allison ignora este assunto. Este é particularmente o caso em relação à crítica de Allison de que os católicos têm uma visão defeituosa da Ascensão. Em particular, Berkouwer argumenta contra visões como as de Allison de que a expectativa escatológica do retorno de Cristo não é obscurecida por essa presença já realizada. Berkouwer escreve:

Não é exagero dizer que a controvérsia sobre a presença real de Cristo na Ceia do Senhor, em última análise, se resume a uma visão diferente sobre o significado do retorno de Cristo e o significado da orientação escatológica da fé. Isso não significa que falar da presença de Cristo na Ceia do Senhor implica automaticamente um perigo para a expectativa escatológica, para o “ainda não”. Se fosse esse o caso, católicos romanos, luteranos e reformados concordariam neste ponto, pois todos falam da presença de Cristo na Ceia do Senhor. Portanto, tudo depende do modo da presença de Cristo na Ceia. [71]

Pace Allison, o que isso significa é que o modo eucarístico da presença de Cristo é em si escatológico, o “já” da presença prometida na ausência, que é o “ainda não” do futuro ainda por vir.

Por fim, concluo retornando brevemente à compreensão de natureza e graça que Allison e De Chirico defendem no contraste que fazem com a suposta interconexão natureza-graça no catolicismo. Lembre-se de que eles enfatizam a descontinuidade entre natureza e graça por causa do pecado e, portanto, parecem deixados com uma ruptura entre Cristo e a Igreja, Cristo e o mundo e, portanto, natureza e graça. Suas pressuposições, sem dúvida, são incompatíveis com a “conversão substancial” do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo. A presença eucarística não pode ser pensada sem uma mudança real e, nesse sentido, ontológica do pão e do vinho em forma sacramental. Como disse Edward Schillebeeckx, [72] É claro que os conceitos aristotélico-tomistas de substância e acidentes não pertencem ao conteúdo da fé, e nem a Igreja em geral ou Trento em particular afirma que sim.

Embora a Presença Real de Cristo tenha sido afirmada ao longo dos tempos quando a Igreja falou de uma mudança real ou substancial do pão e do vinho em conexão com a Eucaristia, isso não impede um certo desenvolvimento dogmático da doutrina eucarística entre a Patrística e os Medievais, como Tomás de Aquino, sobre a natureza da presença real. Este desenvolvimento inclui o conceito de transubstanciação que entrou na discussão dogmática com o Quarto Concílio de Latrão em 1215, um relato do modo de presença eucarística de Cristo que foi posteriormente desenvolvido plenamente pela Summa Theologiae de Tomás de Aquino, escrita em 1272, e depois afirmada pelo Concílio de Trento.
Não posso entrar aqui em uma crítica das afirmações de Allison sobre o conceito de transubstanciação (316-319), exceto para dizer que, assim como o desenvolvimento do dogma trinitário, a introdução do conceito de homoousios (“da mesma substância”) foi controverso quando usado por o Concílio de Nicéia para definir a unidade do ser do Filho com o Pai, assim também o conceito de transubstanciação gerou conflito na tentativa de salvaguardar a fé da Igreja na presença eucarística. Ou seja, Cristo está verdadeira, real e substancialmente presente, na doação sacramental de Si mesmo, de tal forma que identificou Ele mesmo, sua Pessoa e, portanto, também seu Corpo e Sangue, na mudança que a Igreja chama de transubstanciação, com os sinais do pão e do vinho, em vez de tomá-los como meros sinais de sua morte sacrificial. Como diz Sokolowski:

Este fato [de identificação] é evidenciado por um notável comentário de Santo Tomás, que observa que na Oração Eucarística Cristo é citado não dizendo: ‘Este pão é meu corpo’, mas ‘Este é meu corpo’. Se Cristo tivesse dito que ‘este pão’ era seu corpo, então a coisa referida ainda seria pão, mas o simples pronome demonstrativo ‘este’ sem um substantivo implica que não é mais pão. [73]

Negar esta mudança substancial implica a negação da presença corporal do Cristo glorificado e, portanto, da presença sacramental de Cristo. Além disso, pace Allison, corretamente entendido, a transubstanciação é um conceito escatológico – uma Parúsia sacramental porque a criação caída “já compartilha da situação escatológica da corporeidade glorificada [do corpo e sangue de Cristo]”. Schillebeeckx continua:

Mas ainda estamos no ‘já agora’ e ‘ainda não’ que caracteriza o período de salvação entre a ressurreição e a Parúsia, e o pão e o vinho consagrados, portanto, ainda pertencem, em seu novo significado como ‘nova criação’ da ordem da salvação, para ‘este velho mundo’ também. Por esta razão, a transubstanciação contém duas dimensões – uma mudança de ser do pão e do vinho (em que o corpo glorificado de Cristo é realmente oferecido pelo Espírito Santo), mas dentro da forma terrestre, mas agora (através dessa mudança de ser) forma sacramental do pão e do vinho, que permanecem sujeitos, neste mundo secular, às leis terrestres da corporeidade. A transubstanciação tem assim duas dimensões de uma mesma realidade indivisa. Este é o significado essencial do dogma.” [74]

A Eucaristia é, por sua própria natureza, um evento do período entre a ressurreição e a Parousia, um período durante o qual as realidades terrenas se tornam manifestações históricas do dom da graça aqui e agora e – na liturgia sacramental, no mistério da a comunidade de graça da Igreja liderada por seu ofício; isto é, especialmente na Eucaristia – são retirados de sua independência secular, de seu “ser eles mesmos”, a ponto de se tornar a forma sacramental na qual a corporeidade celestial do próprio Cristo – isto é, de sua presença real para mim – aparece… É, naturalmente, uma presença terrena sacramental, devido ao ato real de Cristo de se fazer presente no dom do pão sagrado colocado à disposição de todos os que desejam aproximar-se deste sacramento com fé. Por isso, a verdadeira realidade da Eucaristia não é mais o pão, mas simplesmente o corpo e o sangue de Cristo em forma sacramental. [75]

Em conclusão, além da tentativa de Schillebeeckx de desviar a crítica de que o dogma da transubstanciação pressupõe uma visão defeituosa da Ascensão, também vislumbramos aqui o argumento de que a transubstanciação pressupõe o conceito de graça transformadora e realizadora da natureza, com a presença real de Cristo sendo uma amostra da nova criação. O que é então essencial ao dogma da presença eucarística é uma profundidade ou densidade ontológica em que a conversão substancial do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo “introduz na criação o princípio de uma mudança radical”, segundo Bento XVI, “ uma espécie de ‘fissão nuclear’, para usar uma imagem que nos é familiar hoje, que penetra no coração de todo o ser, uma mudança destinada a desencadear um processo que transforma a realidade,[76]

Comecei este artigo enfatizando a importância do imperativo ecumênico. Concluo então com uma palavra de Berkouwer, o mestre reformado da dogmática e da teologia ecumênica do século XX: , de diálogo, contato, controvérsia e pelo esforço ecumênico para superar as divisões da Igreja”. [77]


[1] Concílio Vaticano e Nova Teologia (Kampen: JH Kok, 1964). ET: O Concílio Vaticano II e o Novo Catolicismo, Traduzido por Lewis Smedes (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1965), 250.

[2] Teologia e Prática Católica Romana: Uma Avaliação Evangélica (Wheaton, Illinois: Crossway, 2014), Pp. 493.

[3] Eduardo Echeverria, Berkouwer e o Catolicismo , Questões Disputadas (Leiden/Boston: Brill, 2013). Estudos em Teologia Reformada, Vol. 24.

[4] De fato, Allison “não pretende falar por todos os evangélicos ou representar as muitas versões da teologia evangélica; dada a natureza expansiva do evangelicalismo, nenhuma pessoa e nenhuma faixa teológica em particular pode realizar essa tarefa”. No entanto, apesar de sua isenção de responsabilidade, Allison persiste em falar pela “teologia evangélica” ao longo de seu livro.

[5] Berkouwer, O Concílio Vaticano II e o Novo Catolicismo , 254.

[6] João Paulo II, Carta Encíclica, 1995, Ut unum sint , §§28, 47, respectivamente.

[7] “Towards a Common Understanding of the Church”, em Deepening Communion , International Documents with Roman Catholic Participation, editado por William G. Rusch e Jeffrey Gros (Washington, DC: United State Catholic Conference, 1998), 179-229, e em 187.

[8] João Paulo II, “Para que sejam um”, §79, dá como exemplos de questões que carecem de maior diálogo ecumênico: “1) a relação entre a Sagrada Escritura, como autoridade máxima em matéria de fé, e a Sagrada Tradição, indispensável à interpretação da Palavra de Deus; 2) a Eucaristia, como Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo, oferta de louvor ao Pai, memorial sacrificial e Presença Real de Cristo e derramamento santificador do Espírito Santo; 3) Ordenação, como sacramento, ao tríplice ministério do episcopado, presbitério e diaconado; 4) o Magistério da Igreja, confiado ao Papa e aos Bispos em comunhão com ele, entendido como responsabilidade e autoridade exercida em nome de Cristo para ensinar e salvaguardar a fé; [e] 5) a Virgem Maria, como Mãe de Deus e Ícone da Igreja,

[9] Acho que o mesmo deve ser dito do pequeno estudo de Leonardo De Chirico, Papacy, Its Origin and Role in the 21 st Century (Rossshire, Escócia: Christian Focus Publications, 2015). Sobre os frutos desses diálogos, ver o estudo de Walter Cardinal Kasper, Harvesting the Fruits: Basic Aspects of Christian Faith in Ecumenical Dialogue (Londres: Bloomsbury, 2009).

[10] João Paulo II, Ut unum sint, §6. A citação dentro da citação é do Decreto sobre o Ecumenismo, §1.

[11] “Rumo a um Entendimento Comum da Igreja”, 187.

[12] João Paulo II, Para que sejam um , §13.

[13] Agradeço ao Pe. Thomas Guarino, Seton Hall University, por me ajudar a formular esse dilema. Considero uma solução para esse dilema – novamente, com a ajuda dele – em meu livro recente, Papa Francisco. O Legado do Vaticano II (Editora Lectio, 2015), 145-181.

[14] Há também um capítulo sobre Dei Verbum em GC Berkouwer, Afterthought at the Council (Kampen: Kok, 1968). Este é o segundo livro de Berkouwer sobre o Vaticano II, mas permanece sem tradução.

[15] Além disso, veja Aidan Nichols, OP, dois volumes de comentário sobre o Catecismo da Igreja Católica : O Esplendor da Doutrina , I, Sobre a Crença Cristã; The Service of Glory , II, Sobre Adoração, Ética, Espiritualidade (T&T Clark, 1995, 1997, respectivamente).

[16] João Paulo II, Para que sejam um , §24.

[17] João Paulo II, “Para que sejam um “, §28.

[18] João Paulo II, Para que sejam um , §29.

[19] João Paulo II, Para que sejam um , §41.

[20] João Paulo II, Ut unum sint , §§28, 47, respectivamente.

[21] João Paulo II, “Para que sejam um “, §84.

[22] G. C. Berkouwer, A Igreja , Vol. I, Unity and Catholicity (Camps: JH Kok, 1970, 91n130. ET: The Church , Traduzido por James E. Davidson (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1976), 74n71.

[23] Berkouwer, O Concílio Vaticano II e o Novo Catolicismo , 30.

[24] Berkouwer, O Concílio Vaticano II e o Novo Catolicismo , 254.

[25] Perspectivas teológicas evangélicas sobre o catolicismo romano pós-Vaticano II (Berna: Peter Lang, 2003). Vol. 19, Religiões e Discurso, Editado por James MM Francis.

[26] De Chirico, Evangelical Theological Perspectives, 237.

[27] Por exemplo, William Lane Craig, “Deus não está morto ainda: como os filósofos atuais argumentam por sua existência”, Christianity Today , 3 de julho de 2008, https://www.christianitytoday.com/ct/2008/july/13.22 .html.

[28] Encyclopedia of Sacred Theology , II, 254-255; ver também 227, 231. ET: Princípios da Sagrada Teologia , 301-302; ver também 275, 279. Reformed Dogmatics , I, 290-291. ET: Reformed Dogmatics , I, 318-319.

[29] Os Cânones de Dort (1618-1619), em Confissões Reformadas dos Séculos XVI e XVII em Tradução Inglesa , Vol. 4, 1600-1693, Cumprido com a Introdução de James T. Dennision Jr. (Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2014), 120-153, e em 135, Artigo 4, Terceiro e Quarto Chefes de Doutrina.

[30] CIC cita na nota anexa a esta citação de Pio XII, referências ao Vaticano I, Dei Filius 2; Vaticano II, Dei Verbum 6, e São Tomás de Aquino, Summa Theologiae , I, I, I. Para um estudo aprofundado das questões levantadas aqui, ver Echeverria, Berkouwer and Catholicism , 110-272.

[31] Thomas Guarino, Foundations of Systematic Theology (Londres/Nova York: T&T Clark, 2005), 269.

[32] Calvino, Institutas , IV, XIV, 6: “Podemos nos referir a outras similitudes, pelas quais os sacramentos são mais claramente designados, como quando são chamados de pilares de nossa fé. Pois assim como um edifício se apoia e se apoia em seu fundamento, e ainda se torna mais estável quando sustentado por pilares, assim a fé se apoia na palavra de Deus como seu próprio fundamento, e ainda quando os sacramentos são adicionados se apóia mais firmemente, como se repousasse sobre pilares. Ou podemos chamá-los de espelhos, nos quais podemos contemplar as riquezas da graça que Deus nos concede. Pois então, como foi dito, ele se manifesta a nós na medida em que nossa estupidez pode nos permitir reconhecê-lo, e testemunha seu amor e bondade para conosco mais expressamente do que por palavras”.

[33] O reformador suíço Ulrich Zwingli (1484-1531) vê os sacramentos como um mero sinal exterior ou vazio ( nudum signum ), implicando a exclusão da graça do sacramento. Bavinck descreve a posição dos zwinglianos: “É verdade que os sacramentos representam visivelmente os benefícios que os crentes receberam de Deus, mas fazem isso como confissões de nossa fé e não conferem graça” ( Gereformeerde Dogmatiek IV, 448 [470]. rejeição de Zwinglians ou Anabatists, como ele também os chamou, veja seu The Large Catechism , Traduzido por Robert H. Fischer (Philadelphia: Fortress Press, 1959), Quarta Parte: Batismo, 80-101.

[34] Deus é a causa eficiente principal e os sacramentos são exemplos de causalidade eficiente instrumental. Sobre esta distinção e sua importância sacramental, ver Tomás de Aquino, Summa Theologiae III, q. 62, A. 1, anúncio 1, anúncio 2; e q. 62, A. 5.

[35] Bavinck, Reformed Dogmatics IV, 451 [474].

[36] Citado por Berkouwer, The Sacraments (Kampen: JHKok, 1954), 101-102. Traduzido por Hugo Bekker como The Sacraments (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1969), 84.

[37] Faith, Form, and Fashion, Classical reformed Theology and its Postmodern Critics (Eugene, OR: Cascade Books, 2014), 28.

[38] Ver Bondage and Liberation of the Will , 2.263 (no n. 58), 264 (no n. 63, 65), 284 (no n. 213), 290 (no n. 259); 4.331 (no nº 45); 5.361 (no nº 100); 6.381 (no n. 59). Wederkomst van Christus , I [Kampen: Kok, 1961], 279. Traduzido por James van Oosterom como The Return of Christ [Grand Rapids: Eerdmans, 1972], 225).

[39] De Chirico, Evangelical Theological Perspectives, 236.

[40] GC Berkouwer, Second Coming of Christ , I (Kampen: Kok, 1961), 279. Traduzido por James van Oosterom como The Return of Christ (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), 225.

[41] Gereformeerde Dogmatiek , 4 (Kampen: Kok, 1901), 702. ET: John Bolt, ed., Reformed Dogmatics , vol. 4, Espírito Santo, Igreja e Nova Criação , trad. John Vriend (Grand Rapids: Baker Academic, 2008), 720, veja também a nota do editor, 697.

[42] Nas palavras do anglicano tomista, EL Mascall, The Openness of Being, Natural Theology Today , Gifford Lectures, 1970-1971 (Londres: Darton Longman & Todd, 1971), 153.

[43] De Chirico, Evangelical Theological Perspectives, 237.

[44] Mascall, A Abertura do Ser, 153.

[45] Para esta citação, veja Jan Veenhof, “Nature and Grace in Bavinck”, Pro Rege junho de 2006, 10–31, e em 22; ver também Gereformeerde Dogmatiek , 4 (Kampen: Kok, 1901), 702. ET: John Bolt, ed., Reformed Dogmatics , vol. 4, Espírito Santo, Igreja e Nova Criação , trad. John Vriend (Grand Rapids: Baker Academic, 2008), 720, veja também a nota do editor, 697.

[46] GC Berkouwer, Segunda Vinda de Cristo , II, 267–68; ET: 449-450.

[47] Henri de Lubac, A Brief Catechesis on Nature & Grace (San Francisco: Ignatius Press, 1984), 81.

[48] ​​HU von Balthasar, Word and Mystery at Origen (Paris: Cerf, 1957), 51, citado por Marc Cardinal Ouellet, Mystery and Sacrament of Love , Traduzido por Michelle K. Borras e Adrian J. Walker (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2015), 27.

[49] De Chirico, Evangelical Theological Perspectives, 250.

[50] De Chirico, Evangelical Theological Perspectives, 275.

[51] De Chirico, Perspectivas Teológicas Evangélicas , 275-276. Veja também, Allison, 64-65.

[52] De Chirico, Evangelical Theological Perspectives , 249. Veja também, Allison, 56.

[53] De Chirico, Evangelical Theological Perspectives, 248.

[54] De Chirico, Evangelical Theological Perspectives, 249.

[55] De Chirico, Evangelical Theological Perspectives, 249.

[56] Envolvo Michael Horton em afirmações como esta e outras que ele faz contra o catolicismo em meu artigo, “Revelação, Fé e Tradição: Diálogo Ecumênico Católico”, Calvin Theological Journal 49 (2014): 25-62.

[57] Berkouwer, Os Sacramentos ; E: 65.

[58] Marc Cardeal Ouellet, Mistério e Sacramento de Amor, 24.

[59] Douglas Farrow, Teologia da Ascensão (Londres/Nova York: T&T Clark, 2011), xii, 122.

[60] Gereformeerde Dogmatiek IV, 448 [ET: 470]. Para a rejeição de Lutero aos zwinglianos ou anabatistas, como ele também os chamava, veja seu The Large Catechism , Fourth Part: Baptism, 80-101.

[61] Citado por Berkouwer, The Sacraments , 84.

[62] Para a defesa de Berkouwer da eficácia sacramental, mas não ex opere operato , ver The Sacraments , 13-26, 56-89. Ver também, GC Berkouwer, “ Ex Opere Operato ”, Parte I, Reformed Theological Journal 53 (No. 3-1953): 78-88; idem., “ Ex Opere Operato ”, Parte II, Reformed Theological Journal 53 (No. 4-1953): 93-103. Assim, também, Herman Bavinck, “Calvin’s Doctrine of the Lord’s Supper,” Mid-America Journal of Theology19 (2008; [1887]): 127-142, e em 132: “Com essa visão objetiva do sacramento, Calvino fica decididamente do lado de Roma e dos luteranos. . . . [Calvino] dificilmente pode encontrar palavras fortes o suficiente para expressar sua convicção sobre a presença real, essencial e genuína da própria carne de Cristo e de seu próprio sangue na Ceia do Senhor. Ele declara explicitamente que a questão entre ele e seus oponentes católicos romanos e luteranos envolve apenas o modo dessa presença” (132).

[63] Berkouwer, Os Sacramentos , 62.

[64] Johann Adam Möhler, Simbolismo , Traduzido por JB Robertson (Nova York: Crossroad Herder Book, 1997 [1832]), 218n2.

[65] Karl Adam, The Spirit of Catholicism , Traduzido por Dom Justin McCann, OSB (Steubenville, Ohio: Franciscan University Press, 1996 [1929]), 27.

[66] Edward Schillebeeckx, OP, Christus Sacrament van de Godsontmoeting , Achtste druk (Bilthoven: H. Nelissen, 1966 [1959]). Traduzido por Paul Barrett, OP, et al , como Cristo o Sacramento do Encontro com Deus (Oxford/Toronto: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 1963). Cristo Sacramento do Encontro com Deus , 88n60. Esta nota, de fato, todo o apêndice, “St. A Interpretação Cristológica da Causalidade Sacramental Ex Opere Operato de São Tomás” (82-89), não está presente na edição original holandesa.

[67] Schillebeeckx, Cristo Sacramento do Encontro com Deus , 85.

[68] Robert Sokolowski, “Phenomenology and the Eucharist”, em Christian Faith & Human Understanding (Washington, DC: Catholic University of America Press, 2006), 72. Hans Urs von Balthasar ecoa este ponto católico: “Somente a Eucaristia realmente completa a Encarnação” ( Theo-Drama , IV, Traduzido por Graham Harrison (San Francisco: Ignatius Press, 1994 [1980]), 338-351, e em 348).

[69] Berkouwer, Os Sacramentos , 87-88.

[70] Berkouwer, Os Sacramentos , 223.

[71] Berkouwer, Os Sacramentos , 236.

[72] The Eucharist , traduzido por ND Smith [New York: Sheed and Ward, 1968], 75-76.

[73] Sokolowski, “A Eucaristia e Transubstanciação”, em Christian Faith & Human Understanding , 105-106.

[74] A Eucaristia , 83.

[75] A Eucaristia , 84-85.

76 Bento XVI, Exortação Apostólica Pós-Sinodal, 22 de fevereiro de 2007, Sacramento da Caridade , §11.

[77] O Concílio Vaticano II e o Novo Catolicismo , 249.

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